Está escolhido: “Listen” foi o filme eleito pelos membros da Academia Portuguesa do Cinema para representar Portugal na candidatura ao Óscar de Melhor Filme Internacional, da próxima edição — a 93ª — dos prémios de cinema norte-americanos. Os nomeados para esta categoria dos Óscares, bem como para todas as restantes, serão desvendados pela Academia americana no dia 15 de março.

No entanto, não é ainda garantido que o filme português seja considerado sequer válido. Assim avançou o Diário de Notícias, referindo que “a candidatura portuguesa ainda terá de passar por uma análise de elegibilidade por parte da Academia de Hollywood, não se descartando a possibilidade de Portugal ser forçado a escolher outro filme” já que “nesta categoria pede-se que a língua seja predominantemente qualquer uma menos o inglês” — e “Listen” tem um conjunto significativo de diálogos em língua inglesa.

A notícia do DN foi confirmada ao Observador por Paulo Trancoso, presidente da Academia Portuguesa do Cinema. “Consultámos a Academia [norte-americana] desde o início do processo por sabermos que havia uma parte significativa de diálogos em inglês, mas a verdade é que não quiseram assumir logo uma decisão de elegibilidade. Querem ver o filme para perceber”.

O que ficou decidido foi: se o filme fosse submetido [como candidato português], seguiria para uma comissão específica para o efeito, para ver se é considerado elegível, na medida em que tem diálogos em português, em inglês e até em linguagem gestual”, referiu Paulo Trancoso.

Os critérios não estão definidos matematicamente, ou seja, não há certezas de que, perante o número de diálogos em inglês do filme, “Listen” vá ser considerado elegível ou vá ser vetado pela Academia norte-americana de cinema. “Achamos que o principal é contextualização do filme. As línguas faladas que se ouvem têm a ver com a história e o argumento do filme”, refere Paulo Trancoso, estabelecendo aí uma diferença para filmes onde o uso da língua inglesa não esteja relacionado com o fio narrativo da história — que aqui narra a batalha de um casal português contra o sistema de adoções forçadas ainda vigente no Reino Unido.

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Cabe agora à Academia americana “ver o filme e decidir se é aceite ou não”, refere o Presidente da Academia Portuguesa do Cinema. “Historicamente já existiram casos de filmes [com um conjunto significativo de diálogos em inglês] aceites e não aceites. O que não quisemos foi de maneira nenhuma coartar a possibilidade do filme ser selecionado”.

A partir do momento em que a Academia norte-americana não se quis pronunciar, referindo que só se pronunciaria através do tal comité [caso o filme fosse selecionado], não podíamos censurar e pôr de lado o filme”, refere ainda Paulo Trancoso.

Segue-se agora uma análise de elegibilidade que só em dezembro deverá resultar em decisão definitiva quanto à validade do filme para concorrer nesta categoria. No caso — “esperemos que não aconteça” — do filme não ser considerado elegível, não será escolhido o segundo mais votado. Ao invés, avançou Paulo Trancoso, “seria feita uma eleição relâmpago dentro da Academia [portuguesa] com os três filmes restantes” saídos de uma primeira lista de seleção. São eles “Vitalina Varela”, “Patrick” e “Mosquito”.

Um filme que conquistou Veneza

Longa-metragem de ficção que se propõe a apresentar um olhar cinematográfico sobre a problemática das adoções forçadas no Reino Unido, “Listen” destacou-se no circuito de festivais internacionais este ano arrecadando seis distinções no Festival de Cinema de Veneza.

Esta produção luso-britânica, que chegou posteriormente às salas de cinema nacionais — e que é, até ao momento, o filme português mais visto de 2020 nestas salas — aborda o drama de um casal português emigrado em Londres, a quem os serviços sociais britânicos retiraram os filhos por alegados maus tratos.

Em declarações ao Observador, após a distinção em Veneza, Ana Rocha de Sousa tinha falado assim da sua primeira longa-metragem como realizadora, que tem Lúcia Moniz, Ruben Garcia e Sophia Myles como protagonistas: “A ideia do filme foi sempre a de mostrar da forma mais objetiva e honesta possível a realidade das adoções forçadas“.

As pessoas precisam de saber que isto acontece e que é mesmo assim que funciona. Não estou só a contar uma história de um ponto de vista artístico, estou a retratar numa perspetiva social a realidade das adoções forçadas”, referira a realizadora.

Ana Rocha de Sousa premiada em Veneza: “Não estou só a contar uma história, estou a retratar a realidade das adoções forçadas”

“Vitalina Varela”, “Patrick” e “Mosquito” estavam na pré-seleção

O filme fazia parte de uma primeira lista de quatro longas-metragens pré-selecionadas para representar Portugal na candidatura a esta categoria dos Óscares do próximo ano. Da pré-seleção também faziam parte “Mosquito”, filme realizado por João Nuno Pinto, “Patrick”, a estreia de Gonçalo Waddington como realizador, e “Vitalina Varela”, de Pedro Costa. Serão estes que voltarão a votos caso “Listen” não seja considerado elegível.

De fora da pré-seleção ficaram outros filmes elegíveis como “O Ano da Morte de Ricardo Reis”, de João Botelho, “O Fim do Mundo”, de Basil da Cunha, “Golpe de Sol” de Vicente Alves do Ó e “Surdina”, de Rodrigo Areias, entre outros. A lista de filmes portugueses elegíveis incluía, além de “Listen, 32 longas-metragens.

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“Um voto de esperança no talento dos cineastas portugueses”

A primeira pré-seleção de quatro longas metragens resultou das escolhas de um comité composto pelo realizador e produtor de cinema Gonçalo Galvão Teles, pela atriz Isabel Abreu, pelo realizador Lauro António, pelo diretor de fotografia Miguel Sales Lopes, pela realizadora Monique Rutler e pelo ator e realizador Welket Bungué.

Depois da escolha dos quatro filmes pré-selecionados, o apuramento final do filme que Portugal candidata aos Óscares resultou de um processo de votação dos membros da Academia Portuguesa de Cinema. A votação decorreu de 2 a 15 de novembro e “Listen” foi anunciado como filme escolhido esta segunda-feira, dia 16.

O Presidente da Academia Portuguesa de Cinema, Paulo Trancoso, comentou a escolhia em comunicado enviado à imprensa: “Qualquer um dos quatro nomeados seria um digno representante de Portugal, mas a escolha de uma primeira obra que conquistou Veneza, um dos mais importantes festivais de cinema do mundo, e que rapidamente se tornou no filme português mais visto do ano apesar do momento crítico que atravessamos, revela um voto de esperança no talento dos cineastas portugueses, cada vez mais reconhecidos além-fronteiras e acarinhados pelo público nacional.”.

“Listen”: uma família portuguesa despedaçada em Inglaterra

A 93ª edição da cerimónia dos Óscares está agendada para 25 de abril de 2021 e decorrerá em Los Angeles. Antes disso, em março, serão conhecidos os nomeados.

No ano passado, a escolha da Academia Portuguesa de Cinema para representar Portugal nas candidaturas ao Óscar de Melhor Filme Internacional recaiu em “A Herdade”, de Tiago Guedes. Como aconteceu com todas as escolhas anteriores — nenhum filme português conseguiu até à data uma nomeação para “Melhor Filme Internacional” dos Óscares —, “A Herdade” não fez parte da lista de nomeados da Academia das Artes e Ciências Cinematográficas dos Estados Unidos.

[Ana Rocha de Sousa e o filme “Listen”. “Senti-me esmagada por aquela dura realidade”. Oiça aqui:]

Ana Rocha de Sousa e o filme “Listen”. “Senti-me esmagada por aquela dura realidade”

O vencedor do Óscar de Melhor Filme Internacional foi, na 92ª edição dos Óscares, “Parasitas”, que conquistou também a categoria mais mediática dos prémios de cinema de Hollywood: a de Melhor Filme. Na primeira categoria a longa-metragem de Bong Joon-ho foi a mais votada numa lista de nomeados que incluía filmes oriundos da Polónia, França, Macedónia e Espanha (“Dor e Glória”, de Pedro Almodóvar). Na categoria de Melhor Filme, “Parasitas” foi o escolhido em detrimento de outros nomeados como “O Irlandês”, de Martin Scorsese,  “Era Uma Vez em… Hollywood”, de Quentin Tarantino, “1917”, de Sam Mendes, e “Joker”, de Todd Phillips.

Notícia atualizada às 17h com as declarações do presidente da Academia Portuguesa do Cinema, Paulo Trancoso