Se não se vota em alguém que não ouve a mesma canção, o inverso também pode ser verdade. Os candidatos às eleições Europeias foram desafiados a indicar 10 músicas ao Observador para que os eleitores possam também conhecer o lado musical de cada um. Umas escolhas são motivadas pelo gosto pessoal, outras têm uma intencionalidade política.

Sebastião Bugalho tem, sem surpresa, uma lista dominada pelo jazz, mas abre com rap. Marta Temido não dispensou músicas de intervenção, escolhendo Capicua e Garota Não. Nas escolhas de Tânger-Corrêa o yé-yé francês é dominante, numa lista muito francófona que inclui Moustaki e Brel. João Cotrim Figueiredo, embora o Observador tenha pedido as músicas sem justificações, fez questão de explicar o porquê das escolhas. Mais um spoiler: está na lista uma música do célebre episódio Red Wedding, da série The Game of Thrones.

Catarina Martins escolheu, tal como Marta Temido, a música Que Força é Essa?, da Capicua, e inovou ao indicar um podcast: What’s going wrong and how to put it right? João Oliveira não esqueceu o fado e a música popular portuguesa, mas também tem Audioslave na lista. Francisco Paupério também elegeu Sam The Kid, à semelhança de Bugalho, embora a música indicada tenha sido diferente. Por fim, Pedro Fidalgo Marques puxou dos galões de dançarino, escolhendo até o Danza Kuduro, de Lucenzo, e foi o único a surfar a onda swiftie. Veja em baixo as playlists dos oito candidatos dos partidos com assento parlamentar.

A playlist de Sebastião Bugalho

O candidato da AD abre a playlist que revelou ao Observador com um “À procura da perfeita repetição“, um rap de Sam The Kid, num título que pode ter mensagem política. Seria a única música portuguesa que escolheu. Há uma predominância de jazz nas escolhas de Sebastião Bugalho, numa lista que podia deixar José Duarte orgulhoso. O trio polaco Marcin Wasilewski, os norte-americanos Herbie Hancock e Keith Jarrett, ou a dupla Pat Metheny e Brad Mehldau são outros dos nomes. Mesmo quando escolhe bandas de rock, Bugalho prefere as que têm variações ou ligações ao jazz, como é o caso de Steely Dan ou The Doobie Brothers. O pai de Sebastião, João Bugalho, tinha uma programa na rádio dedicado ao jazz e, segundo o candidato costuma contar, ia para o estúdio assistir às gravações do programa. O jazz é um hábito antigo, mesmo para quem tem 28 anos.

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A playlist de Marta Temido

Marta Temido escolheu a música À minha maneira, dos Xutos&Pontapés, certamente para firmar a sua autonomia como candidata. Mas há mais: a música tem história no costismo: foi ao som deste tema que António Costa encerrou uma Convenção sobre o programa eleitoral que o PS realizou em junho de 2015, seis meses antes de chegar ao poder. Três anos mais tarde seria também num concerto que abriu com esta música, que Costa, Marcelo e Ferro Rodrigues subiriam ao palco do Rock in Rio para cantar a Casinha, em 2018. A candidata do PS escolheu também um tema que remete para a luta dos Direitos das Mulheres, o Que Força é Essa Amiga?, da Capicua — inspirado num original de Sérgio Godinho. Em matéria de música de intervenção, foi ainda escolhida a música Países que Ninguém Invade, da Garota Não com Luca Argel. A lista é eclética e tem diversos estilos como U2, Sting, Leonard Cohen ou Miles Davies. E ainda o genérico do Sítio do Pica Pau Amarelo, a única música que Marta Temido enviou com indicação entre parênteses: “(Recordações de Infância)”.

A playlist de António Tânger-Corrêa

A playlist do candidato do Chega é mais uma liste de chansons, tendo em conta que a maioria das escolhas são francófonas. Ou melhor: de franceses a que se soma o Jacques Brel, que é belga, mas canta em francês no seu Ne me quit pas. O ye-ye é música para os ouvidos do embaixador, do tempo em que se falava maioritariamente francês pelo mundo. Assim, é natural que na lista se encontre músicas de Sylvie Vartan ou Francoise Hardy, esta última com o popular Tous les garçons et les filles. Na lista cabem ainda outros grandes nomes da música francesa como Cristophe (com Aline) ou George Moustaki, quem em 1974 gravou uma música chamada Portugal em homenagem ao 25 de Abril que, na verdade, é uma interpretação do Fado Tropical de Buarque. As escolhas incluem ainda outros clássicos que fogem do universo da música francesa, como o Bohemian Rapsody, dos Queen, ou a 9ª Sinfonia do Beethoven. Há ainda espaço para uma música que representa o seu maior hobbie, que é velejar: Sailing, de Christopher Cross.

A playlist de João Cotrim Figueiredo

O que é que têm em comum “escoceses bastantes esquerdalhos”, o príncipe da música Pop, Metal progressivo, Gisela João e o “Doctor House”? Estão todos na playlist de João Cotrim Figueiredo. O candidato da Iniciativa Liberal vai dos oito aos oitenta em 12 músicas, numa seleção que teve assumidamente dificuldades em fazer – garante ter 180 músicas sinalizadas como parte da sua banda sonora. Lugar cativo só mesmo os Genesis, banda favorita, aqui com a Firth of Fifth, gravada em Roma. “É absolutamente extraordinária e tem as oito notas mais bonitas da história da música pop alguma vez gravadas.”

[Já saiu o quarto episódio de “Matar o Papa”, o novo podcast Plus do Observador que recua a 1982 para contar a história da tentativa de assassinato de João Paulo II em Fátima por um padre conservador espanhol. Ouça aqui o primeiro episódio, aqui o segundo episódio e aqui o terceiro episódio]

A Uptown Funk, de Bruno Mars, a “música mais dançável de sempre”, compete com a Acid Rain, dos Liquid Tension Experiment, “uma super banda de músicos ligados ao rock progressivo, híperviolenta, híperpesada, mas muito bem tocada”, e mede forças com a Meu Amigo Está longe, de Gisela João. “Quem não se arrepiar com esta música, não tem todos os sensores em ordem.” Um  caleidoscópio de sons que mete ao barulho os tais escoceses Del Amitri, com Driving With the Brakes On, o compositor alemão Johannes Brahms – Cotrim, recorde-se, estudou no Colégio Alemão de Lisboa até aos 18 anos – e Hugh Laurie, o eterno “Doctor House”, com All We Gotta Do. “Não vou dizer mais, mas boa parte dos militantes do Bloco de Esquerda deveriam ouvir isto antes de se filiar.”

Rouba a Manuel Cruz (Foge Foge Bandido) a homenagem à “Casal Boss”, a sua primeira motorizada, e aos Florence & The Machine a “Ship to Wreck”, uma “música que ficou por motivos mais românticos” e que o faz recordar uma parte da vida. Junta-lhes Miles Davis, os Transatlantic, a “super banda de Rock progressivo”, e os The National, com The Rains of Castamere, parte da banda sonora de um episódio de “Game of Thrones” que termina com a chacina de uma determinada família da ficcionada nobreza – sem qualquer segunda ou terceira leitura, garante. A Contenção, de Samuel Úria, essa sim, “tem uma inspiração liberal”.

A playlist de Catarina Martins

Catarina Martins abre a lista com a rebeldia de Jeremias o fora da lei, de Jorge Palma. Provavelmente para provar o europeísmo do Bloco de Esquerda, aliado ao facto de estas serem eleições europeias, a líder bloquista escolheu Portugal na CEE, dos GNR. Há na lista da bloquista uma música em comum com as escolhas de Marta Temido: Que Força é Essa?, da Capicua. Sérgio Godinho também está presente nas escolhas com uma versão do Espectáculo, cantada com os Clã. Há mais ecletismos em termos musicais, com músicas de  Violent Femmes (com o orelhudo Blister in the sun), Iggy Pop, Rita Lee, Nina Simone ou PJ Harvey (neste caso com uma simbólica Red right hand). Depois das dez músicas, Catarina Martins tomou a liberdade de enviar ainda como parte da playlist um podcast do Corporate Europe Observatory: What’s going wrong and how to put it right?

A playlist de João Oliveira

Com uma boa percentagem de música portuguesa, João Oliveira escolheu a Vida de Estrada, de Diabo na Cruz, para provavelmente retratar os dias de campanha exigente por este país fora. Há fado na lista, com Terra de Melancolia, de Duarte. Outra escolha do candidato comunista foi Com Passaporte de Coelho, dos Boémia, que tem como um dos versos “antes a salto que a sorte”. João Oliveira escolheu ainda Caminhos do Alentejo, em que Paulo Ribeiro canta a poesia de Manuel da Fonseca, naquela que foi a única — das mais de 80 músicas das 8 playlist — que não é possível encontrar no Spotify, plataforma pela qual os comunistas não morrem de amores. Nas escolhas do cabeça de lista da CDU é possível também encontrar nomes como System of a Down ou Audioslave.

A playlist de Francisco Paupério

Francisco Paupério disse há dois dias numa reportagem ao Público que não preparou nenhuma playlist para a campanha, mas o pedido do Observador motivou-o a escolher dez músicas. Nessa reportagem com o diário, o candidato do Livre disse preferir Kendrick Lamar a Drake e passou músicas de Dillaz e Sam The Kid. Mas afinal quais são as dez músicas escolhidas por Francisco Paupério? Sem surpresa há a música Alright, de Kendrick, e a Sendo Assim, de Sam The Kid (rapper também escolhido por Sebastião Bugalho). Nas escolhas pop há ainda Bruno Mars e Rosalía, com a escolha a recair para Malamente. No campo da música nacional, Paupério escolhe Tiago Bettencourt e uma versão de Anda Estragar-me os Planos, na voz de Salvador Sobral. Na mesma lista há ainda o Eu me Lembro, de Clarice Falcão (ex-Porta dos Fundos) e Chico da Tina.

A playlist Pedro Fidalgo Marques

Pedro Fidalgo Marques é fundador e diretor da Oeiras Dance Academy. E nota-se. Entre as músicas escolhidas estão aquela que permite fazer o esquema mais famoso das pistas de dança: Danza Kuduro, Lucenzo feat Don Oma. O mesmo se pode dizer da Baila conmigo. O candidato do PAN ganha também o prémio swiftie ao escolher o célebre Shake it off, de Taylor Swift. Na lista mais pop de todos os candidatos há ainda Jennifer Lopez, Lady Gaga, Katy Perry, Coldplay e Marc Anthony. As escolhas portuguesas já não puxam tanto a esquemas de dança: A Máquina (acordou), de Amor Electro, e Solta-se o Beijo, da Ala dos Namorados.