Ao contrário de muita gente na esquerda, levo Trump a sério. Um político que passou quase um ano em campanha contra toda a imprensa, contra o seu partido e com a sua estratégia atacada por todos, e mesmo assim é eleito Presidente, tem que ser levado mesmo muito a sério. Trump tem qualidades políticas indiscutíveis. O que aconteceu nos Estados Unidos não foi um acidente, mas a vitória de um político mobilizador e carismático. Chega de ilusões e de nos enganarmos a nós próprios.

Mas, ao contrário de muita gente na direita, acho que Trump é um perigo e uma enorme ameaça para a Europa e para Portugal. A curto prazo, pode ser positivo para o crescimento económico americano. Óptimo para os americanos, mas eu sou europeu e português. E Trump pode ser muito mau para a Europa. Quando se ouve um presidente americano dizer que a NATO está ultrapassada e que o Brexit iniciou o caminho para o fim da União Europeia, percebemos que tudo mudou e que o mundo está mesmo complicado. Bem sei que alguns dos membros da nova administração vieram rapidamente desmentir Trump, mas isso não chega. Trump é o Presidente e, sublinho, já não está em campanha.

Estou-me nas tintas para que Trump seja um Presidente republicano. O que me interessa são as suas ideias e, acima de tudo, as suas políticas no futuro. Em relação à NATO e à União Europeia, Trump usa a linguagem de Putin, de Marine Le Pen, do Podemos e, aqui em Portugal, do Bloco de Esquerda e do PCP. Combati sempre as ideias do presidente russo, da extrema-direita europeia e da extrema-esquerda ibérica nas questões europeias, e não mudo de posição só porque um Presidente norte-americano republicano também as defende. Fico apenas muito mais preocupado. O BE e o PCP podem atacar a NATO todos os dias. Mas o Presidente americano tem o poder para acabar com a aliança. Putin prejudica a União Europeia, mas a oposição dos Estados Unidos à integração europeia seria uma questão existencial (sobretudo depois da saída do Reino Unido da UE).

No entanto, as declarações de Trump podem ter um efeito político clarificador, o que seria positivo. Passámos demasiado tempo a dar a Aliança Atlântica e a União Europeia como um dado adquirido. Chegou a altura de percebermos que as duas instituições tal como começaram podem acabar. O fim das duas ameaçaria a liberdade, a prosperidade e a democracia na Europa. Dito de outro modo, o nosso modo de vida estaria em causa. O novo Presidente americano acelerou e expôs de um modo claro a crise existencial da Europa e isso terá impacto nas forças políticas nacionais e europeias.

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A partir de agora a sobrevivência da Aliança Atlântica, da União Europeia e do Euro passaram a ser questões centrais e vão perturbar os alinhamentos políticos existentes. Chego assim ao PS e à geringonça. O debate entre Pedro Nuno dos Santos, de um lado, e Francisco Assis e Sérgio Sousa Pinto, do outro, deve ser colocado neste contexto mais alargado. Pedro Nuno dos Santos, e outros no PS, colocam a divisão entre esquerda e direita no centro da vida política. Para Assis e Sousa Pinto, sem negarem a relevância da oposição esquerda-direita, existem outras fracturas políticas mais importantes. A divisão definidora da política europeia separa os partidos democráticos e liberais dos partidos de inspiração totalitária. O PS faz parte dos primeiros e o PCP e o BE pertencem aos segundos. Por isso, o PS é pró-NATO, pró-UE e pró-Euro; e o PCP e o BE são anti-NATO, anti-UE e anti-Euro.

Como sabemos, Sousa Pinto e Assis têm a história do seu lado. Num outro momento definidor da história portuguesa, entre 1974 e 1976, o PS escolheu estar do lado da Europa contra as forças políticas anti-europeias. Por isso, aliou-se ao PSD e ao CDS contra o PCP (e contra os pais e as mães do BE). E aqui a ordem não é irrelevante. O PS escolheu a Europa e, depois e por causa dessa escolha histórica, aliou-se aos partidos de direita. Em 2015, quem mudou foi o PS. Todos os outros continuam onde estavam em 1975. Por isso, Pedro Nuno dos Santos e os que pensam como ele precisam de acreditar que a história mudou, e que 2015 não é 1975. Estão enganados. O PCP e o BE não mudaram e continuam, no essencial, a pensar da mesma maneira.

Ironicamente, e tragicamente, ao colocar a existência da Aliança Atlântica e da União Europeia no centro da vida política europeia, a eleição de Trump pode expor as contradições da geringonça e tornar a sua vida mais difícil. Quando as questão existenciais dominam a vida política, certas diferenças ideológicas tornam-se irreconciliáveis. O PSD e o CDS sabem que nunca se poderiam aliar a uma força radical de direita, anti-europeia. O PS vai ter que voltar a aprender essa verdade elementar: alianças com forças anti-europeias são sempre um problema.