No arranque do terceiro debate “Portugal: é desta?”, na Rádio Observador, Daniel Bessa afasta, desde logo, qualquer ideia de uma profunda mudança na estrutura da economia: “A indústria tem vindo a perder valor para os serviços, que dão hoje o maior contributo para a economia. E assim continuará a ser. Não vamos recuar a um tempo em que a indústria era predominante. Pode haver mais indústria, mas a economia do futuro, mais décima menos décima, continuará a ser predominantemente de serviços”.

Fernando Alexandre, que se juntou a este debate sobre o Plano Costa Silva conduzido por José Manuel Fernandes e Paulo Ferreira, ajudou a contextualizar o que pode ser o futuro da indústria: “O objetivo de reforço da indústria na Europa tem a ver sobretudo com uma ideia de soberania. Quando olhamos para as principais fontes de criação de valor, a Europa não tem uma posição relevante. Por exemplo, quais são as marcas de telemóveis ou computadores europeias? Praticamente não existem”.

[Pode ouvir o debate na Rádio Observador esta quinta-feira depois das 11h00, com repetição depois das 21h00. Ou aqui em podcast]

“Portugal é demasiado velho para mudar assim tanto em tão pouco tempo”

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Este contexto sai reforçado com a pandemia, que “veio tornar claro que a dependência de produção industrial de outros pode ser um problema de bem-estar da população ou de independência política”.

E é nesse problema que Daniel Bessa, ex-ministro da Economia de Guterres em 1995, antigo reitor da Porto Business School e ex-líder da COTEC (Associação Empresarial para a Inovação), coloca a oportunidade portuguesa: “Mais importante do que a industrialização de Portugal é a industrialização da Europa. Não vamos regressar a indústrias nacionais. Vamos regressar a indústrias regionais. A Europa é uma região do mundo que, sobretudo por razões de segurança, precisa de ter mais autonomia em algumas indústrias como a área médica, farmacêutica, energética ou de defesa. E Portugal terá a sua quota parte. Uma parte da nossa reindustrialização é uma fatia desse processo e não o regresso a uma indústria de base nacional”.

Uma ideia reforçada por Fernando Alexandre, ex-secretário de Estado adjunto da Administração Interna, professor na Escola de Economia e Gestão da Universidade do Minho, investigador e consultor da Fundação Francisco Manuel dos Santos: “Todo o movimento que vamos ter nos próximos anos vai ser liderado pela Alemanha e este nosso plano tem de estar muito entrosado com aquilo que vai ser a estratégia de industrialização da Alemanha e das grandes multinacionais. Temos que apanhar esse comboio”. Até porque, sublinha, “temos algumas vantagens e é sobre isso que temos que construir. Conhecemos muito bem o investimento alemão: Autoeuropa, Bosch, Continental são alguns exemplos. Já têm uma forte ligação ao tecido empresarial português e, por vezes, a universidades portuguesa”. É nesta oportunidade que temos que trabalhar, até porque o risco também é grande. “Com a pandemia vai haver uma competição feroz pelo investimento na Europa”, afirma.

E se fizermos tudo bem feito, será desta? Daniel Bessa é céptico. “É desta? Nem sei se podemos pôr a questão assim, como quem vai ao casino e tenta a sorte grande. O essencial é como vamos gastar os 50 mil milhões e Portugal é velho demais para mudar assim tanto em tão pouco tempo”.

Fernando Alexandre sublinha que Costa Silva é “um grande valor que Portugal tem, mas o plano não cumpre o objetivo: como é que vamos aproveitar estes fundos neste contexto específico de liderança da Alemanha e da França que visa a reindustrialização”, para concluir: “Sem querer ser mal-agradecido pelo trabalho de Costa Silva, o trabalho é pouco útil”.

Os debates “Portugal: é desta?” prosseguem até ao fim da semana na Rádio Observador, sempre às 11h15 e repetição às 21h15. Esta sexta-feira José Manuel Fernandes, publisher do Observador, e Paulo Ferreira, membro do painel das Manhãs 360 da Rádio Observador, apresentador do programa Tempestade Perfeita e nosso comentador de Economia, conduzem o debate entre João Faria e Henrique Pereira dos Santos.

Entretanto, pode ouvir aqui os debates anteriores: