Uma ponte em Baltimore, no estado norte-americano de Maryland, desabou na madrugada desta terça-feira, depois de um navio de carga ter colidido com um dos seus pilares. Há registo de seis pessoas desaparecidas, estando as operações de resgate a decorrer desde manhã. O “colapso catastrófico” da ponte Francis Scott Key, assim descrito por Paul Wiedefeld, secretário de transportes da cidade, dificilmente poderia ter sido evitado depois de um choque de tal dimensão, diz ao Observador o Presidente da Assembleia Geral da Ordem dos Engenheiros da Região Norte. “Uma ponte daquelas, que tem um grande vão e pilares absolutamente fundamentais, não tem possibilidade de se manter numa situação destas. Cai um [pilar], caem os vizinhos, pelo menos. Isso é garantido”, refere o engenheiro civil António Adão da Fonseca.

A ponte norte-americana, com 2,6 quilómetros de comprimento, desabou por volta das 1h28 locais (5h28 em Portugal continental) depois de o navio “Dali”, que partiu carregado do porto de Baltimore, ter embatido num dos seus pilares. Com cerca de 300 metros de comprimento e pouco mais de 48 metros de largura, transportava no momento do acidente 4.679 contentores, cerca de metade da sua capacidade máxima (10.000 contentores), segundo informou a empresa Maersk.

As causas da colisão ainda estão por apurar, com as autoridades a indicar que os resultados preliminares da investigação apontam para um acidente. Já é conhecido que os tripulantes emitiram um alerta “Mayday” a avisar que os sistemas da embarcação perderam energia e dando às autoridades uma breve oportunidade para interromper a circulação. Neste momento estão desaparecidos seis trabalhadores que estavam a fazer uma reparação num dos tabuleiros de betão no momento em que a estrutura caiu. Os pilotos do porto de Baltimore estavam a dirigir o navio no momento do acidente, algo habitual quando as embarcações entram em portos ou canais, segundo indicou o proprietário e administrador do navio num comunicado citado pelo New York Times.

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O engenheiro António Adão da Fonseca diz que as defesas da ponte, inaugurada na década de 1970, não seriam suficientes para lidar com um golpe de uma embarcação daquela dimensão e movimentando aquela carga. “É uma massa absolutamente brutal“, sublinha.

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O engenheiro admite mesmo que, numa situação em tudo semelhante à de Baltimore, uma ponte como a 25 de Abril ou a Vasco da Gama, em Lisboa, não resistisse, ainda que os seus pilares e fundações sejam “muito robustos”. “Se algum navio assim batesse na ponte do Tejo e, enfim, aí também depende da velocidade a que o navio circulasse, e se derrubasse um dos pilares, a ponte suspensa caía toda. Não há hipótese nenhuma”, refere. O que não quer dizer que fosse fácil atingir o pilar. O engenheiro ressalva que estas pontes têm várias defesas para as proteger de choques diretos e que foram pensadas para resistir a embates.

Ponte colapsa nos Estados Unidos após navio de carga embater com pilar. Autoridades já resgataram duas pessoas e procuram sete desaparecidos

Também questionado sobre a possibilidade de algo semelhante acontecer em Portugal, Armando Rito, engenheiro civil especialista em pontes e viadutos, alerta que as construções são pensadas para ser o mais resistentes possíveis, mas que “nunca podemos ter a certeza absoluta que não possa acontecer alguma coisa”.

Ao Observador, o vice-presidente da Associação dos Pilotos de Barra e Portos (APIBARRA) esclarece que, no caso do Tejo, cabe ao Porto de Lisboa emitir os regulamentos sobre as manobras de navios destas dimensões, o que inclui a intervenção da pilotagem. “Esse navio poderia vir atracar e largar, mas não a qualquer momento. Iria ter limitações, tanto em termos de horas para manobrar e passar debaixo da ponte em segurança, como também do número de rebocadores a auxiliar o navio”, refere.

Como caiu a ponte Francis Scott Key? É possível reconstruí-la?

A Francis Scott Key, a ponte mais longa da área metropolitana de Baltimore, celebrou o seu 47.º aniversário no dia 3 de março. Recebeu o seu nome em homenagem ao poeta norte-americano que escreveu Star Spangled Banner, que veio a transformar-se no hino dos Estados Unidos. As autoridades garantiram esta terça-feira que a ponte era segura, com o governador de Maryland, Wes Moore, a assegurar numa conferência de imprensa que estava “totalmente em conformidade com as normas” e não apresentava problemas estruturais.

O quase imediato colapso da ponte justifica-se, segundo o António Adão da Fonseca, com a força brutal do impacto do navio das dimensões e carga do Dali, que também já tinha estado envolvido numa colisão num porto na Antuérpia. Algumas das características da ponte, feita em aço e com uma treliça metálica, também contribuíram para o seu quase colapso total.  Tem um tabuleiro suspenso, algo que contribuiu para o seu colapso, segundo vários especialistas tem apontado à imprensa internacional.

É para evitar estes acidentes e outros semelhantes que as pontes têm várias proteções e defesas para proteger os pilares. Se olharmos para a 25 de Abril, basta pensar na base de betão que está ligeiramente saliente fora de água e que serve para absorver o primeiro choque, diz ainda Armando Rito. Mas alerta que nem estas são infalíveis. “São sistemas que impedem que o barco vá chocar diretamente com o pilar. Mas em certos casos, nem mesmo as defesas resolvem o problema”.

Navio que embateu com ponte nos Estados Unidos já tinha colidido com porto na Antuérpia

As autoridades norte-americanas já sinalizaram a intenção de reconstruir a ponte, apesar da preocupação principal neste momento serem as operações de resgate que ainda decorrem no local. O governador de Baltimore garantiu que a recuperação da Francis Scott Key será um esforço a “longo prazo”, mas para já não avançou qualquer estimativa sobre os gastos que pode implicar.

A questão não é consensual para já e ainda é preciso esperar por uma avaliação pormenorizada. Ao Observador, António Adão da Fonseca sublinha que está em causa um “prejuízo brutal” e que as reparações podem custar mais de 300 milhões de euros. Alguns especialistas estimam um valor ainda mais elevado. Em entrevista à Sky News, o presidente da consultoria de engenharia e arquitetura COWIfonden apontou que a construção da ponte na década de 1970 custou cerca de 60 milhões de dólares e que a reconstrução será pelo menos dez vezes mais cara.

Um acidente destes podia acontecer em Portugal?

Já aconteceu um episódio parecido ao de Baltimore em Portugal, mas com um navio de menores dimensões, que estaria a transportar mercadorias agrícolas. O caso aconteceu em abril de 2021, quando o navio mercante Ionic Hawk, de 180 metros de comprimento e especializado em transporte de mercadorias a granel, “deu um toque no pilar da ponte 25 de Abril”. Na altura, especialistas ouvidos pelo Observador indicaram que tendo em conta a dimensão do navio e a velocidade a que circulava naquela zona não haveria grandes motivos para preocupação. Depois do acidente, a Infraestruturas de Portugal (IP) fez uma vistoria ao pilar que confirmou isso mesmo, não detetando qualquer anomalia.

Apesar da hipótese de uma ponte como a 25 de Abril não resistir a um embate da dimensão da de Baltimore, o engenheiro António Adão da Fonseca explica que esta é uma ponte como pilares e fundações “robustas” e pensados para resistir a choques. “Se uma embarcação [de menores dimensões do que a de Baltimore] embater devagar, porque está, por exemplo, num processo de manobra, pode afetá-la, mas a ponte é muito resistente. Agora, se o barco vier em andamento e for direto ao pilar, este pode sofrer e até deslocar-se”.

Estas duas pontes são bastante diferentes. A 25 de Abril é mais alta, com 70 metros contra os 56 metros da de Baltimore. O engenheiro lembra também que em comparação com a ponte Francis Scott Key, a 25 de abril tem uma salvaguarda acrescida devido às suas catenárias. “Numa situação dessas, se o pilar se mantiver, mesmo inclinado, as próprias catenárias, no fundo, ajudam a evitar que a ponte se incline”. No caso da Vasco da Gama, que, explica António Adão Fonseca, também tem esses cabos, mas que saem da própria torre, há outra vantagem. “É toda em betão e, portanto, muito mais pesada. E, no caso de um embate, a relação das massas é fundamental”, lembra.

Segundo o vice-presidente da APIBARRA, Carlos Serpa Carvalho, os navios da dimensão do Dali são dirigidos para o terminal de Alcântara, logo a seguir à ponte 25 de Abril. No ano passado, circularam inclusivamente navios maiores, de cerca de 350 metros de comprimento, recorda o também piloto do Porto de Lisboa.

Carlos Serpa Carvalho explica que é sempre obrigatória a colaboração de um piloto do Porto de Lisboa nestas operações, que está a bordo e coordena a manobra com o comandante e com os rebocadores. São também os pilotos que indicam qual é a hora mais adequada para a entrada e saída dos navios, em função precisamente do risco de passar junto aos pilares da ponte. “No caso de um navio desta dimensão, o piloto embarcará em Cascais e depois acompanha o navio até ao cais. À saída, inversamente, o piloto embarca no cais, faz a manobra de saída do navio, portanto, até passar desta ponte, e continua com o navio até Cascais”, explica.

O piloto acrescenta que as situações mais delicadas acontecem quando a maré está a vazar. “Nessas alturas, limitamos as horas de manobra do navio para ser mais perto do preia-mar e até uma determinado limite para não sair com uma corrente muito forte a empurrá-lo em direção à ponte. Aí é que pode haver problemas se faltar a máquina, que é possível, como aconteceu com este navio, teríamos problemas”, refere. Por outro lado, quando a maré está a encher, afasta o navio da ponte e o risco diminui. Tudo isto é analisado cuidadosamente quando se define o horário da manobra, garante.

Atualizado com as declarações do vice-presidente da Associação dos Pilotos de Barra e Portos.