O conselho terá sido dado a Matteo Salvini, então apenas líder do partido italiano Liga (antiga Liga do Norte), numa reunião em abril de 2016 — meses antes da eleição de Donald Trump como Presidente norte-americano e da entrada de Stephen Bannon, ideólogo da extrema-direita norte-americana e diretor do site Breitbart, na Casa Branca. A ideia era simples: atacar o Papa Francisco, já que as suas declarações em defesa dos migrantes eram contrárias às ideias defendidas por Salvini.

“Bannon avisou o próprio Salvini que o Papa atual é uma espécie de inimigo. Ele sugeriu atacar, frontalmente”, revelou uma fonte ao site Source Material, que faz investigações em parceria com órgãos como o The Times ou a BBC, e que publicou este sábado um longo artigo com o título “O herético no Vaticano: como o Papa Francisco se tornou numa figura odiada pela extrema-direita” onde são revelados esta e outras ligações de movimentos extremistas a ataques ao Papa.

O aviso, conta o Source Material e o The Guardian, deu rapidamente frutos, como se comprova pelo Twitter de Salvini — atual ministro do Interior italiano, depois de uma coligação governamental da Liga com o Movimento 5 Estrelas o ter levado ao poder. “O Papa diz que os migrantes não são um perigo. Bah”, escreveu o líder do partido italiano separatista tornado nacionalista e de extrema-direita. Não foi a única vez que Salvini atacou declarações de Francisco naquela plataforma: várias vezes criticou, ao longo de 2016 e 2017, os pedidos de compaixão do Papa pelos migrantes, sublinhando que trazem “caos e problemas em vez da paz” e questionando declarações de Francisco a propor “hospitalidade e cidadania para MILHÕES de imigrantes” quando há tantos “italianos a viver na pobreza”.

Também no verão de 2016, relembra o Source Material, Salvini publicou uma fotografia com uma camisola onde se podia ler “O meu Papa é Bento”, com a legenda “Não nos esquecemos dos ensinamentos do Papa Bento XVI” — uma afirmação que pode ser interpretada como não reconhecendo legitimidade ao Papa Francisco, tendo em conta que Bento XVI ainda é vivo, embora tenha renunciado ao cargo.

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A mesma publicação revela, no entanto, que os ataques do líder da Liga a Francisco diminuíram de intensidade devido às críticas internas de membros do partido, como Giancarlo Giorgetti, o vice-secretário federal que terá ligações a figuras de relevo no Vaticano. “O Salvini avançou com força e disse ‘temos de atacar o Vaticano’, mas o outro tipo disse ‘espera'”, resumiu a mesma fonte à publicação.

Bannon nunca escondeu discordâncias com Papa Francisco — e até tem um projeto com o apoio de Burke, cardeal crítico do Papa

A notícia pode ter sido avançada por uma fonte anónima, mas o que é certo é que Steve Bannon — que tem estado entretido a tentar criar um movimento populista de extrema-direita na Europa desde que saiu da Casa Branca, com apoio da Liga — nunca escondeu as críticas que faz ao Papa Francisco.

Isso mesmo deixou claro na entrevista que deu à cadeia de televisão norte-americana NBC, também publicada este sábado. “[O Papa Francisco] é o administrador da Igreja e também é um político”, declarou na entrevista. “O problema é que ele responsabiliza o movimento populista nacionalista por todos os problemas no mundo.”

Bannon aproveita ainda a entrevista para apontar baterias a Francisco a propósito do escândalo de abusos sexuais na Igreja e reforçando que a Igreja “precisa de mudar”. O mesmo tinha dito numa entrevista dada ao jornal espanhol El País umas semanas antes.

Foi asqueroso ver que na cimeira [do Vaticano sobre os abusos sexuais] se falou de tolerância zero. Transparência? Isto é uma crise e deve ser tratada como tal”, afirmou Bannon.

Mas mesmo antes de apanhar o embalo dos escândalos de pedofilia na Igreja, Bannon já há muito que criticava o Papa, nomeadamente devido às suas posições sobre migrantes, ora comparando as famílias que fogem do seu país à Sagrada Família, ora apelando à construção “de pontes e não de muros”. “O Papa é radical na questão dos migrantes, tem pouco apoio público e nada faz além de reforçar o movimento populista”, avisou Bannon em entrevista ao Corriere della Sera no final do ano passado.

E o antigo conselheiro de Donald Trump não parece ficar-se só pelas palavras no que diz respeito à sua influência no Vaticano. Em 2017, como relembra o Source Material, Bannon tornou-se financiador do Instituto Dignitatis Humanae. A organização, que tem sede num mosteiro do século XIII a uma hora de Roma, pretende criar uma espécie de academia da direita, que possa criar intelectuais informados e alinhados. À New Yorker, Bannon comparou o modelo como sendo um espelho da Open Society Foundation do milionário George Soros, que o ex-diretor do Breitbart crê ter formado vários quadros da esquerda mundial.

A ligação ao Vaticano está no facto de Bannon estar a tentar atrair para o Instituto altas figuras do catolicismo mais conservador. O presidente honorário da instituição neste momento é, nada mais nada menos, do que o cardeal Raymond Burke, um dos homens mais críticos do Papa Francisco no Vaticano.

Cardeais opositores ao Papa atribuem abusos de menores a “praga da agenda homossexual”

À agência Reuters, o próprio Burke confirmou estar entusiasmado por trabalhar com Bannon “a fim de promover vários projetos que podem trazer um contributo decisivo à defesa daquilo a que costumávamos chamar ‘Cristandade'”. E Burke não é o único membro dos sectores conservadores da Igreja a juntar-se a Bannon: também Austin Ruse, antigo colaborador do Breitbart e presidente do católico Centro pela Família e Direitos Humanos, é um conhecido crítico de Francisco que está no Instituto.

Bannon que, contudo, não defende a resignação de Francisco, também não esconde a sua ligação ao grupo do Vaticano que gostaria de ver o atual Papa longe da condução dos destinos da Igreja. Questionado pelo El País sobre a sua relação com o cardeal Burke, o ideólogo da extrema-direita norte-americana confessou “conhecer esses rapazes”. “Sei que estão desiludidos com o Papa Francisco, que continua a dizer que o maior problema do mundo é o nacionalismo e o populismo em vez dos pedófilos homossexuais ou do Partido Comunista”, comentou ao jornal, referindo-se a um acordo assinado pelo Vaticano com a China. “Aquilo que [o Papa Francisco] está a fazer é horrível.”