“A jogar em casa” e em “forma”, a lembrar Jorge Jesus. Foi assim que Paulo Raimundo se apresentou durante a manhã numa arruada em Setúbal, cidade onde veio viver ainda novo com os pais e onde começou a trabalhar – primeiro como padeiro e carpinteiro, depois como animador cultural. O secretário-geral do PCP desceu as ruas transversais ao largo da Misericórdia sempre com uma pergunta na ponta da língua: “Posso deixar-lhe um folhetozinho da CDU, com os nossos candidatos e com as nossas propostas?” E muitas vezes não passava disso.

Entrou em cafés e lojas para distribuir panfletos brancos e verdes com as promessas eleitorais dos comunistas para a região. Seguiu a arruada com uma equipa reforçada, que entre as poucas dezenas de militantes e apoiantes, com bandeiras erguidas bem altas e cânticos na ponta da língua, contava também com Paula Santos e Bruno Dias (número 1 e 2 por Setúbal), Miguel Tiago (antigo deputado comunista, amigo e (camarada) de Raimundo há 30 anos) e André Martins (autarca de Setúbal eleito pela CDU). O objetivo era um só: mostrar que sabia jogar em casa.

“Estou em forma, pareço o Cristiano Ronaldo“, mas apressou-se a corrigir, não uma, mas duas vezes: “não! o JJ [Jacinto João]”, numa referência à antiga glória do Vitória de Setúbal. “Gosto mais disto do que dos debates”, ia confessando aos jornalistas que o seguiam na arruada em Setúbal.

[Já saiu o primeiro episódio de “Operação Papagaio”, o novo podcast plus do Observador com o plano mais louco para derrubar Salazar e que esteve escondido nos arquivos da PIDE 64 anos. Pode ouvir também o trailer aqui.]

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O tema Jerónimo de Sousa tinha sido trazido pelo próprio um dia antes, quando prometeu “uma surpresa” com a vinda do ex-secretário-geral à campanha. É uma presença mais que bem vinda nas hostes comunistas, até porque “Jerónimo é Jerónimo, aquela máquina do terreno”. O partido sente falta, mas não há competição entre presente e passado do PCP. “Tenho as minhas características também. Ele bate-me no peito e diz: Sê como és“.

“Não enche sapatos de Jerónimo, usa os dele próprio e muito bem”

Para quem o conhece desde sempre, como o antigo deputado comunista Miguel Tiago, o à vontade de Raimundo na rua não surpreende ninguém, mesmo comparando com Jerónimo de Sousa, com o seu “carisma inato e inerente”. Mas o sucessor não será assim tão diferente. “Vemos as pessoas a chegar ao pé do Paulo com uma facilidade tremenda. Não só por ser aqui de Setúbal”.

À conversa com o Observador, Miguel Tiago não escolhe entre secretários-gerais: “Não enche os sapatos de Jerónimo, usa os dele próprio e usa muito bem.” Amigos desde os anos 90, quando entraram os dois para a JCP em Setúbal, o antigo deputado lembra os jovens que percorreram as mesmas “ruas, escolas e avenidas” a pintar murais, colar cartazes e distribuir panfletos, que agora são percorridas pelo novo secretário-geral do PCP.

Em 1994, a visão de Paulo Raimundo como líder comunista era “adivinhada” pelos seus amigos. “Cheguei a dizer-lhe, tu é que ainda vais ser secretário-geral”, pelas características que Miguel Tiago identifica como “grande dedicação e humanismo”. Raimundo “traz as sementes do socialismo com ele.”

Trinta anos depois, dito e feito. Raimundo regressou a casa para se apresentar como secretário-geral do PCP na terra que o viu crescer. Até os temas sorriram ao líder comunista. Durante a manhã e logo a seguir a comer um pastel de nata e beber um café no largo da Misericórdia dois professores (simpatizantes da CDU) apressaram-se a ir ao encontro de Paulo Raimundo para ouvirem as propostas que tem para a educação.

Que são mais que conhecidas: A reposição integral do tempo de serviço dos professores, que foi “roubado” em apenas três anos e cheques-ensino nem vê-los. “Há quem acredite que o Estado só serve para passar cheques, não contem connosco para isso.” Uma das professoras é Lídia Pinto, mas apenas por “mais alguns meses” e admitiu depois da conversa com Paulo Raimundo não ficar descansada com “aquilo que pode ser o resultado das eleições”. Falava de um acordo com o PS ou de um governo à direita? “Essa questão não se coloca neste momento.”

Paulo Raimundo referiu-se a J.J. mas, ao contrário do que foi inicialmente descrito neste artigo, não se trata de uma referência ao antigo treinador do Vitória de Setúbal Jorge Jesus, mas à antiga glória do clube, João Jacinto.