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Russia marks 74th anniversary of the end of World War II
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A guerra começou no ano em que a fundação da União Soviética faz 100 anos. Putin faz 70

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A guerra começou no ano em que a fundação da União Soviética faz 100 anos. Putin faz 70

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A queda da casa de Vladimir. Pode o Dia da Vitória tornar-se na derrota pessoal de Putin?

Não há acordo sobre o seu futuro. Se há quem veja Putin com muitos anos de poder pela frente, mesmo perdendo a guerra, há quem aponte a hipótese de um golpe executado por quem lhe é mais próximo.

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Vladimir Putin gosta de datas simbólicas. É por isso que os serviços secretos do Ocidente olham para 9 de maio com atenção, o feriado “sagrado” do Presidente russo. A guerra começou no ano em que o nascimento da União Soviética faz 100 anos. E Putin faz 70. O discurso que marcou a guerra com a Ucrânia foi feito a 21 de fevereiro (o avanço das tropas a 24), numa altura em que Ucrânia e Rússia têm festejos especiais. Em Kiev, celebra-se a Revolução EuroMaidan, que terminou, depois de muitas mortes, com a deposição do presidente pró-russo Viktor Yanukovych, a 22 de fevereiro de 2014 — um episódio que o Kremlin nunca digeriu e que levou à anexação da Crimeia e à luta pela região de Donbass. Em Moscovo, a 23, comemora-se o Dia do Defensor da Pátria, uma exultação aos combatentes de guerra.

Russia Celebrates Victory Day In Moscow

Desfile de 2006, 61.º aniversário do Dia da Vitória

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Vladimir Putin gosta de fazer coincidir acontecimentos, mas essa coincidência pode nem sempre acontecer no sentido que o líder russo desejaria. E é por isso que o 9 de maio de 2022, 75.º dia de guerra, tem sido alvo de várias especulações, incluindo se o Dia da Vitória poderá tornar-se o dia da derrota pessoal do Presidente russo, e o primeiro empurrão escada abaixo do poder.

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O Dia da Vitória Soviética marca a derrota da Alemanha Nazi na Segunda Guerra Mundial, e o país celebra-a com uma grande parada militar, um costume que só se tornou anual a partir de 1995. No Ocidente, o fim do conflito é assinalado na véspera. A diferença tem a ver com fusos horários: quando os alemães assinaram o documento de capitulação, no Leste Europeu já era dia 9.

Caças em “Z”, bombardeiros e milhares de tropas. Rússia volta a ensaiar parada do Dia da Vitória

Ao longo de abril, a informação recolhida pelas secretas do Ocidente, a começar pelos serviços norte-americanos e britânicos, previa que Putin usasse esse dia para anunciar a vitória sobre a Ucrânia. As ruas de Moscovo seriam anfitriãs de algum tipo de apoteose, com um discurso mais deslumbrante do que o fogo de artifício.

O Instituto para o Estudo da Guerra dos EUA dizia-o claramente em abril, num dos seus relatórios diários sobre o conflito: “O ritmo das operações russas continua a sugerir que Vladimir Putin está a exigir uma ofensiva precipitada para atingir os seus objetivos declarados, possivelmente até ao Dia da Vitória.” No entanto, alertavam que a pressa e a preparação parcial do ataque iria “prejudicar a sua eficácia, podendo comprometer o seu sucesso”.

Se nada fosse conseguido até essa data, e no bolso de Putin houvesse apenas uma longa lista de generais mortos em batalha e o bombardeamento fatal do navio-almirante do Mar Negro, o Moskva (batizado com o nome da capital russa), nada de bom poderia seguir-se. Analistas do Ocidente vaticinaram que a falta de resultados até 9 de maio poderia ter o efeito de um sismo no poder de Putin. A intensidade é que era difícil de calcular.

Sergei Lavrov acabou com esta ideia. “Os nossos militares não vão ajustar artificialmente as suas ações a qualquer data, incluindo o Dia da Vitória”, disse o ministro dos Negócios Estrangeiros russo durante uma entrevista à Mediaset, televisão italiana, a mesma em que comparou Zelensky a Hitler.

Russia Holds 75th Anniversary Victory Parade Over The Nazis In WWII

Festejos de 2020, 75.º aniversário do Dia da Vitória

Host Photo Agency via Getty Imag

Moscow Parade Commemorates WWII Victory Russia Holds 75th Anniversary Victory Parade Over The Nazis In WWII

As paradas militares em 2007 e em 2020

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Outra novidade é que nenhum convidado estrangeiro estará presente, nem mesmo Aleksandr Lukashenko, presidente da Bielorrússia, o principal aliado de Putin nesta guerra. Quanto às palavras de Lavrov, foi também ele quem rejeitou a ideia de que a Rússia tivesse intenção de invadir a Ucrânia, quando os tanques já estavam na fronteira, e que rejeitou que a Rússia tivesse invadido a Ucrânia, quando a guerra já tinha começado.

A parada militar será ligeiramente menor do que o habitual: “11 mil militares, 131 unidades de armas modernas e equipamentos militares, 77 aviões e helicópteros”, segundo o Ministério da Defesa russo. No ano anterior, desfilaram 12 mil militares e 191 veículos. Nos céus estarão 77 aeronaves, tantas quanto o número de anos passados desde 1945.

O resto é uma incógnita, mas as hipóteses em cima da mesa são muitas.

Ana Martingo/Observador

Ana Martingo/Observador

O que esperar? Mobilização de tropas, declaração de guerra, prisioneiros a desfilar

Os russos continuam a desmentir todas as hipóteses avançadas pelo Ocidente, com a mesma convicção com que, antes de 24 de fevereiro, negaram estar em marcha uma invasão da Ucrânia. Na quarta-feira, a cinco dias da parada, o porta-voz de Putin considerou infundadas as suspeitas do ministro da Defesa britânico.

Ben Wallace, embora frisando não ter informações nesse sentido, disse que não ficaria espantado se, a 9 de maio, a Rússia anunciasse uma mobilização total das suas tropas, declarasse oficialmente guerra à Ucrânia e a todos os nazis do mundo. “Não é verdade. Isso é um absurdo”, respondeu Dmitry Peskov, citado pelo site Medusa, quando confrontado com as declarações do britânico.

Dias antes, Wallace disse aos microfones da LBC: “Acho que Putin vai tentar sair da sua operação especial, entre aspas, e está a preparar terreno para dizer: ‘Isto agora é uma guerra contra os nazis e preciso de mais pessoas, mais russos’. Carne para canhão, basicamente.”

Hossein Amir Abdollahian-Sergey Lavrov meeting in Moscow
“Os nossos militares não vão ajustar artificialmente as suas ações a qualquer data, incluindo o Dia da Vitória. (...) O ritmo da operação na Ucrânia depende, acima de tudo, da necessidade de minimizar possíveis riscos para a população civil e para os militares russos."
Sergei Lavrov, ministro dos Negócios Estrangeiros russo

Mobilização e declaração de guerra. Sim ou não?

“Ouvimos muitos rumores sobre a mobilização, mas a origem destes rumores é ocidental, não são fontes russas”, diz ao Observador o analista e politólogo russo Oleg Ignatov, do think tank The Crisis Group, que até ao final de abril permaneceu em Moscovo. Na sua opinião, esse cenário não é possível.

“Posso dizer que, na Rússia, as pessoas esperam a guerra e algumas pessoas consideram razoável o governo declarar uma mobilização. Mas, neste momento, não acredito que o faça”, defende o analista, argumentando que isso representaria uma grande mudança na narrativa russa sobre este conflito.

“Agora dizem que não é uma guerra. Ao declarar uma mobilização, isso significa que estão a reconhecer problemas no terreno e terão de reconhecer que é uma guerra e não uma operação especial”, argumenta. A ideia é a de que, no fundo, as duas coisas — declarar guerra e mobilização geral — estão interligadas. Um dos problemas, diz Oleg Ignatov, é que a Rússia tem falta de recursos humanos e anda à procura de potenciais militares em todo o lado.

“Se assinares um contrato, dão-te imenso dinheiro, e mesmo que não tenhas treino militar podes ir combater. A qualidade destes soldados é muito má”, conta, explicando que não vê quaisquer sinais de que esteja a ser preparada uma mobilização geral. Outro motivo que leva o analista russo a pôr esta hipótese de lado é o facto de ela representar um grande rombo na economia. “Com uma mobilização, teremos cada vez menos força trabalhadora e isso é um grande problema para a economia russa.”

A ideia de Ben Wallace, de que Putin pode declarar guerra a nazis de todo o mundo (e não apenas aos da Ucrânia), também não convence Oleg Ignatov. “Não acredito. Vão usar a data para tentar unificar a sociedade no apoio a esta guerra. Vão dizer que os nossos pais ou os nossos avós lutaram contra os nazis e agora estamos a lutar contra os mesmos nazis na Ucrânia.”

O discurso de Putin. Propaganda, muita propaganda contra os nazis

Sem declaração de guerra e sem mobilização geral das tropas, o que poderá então dizer Vladimir Putin quando discursar na Praça Vermelha? “Penso que o Presidente Putin vai usar o seu discurso de 9 de maio como uma oportunidade para angariar apoio para a sua guerra”, diz ao Observador Vikram Mittal, militar na reserva e professor da Academia Militar dos EUA, em West Point.

Oleg Ignatov concorda. “Vão usar a celebração deste dia, em diferentes regiões do país, para reforçar a mensagem de que a Rússia está a lutar contra os nazis [ucranianos], para reforçar a sua propaganda. E, claro, serão feitas mais ameaças ao Ocidente e à Ucrânia.”

Russian President Vladimir Putin and Israel Prime Minister Benjamin Netanyahu watch the Red Square military parade

Em 2018, quando Putin discursava na Praça Vermelha, Benjamin Netanyahu, primeiro-ministro israelita, estava na plateia

Getty Images

O professor de West Point diz algo semelhante. Putin dirá que os russos estão a progredir em direção aos seus objetivos de desnazificar a Ucrânia e libertar o Donbass. Entre os analistas internacionais há a convicção de que, se tudo correr mal e a Ucrânia reconquistar territórios, a narrativa russa será de que estão a sair daquelas regiões por já terem sido desnazificadas. O Presidente russo “também discutirá a brutalidade de Mariupol, provavelmente culpando os ucranianos pelas baixas civis, e usará isso para justificar mais ações na região”, acrescenta Vikram Mittal.

Dentro de Azovstal. A cidade-fábrica de Mariupol onde a resistência aguenta até “à ultima gota de sangue”

Sobre a cidade portuária, Oleg Ignatov conta que há informação a circular de que ela poderá ser palco de algum tipo de celebração, como, por exemplo, ter cidadãos a caminhar nas ruas com fotografias dos seus antepassados mortos pelos nazis. A presença do general Valery Gerasimov, a mais alta patente militar da Rússia e criador do conceito de guerra híbrida, na linha da frente em Donbass, também mostra que algo está em ebulição.

Na quarta-feira, 4 de maio, os serviços secretos ucranianos (GUR) apontaram no mesmo sentido, depois de Sergei Kirienko, um tecnocrata da administração presidencial que tem a pasta de Donetsk e Lugansk e que tem como principal missão organizar os festejos de 9 de Maio, ter estado em Mariupol. Nesse mesmo dia, Sergei Shoigu, ministro da Defesa, voltou a dizer que a cidade está sob controlo do exército russo e que “está a voltar a uma vida pacífica”.

Este, acredita o analista russo, será um dos pontos do discurso de Putin a 9 de maio. “Claro que dirá que capturaram Mariupol, embora isso não seja verdade por agora, mas vai tentar enfatizá-lo. Pode dizer que capturou o oblast de Kherson e que há um canal aberto até à Crimeia.”

Já Vikram Mittal acredita que o Presidente russo “aproveitará a oportunidade para criticar o fluxo constante de armas ocidentais para a Ucrânia, culpando o Ocidente pelas baixas” da guerra.

Além do discurso, a parada em si poderá trazer algumas surpresas. O historiador Alexander Friedman defendia, numa entrevista a um jornal bielorrusso, que poderíamos assistir ao desfile de potenciais criminosos de guerra, e ver o símbolo Z ser utilizado pelas tropas. Isso, diz o historiador, poderá tornar impraticável a comemoração do feriado. “Putin pode tornar impossível celebrá-lo se iniciar uma Terceira Guerra Mundial ou, por exemplo, realizar uma parada militar em Mariupol, ou se aqueles que cometeram atrocidades em Bucha marcharem pela Praça Vermelha.”

Russia Commemorates 70th Anniversary Of Victory Day

Praça Vermelha, 2015, 75 anos do Dia da Vitória

Handout

Putin, tendo iniciado uma guerra destrutiva contra a Ucrânia, destrói este feriado, argumenta o historiador. “Se houver militares a marchar a 9 de maio pelas ruas russas sob os símbolos Z, se este feriado for usado para glorificar os criminosos de guerra, então torna-se difícil falar sobre as perspetivas históricas do Dia da Vitória.”

José Milhazes, jornalista que, durante anos, foi correspondente em Moscovo, avança com outra hipótese. “Putin pode trazer surpresas e, depois da parada, poderá haver um desfile em Moscovo de militares ucranianos feitos prisioneiros”, disse ao Observador, lembrando que, depois da Segunda Guerra, os prisioneiros alemães desfilaram a pé por Moscovo. “Poderia ser uma forma de humilhar os ucranianos.”

[Ouça aqui A História do Dia: Putin quer uma vitória a 9 de Maio, porquê?]

Putin quer uma vitória a 9 de Maio, porquê?

Já um protesto de russos contra a guerra é algo que Milhazes não imagina. “Nunca se pode excluir, mas de grande dimensão, não. Moscovo é passada a pente fino” antes da celebração. Quanto ao discurso, Putin “vai dizer que a operação militar está a correr segundo o plano russo, embora seja mentira”, e que tem muito cuidado com a população civil, sublinha o jornalista português que viveu vários anos na Rússia. “Vai mandar muitos recados duros à Ucrânia, Europa e EUA, disso não tenham dúvidas.”

O russo Evgueni Mouravitch, correspondente da RTP em Moscovo, acusa Putin de ter roubado a festa ao povo. “O 9 de maio é uma festa meio sagrada para os russos. Putin, sabendo isto, ou o Estado que ele construiu, fez com que o 9 de maio fosse privatizado para os bens deste Estado.” Privatizado de que forma? “Ao fazer aqueles desfiles e aquela propaganda a 9 de maio, justifica tudo o que o Estado de Putin faz atualmente. O 9 de maio pertencia a todos os russos, a todos os soviéticos, a vitória alcançada a grande custo por 200 milhões de soviéticos, de várias nacionalidades e etnias, inclusive da Ucrânia. E Putin fez com que a Rússia fosse a única prosseguidora desta festa.”

[Ouça aqui A História do Dia: Como Putin condiciona a informação na Rússia]

Como Putin condiciona a informação na Rússia

A Ucrânia já anunciou que deixará de celebrar o final da Segunda Guerra Mundial a 9 de Maio, passando a festejar a data no dia 8, como no Ocidente.

Sobre o discurso do líder russo, Evgueni Mouravitch antecipa que a intervenção na Praça Vermelha sirva para sublinhar a importância de combater o nazismo e o fascismo, “porque agora essa é a retórica oficial, a conversa na Rússia é de que Moscovo está a combater os nazis em Kiev — isto apesar de o presidente da Ucrânia ser judeu.”

Uma longa lista de derrotas. O fim de Putin está próximo?

Putin não conseguiu tomar Kiev. Putin não conseguiu fazer cair o governo de Volodymyr Zelensky. Putin não conseguiu instalar um regime pró-russo na Ucrânia, nem conseguiu que o povo recebesse os seus militares com acenos de alegria ou, em alternativa, com braços no ar de medo. Putin não conseguiu tomar a região de Donbass (mesmo quando disse que, afinal, era esse o objetivo). E Mariupol tornou-se uma batalha sem fim.

O que conseguiu, para já, foi mostrar um exército debilitado e estrategicamente mal preparado, e com a sua fraqueza reforçar a força das tropas e da resistência ucranianas. Conseguiu perder uma lista que varia entre 5 a 9 altas patentes do exército, consoante a fonte, e ver afundar o principal cruzador da frota russa. Conseguiu ainda ver morrer cerca de 15 mil soldados (números que a Rússia não confirma), mais do que a soma das mortes nas campanhas da Chechénia, Geórgia, Síria e na Ucrânia em 2014.

Blindados vencidos por tratores. Os erros estratégicos dos russos e as proezas militares dos ucranianos

Sem nada na manga para iludir o público, a não ser a habitual propaganda, não estará Putin a dar um passo em frente quando já está à beira do precipício?

“Não vejo nenhuma prova de que Putin esteja a perder o controle na Rússia. Todas as sondagens mostram que a maioria dos russos apoia esta guerra. Não acredito que sejam 80%, mas serão mais de 50%”, afirma Oleg Ignatov. A razão disso, explica, é que a população não tem acesso a informação independente. “Mas muitas pessoas são sinceros apoiantes de Putin e da guerra. Isso é verdade. Por isso não devemos pensar que, se a Rússia perder esta guerra, Putin irá perder o seu poder.”

Nos Estados Unidos, o professor da Academia Militar de West Point também não prevê que Putin se afaste tão cedo do poder — ganhe ou perca contra a Ucrânia. “Independentemente do que acontecer na guerra, acho que Putin pintará esta operação como ‘Missão Cumprida’ e afirmará que os russos cumpriram os seus objetivos. Considerando os seus círculos internos, acho que Putin permanecerá no poder até que decida sair”, argumenta Vikram Mittal.

Ensaio para os festejos de 2017

SERGEI ILNITSKY/EPA

Russia Holds 75th Anniversary Victory Parade Over The Nazis In WWII Victory Day In Moscow During Coronavirus Lockdown

Moscovo mostra o poderio da sua Força Aérea no Dia da Vitória de 2020

Host Photo Agency via Getty Imag

Oleg Ignatov lembra outros exemplos de líderes que ficaram no poder, mesmo depois de perder uma guerra, como no Azerbaijão, na Arménia ou no Iraque de Saddam Hussein. “Não há nenhuma equação. Não há causalidade. A estabilidade do regime de Putin depende de uma série de fatores. O regime está muito consolidado, tem muito controlo sobre os media, a segurança controla tudo, as eleições estão controladas. O aparato policial é muito forte e apoia Putin.” Apesar disso, o analista e politólogo russo afirma que perder a guerra (ou não a ganhar) será um problema para a estabilidade do regime. “Poderá trazer alguns protestos domésticos, mas não significa que Putin se vá demitir ou perder o seu poder. Não quer dizer que vá haver algum tipo de EuroMaidan na Rússia.”

Outro russo, o jornalista Evgueni Mouravitch, também diz ser muito difícil afastar Putin do poder, contrariando uma das hipóteses avançadas ao Observador pelo analista militar Michael Clarke, consultor especializado do Comité de Defesa da Câmara dos Comuns desde 1997.

Porque é que já morreram nove altas patentes russas na guerra da Ucrânia?

“Algumas pessoas contestam a ideia e dizem: ‘Não, não, ele sobrevive, como Estaline sobreviveu e Brejnev.’ Acho que o mundo é tão diferente agora, que Putin pode desaparecer em dois meses ou em dois anos”, sublinha o antigo diretor-geral do Royal United Services Institute (RUSI), think tank britânico de defesa e segurança.

“O facto é que o exército e os serviços secretos estão a ser culpados por algo que não é culpa deles”, diz o analista militar britânico, acrescentando que os oligarcas mais próximos de Putin estão a descobrir que não conseguem operar os seus negócios da mesma forma que faziam no passado. “Então, temos os militares, os serviços secretos, os oligarcas que lhe são próximos e ainda há a elite metropolitana, em Moscovo, em São Petersburgo, em Rostov, que não são pró-Putin, que não gostam dele. Mas Putin continua a ser muito popular entre os russos que vivem longe de Moscovo.”

Assim, Michael Clarke acredita que a elite metropolitana vai virar-se contra o Presidente, à medida que percebe a dimensão e as consequências do conflito com a Ucrânia. “Algures nesse nexo de militares, segurança, oligarcas e elite metropolitana, vai aparecer um movimento para retirá-lo. Pode ser muito rápido ou demorar algum tempo”, mas vai acontecer, prevê o analista britânico.

“Muito difícil”, responde Evgueni Mouravitch. Os oligarcas estão muito condicionados, defende o jornalista, e sabem que quem não está com Putin não tem capacidade de fazer negócio. “São os que têm o máximo a perder. Se não se alinharem com o Kremlin, ou perdem a liberdade, como o Mikhail Khodorkovsky, ou perdem a nacionalidade, como o Vladimir Gusinsky, ou perdem a vida, como o Boris Berezovsky”, três exemplos de oligarcas que foram castigados depois de virarem costas ao Presidente russo.

Nas forças de segurança também considera difícil que surja um movimento, já que os agentes vigiam-se muito bem uns aos outros, tendo sido criada uma teia muito fina e bem pensada de vigilância recíproca e mútua, sempre com olho atento a quem possa vir a construir uma conspiração contra o poder.

“Do lado do povo não pode haver nenhuma sublevação, por causa do regime opressivo que a polícia e a guarda nacional impõem. Acrescenta-se a isto o quadro muito simpático da propaganda”, sublinha Evgueni Mouravitch. A guerra é vendida como uma luta contra os nazis da Ucrânia (e do mundo) e contra o Ocidente nocivo e pérfido. “Vamos ver, no dia 9 de maio, uma linda parada, um desfile militar, podemos ver a imagem de um país próspero, orgulhosamente só, como dizia um político conhecido. A Rússia é muito grande, são 89 regiões administrativas, e só pode ser configurada à força, não pode ser configurada de outra forma.”

Victory Day military parade in Moscow

A comemoração de 2021 do Dia da Vitória

Anadolu Agency via Getty Images

O que diz a história sobre outros líderes

“A queda de Putin pode não vir amanhã nem depois, mas o seu controlo sobre o poder é certamente mais ténue do que era antes de invadir a Ucrânia.” A frase, publicada na revista americana Foreign Affairs, tem a assinatura de Andrea Kendall-Taylor, analista da CIA, e de Erica Frantz, professora de Ciência Política. Juntas, têm assinado vários ensaios e feito investigação sobre autocracias e regimes autoritários. Vladimir Putin é um dos seus objetos de análise. No Washington Quarterly, jornal de política internacional, publicaram recentemente um artigo de 19 páginas: “Depois de Putin: Lições de transições de lideranças autocráticas.”

Nesse artigo, retratam a Rússia como um “regime autoritário altamente personalizado”, já que Putin domina o sistema político. “Ele passou os últimos 22 anos a garantir que não existe uma alternativa viável a si próprio”, dizem as autoras, que consideram que, mesmo quando Dmitri Medvedev foi presidente, era Putin quem, de facto, liderava a Rússia.

“A nossa pesquisa mostra que, uma vez que líderes como Putin passam 20 anos no poder, o mais provável é ficarem durante muito mais tempo”, lê-se no artigo. Desde 1992, o ditador típico que tinha pelo menos 65 anos quando atingiu 20 de governo acabou por ficar no poder uma média de 30 anos. Se a estes dois indicadores se acrescentar o facto de serem regimes altamente personalizados, como o de Putin, a média sobe para 36 anos.

“De facto, a morte no cargo é a forma mais frequente de saída do poder de líderes autoritários de longa data, como Putin”, escrevem. Protestos da população são a segunda forma mais frequente. Por último, revelam que, segundo o padrão histórico, quanto mais tempo um líder está no poder, mais difícil é ser deposto através de um golpe de Estado.

“Depois de décadas no cargo, esses líderes têm poucas ferramentas além da repressão para garantir sua sobrevivência”, e a análise mostra que a repressão aumentou mais nos casos em que os líderes morreram no cargo. “Parecia haver um amplo consenso em torno do uso da repressão como meio de manter o poder e garantir o acesso do círculo interno às vantagens do poder.”

Andrea Kendall-Taylor e Erica Frantz sugerem que, na altura em que escreveram o artigo, a repressão já estava a aumentar com a detenção de manifestantes, a proibição de usar palavras como invasão, ataque ou guerra na imprensa russa, o fecho da Echo Mosckvy, uma das mais antigas rádios independentes do país, com o fim do acesso ao Twitter e ao Facebook e com a criação de legislação que determina pena de prisão até 15 anos para quem distribua notícias sobre os militares russos que as autoridades russas considerem ser falsas. “Estas medidas, se mantidas, são consistentes com as tomadas em regimes semelhantes em que os líderes governaram até à morte.”

“Arriscamos a vida e não há sequer jornal.” Media russos debaixo de fogo

É também por isto que Michael Clarke acredita que o Presidente russo será afastado do poder, mais cedo ou mais tarde. “Putin está a tornar-se muito estalinista. À medida que a guerra avança, a sua repressão torna-se cada vez mais dura e ele fala de maneira muito semelhante à de Estaline. Fala da escumalha, de traidores. E fala num processo de auto-limpeza. Tudo isto faz lembrar a retórica da Grande Purga de Estaline, que começou em 1937.”

O analista militar acredita que Putin tem também uma purga em mente, já que sabe que a guerra lhe está a correr mal e precisa de afastar qualquer pessoa que lhe faça oposição.

“O seu próprio poder de base vai tornar-se mais estreito. Algumas pessoas acham que não, que ele vai manter a base do poder e que se tornará mais ditatorial. Vejo a lógica disso, mas acho que, no mundo atual, com a globalização tão forte, não vai conseguir fazê-lo à medida que as coisas se tornem piores para a Rússia ao longo deste ano e talvez do próximo”, sustenta Michael Clarke. “Quando Putin acabar, penso que a Rússia, economicamente, estará de joelhos.”

Se assim for, o objetivo final de Vladimir Putin ficará longe de ser alcançado. “A finalidade desta guerra é mostrar ao mundo ocidental que não se brinca com a Rússia”, diz Evgueni Mouravitch. “É provar que Putin não deixará sem retaliação aquilo que ele considera a maior ameaça para a Rússia: o fomento da NATO, que ele vê como um bloco agressor. Ele acredita, à séria, que se não fosse a conquista da Crimeia, em 2014, a Marinha norte-americana já teria estado ancorada no porto de Sebastopol.”

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