Os eurodeputados aprovaram em Estrasburgo, no Parlamento Europeu, a polémica Diretiva sobre os Direitos de Autor no Mercado Único Digital, e os seus artigos 11 (agora 15) e 13 (agora 17). Desde setembro, podem ter mudado os números dos artigo e o texto final — que pode ler aqui –, mas os dois lados contra e a favor continuaram com as mesmas críticas e elogios à diretiva.

O parlamento aprovou a reforma com 347 votos a favor, 275 contra e 36 abstenções. Inicialmente a contagem era de 348 a favor e 274 contra, mas um erro na votação do eurodeputado Francisco Assis fez com que a contagem vá ser retificada. 

A favor desta nova lei estão entidades como a Comissão Europeia, na voz do vice-presidente e comissário Andrus Ansip, o eurodeputado popular alemão Axel Voss, milhares de artistas ou o Ministério da Cultura português, que representou a posição de Portugal no texto final.

No Twitter, Andrus Ansip afirmou que a diretiva “é um grande passo em frente”. O Comissário salientou que a nova lei é a regulação necessária para o futuro digital e afirmou que os estados-membros “têm ferramentas para transpor a diretiva” para lei nacional respeitando a liberdade de expressão”.

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Em comunicado enviado ao Observador, a Federação Internacional da Indústria Fonográfica, IFPI, uma das maiores representantes da indústria discográfica, agradeceu aos legisladores “os esforços em navegar o complexo ecossistema em aprovar uma diretiva  com implicações notáveis ​​para a comunidade de criadores de conteúdo”.

A IFPI salienta que esta é “a primeira legislação no mundo que confirma que plataformas em que os utilizadores partilham conteúdos fazem um ato de comunicação para o público e que estas têm de ter autorização prévia dos detentores de direitos de autor ou garantir que esse conteúdo não pode estar disponível nas suas plataformas”. A associação diz que vai agora trabalhar com os estados-membros da União Europeia para “garantir que a diretiva é transposta para a lei nacional de forma consistente com o seu foco e objetivos”.

A Google, que detém o YouTube e é uma das principais empresas que se opôs à nova lei, afirmou em comunicado: “A Diretiva dos Direitos de Autor foi melhorada mas vai continuar a gerar incerteza jurídica e ainda afetar as economias criativas e digitais europeias. Os pormenores são importantes e estamos ansiosos por trabalhar com decisores políticos, publishers, criadores e detentores de direitos, à medida que os estados-membros da UE se forem movimentando para implementar estas novas regras.”

Contra estão também empresas como o Facebook, a eurodeputada alemã do partido pirata Julia Reda, a Wikipedia e dezenas de milhares de pessoas que saíram às ruas nos últimos dia contra esta nova lei. O fim da liberdade de expressão na Internet na União Europeia ou a regulação necessária para a compensação justa de artistas e jornalistas?

A D3, a associação de direitos digitais portuguesa que foi uma das principais ativistas em Portugal contra a diretiva, em reação à nova lei afirmou: “É um dia triste para a Internet e para a Liberdade de Expressão, um dia em que antigos e poderosos lobbies conseguiram sobrepor-se à voz dos cidadãos, peritos e académicos, tornando o “lema” da União Europeia, de “legislar com base na evidência” (científica), um mero slogan de marketing”.

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Os polémicos artigos 11 e 13 querem regular a forma como se partilha informação de sites noticiosos (artigo 11, agora 15) e como plataformas como o YouTube e o Facebook devem garantir que o conteúdo inserido nestas por utilizadores respeita os direitos de autor (artigo 13, agora 17). Com a aprovação, estas plataformas passam a ser tratadas como um Spotify ou Apple Music, em que é necessário negociar licenças de utilização com os detentores de conteúdos para disponibilizá-lo a outros utilizadores.

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Quando a última diretiva relativa a este tema foi aprovada, estas plataformas ainda não existiam e a forma como se partilhavam conteúdos era bastante diferente, não havendo a facilidade atual de violação de direitos de autor como existe na Internet. Os opositores à nova lei afirmam que esta diretiva obriga as empresas que detêm estas ferramentas de partilha online a aplicarem filtros automáticos de filtragem prévia ao negociar com os detentores de conteúdos pela nova posição negocial em que vão ficar. Esta medida pode condicionar a liberdade de expressão.

No texto que foi a votação esta terça-feira, a exigência destes mecanismos do antigo artigo 13 foi preterida pela expressão: “de acordo com elevados padrões de diligência profissional do setor, os melhores esforços para assegurar a indisponibilidade de determinadas obras”. Mesmo quem apoia a diretiva assume que a única forma de as leis nacionais estabelecerem este requisito é impor filtros às plataformas.

“A Internet vai acabar”?

Em Portugal, o tema desta nova diretiva teve mais impacto depois de, em novembro, o YouTuber Wuant, em resposta a um apelo enviado pela Google no YouTube, ter afirmado que, se a lei fosse aprovada, “a Internet vai acabar”. Sofia Colares Alves, representante da Comissão Europeia em Portugal e uma das caras pró-diretiva, respondeu numa carta aberta: “O que queremos ver mudar é a forma desenfreada como conteúdos são (ab)usados na Internet para benefício de grandes plataformas”.

Esta resposta também foi amplamente criticada por quem se opõe à diretiva. Em fevereiro deste ano, o criador de conteúdos assumiu que sabe que sabe que a “Internet não vai desaparecer”, mas que o artigo 13 pode ter resultados nefastos.

Como é que se chegou aqui?

A 25 de maio de 2018, o Comité de Representantes Permanentes da União Europeia aprovou as diretivas legais e levou o documento a discussão no Parlamento Europeu para chegar ao texto final. Tudo sem o apoio da Alemanha, Finlândia, Holanda, Eslovénia, Bélgica e Hungria.

Entretanto, a 20 de junho do mesmo ano, a Comissão dos Assuntos Jurídicos do Parlamento Europeu concluiu todas as alterações à diretiva original e encaminhou-as para o Parlamento para que pudesse ser negociada. Um mês depois, a 5 de julho, os membros do Parlamento Europeu decidiram chumbar a nova diretiva. Em vez de avançar para a fase de negociação, a diretiva devia ser novamente debatida. Houve 318 votos a favor dessa nova discussão, 278 contra e 31 abstenções.

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A 12 de setembro, o texto da nova diretiva foi aprovado com 438 votos a favor, 226 votos contra e 39 abstenções. Com a nova diretiva aprovada, a Comissão Europeia, o Conselho da União Europeia e o Parlamento Europeu passaram os últimos meses a negociar a nova lei para limar a diretiva, num processo chamado de trílogos. Essas negociações deviam terminar no início de 2019, mas foram adiadas por vários impasses (um deles era a forma como se deveria exigir os polémicos filtros automáticas).

Num processo legislativo rápido de tradução e marcação de votação no Parlamento Europeu, na semana passada fechou-se a data final de votação.

Os votos portugueses e o voto a favor de Assis que afinal foi contra

Em setembro, os eurodeputados portugueses que votaram a favor da lei foram: António Marinho e Pinto (PDR), Ana Gomes (PS), Carlos Coelho (PSD), João Pimenta Lopes (PCP), João Ferreira (PCP), José Inácio Faria (PT), José Manuel Fernandes (PSD), Manuel dos Santos (PS), Miguel Viegas (PCP), Paulo Rangel (PSD), Fernando Ruas (PSD), Liliana Rodrigues (PS), Maria João Rodrigues (PS), Ricardo Serrão Santos (PS), Nuno Melo (CDS/PP), Pedro Silva Pereira (PS) e Carlos Zorrinho (PS).

Contra, votaram apenas Francisco Assis (PS) e Marisa Matias (BE). Sofia Ribeiro e Cláudia Monteiro de Aguiar, ambas do PSD, não estavam presentes na última votação.

Desta vez, apesar de não ter existo grande alteração no sentido de voto dos eurodeputados portugueses, houve um episódio que vai mudar as contas finais. Com a eurodeputada socialista Ana Gomes a confirmar no Twitter uma “votação confusa”, em que se optou por não votar emendas à diretiva e votar apenas o texto final, estes dois momentos de votos levaram a erros de eurodeputados.

No caso das emendas, as retificações podem ainda gerar controvérsia, porque os números podiam mudar o texto final e retirar os artigos 15 e 17. Já na votação final, Francisco Assis, do PS, votou a favor quando queria votar contra por erro.

Nesta última votação, aos votos contra de Francisco Assis e Marisa Matias, juntaram-se os eurodeputados do PCP e Ana Gomes, do PS. Não houve abstenções nem ausências, todos os outros eurodeputados portugueses do PSD, PS e CDS/PP votaram a favor.