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Até a OMS está dividida: vai ou não haver uma segunda vaga de Covid-19?

Depois de a diretora da OMS ter dito que segunda vaga é menos provável, outro diretor veio dizer que a doença “pode disparar”. Especialistas portugueses falam de incerteza: “Estamos sujeitos ao acaso"

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Aumenta a lista de especialistas que afirmam que a segunda vaga de Covid-19, para que o mundo inteiro se está a preparar, pode não ser um problema tão grande quanto julgávamos. A última veio da cúpula da Organização Mundial de Saúde — uma diretora de saúde pública da OMS afirmou esta segunda-feira que a hipótese de uma segunda vaga é cada vez menos provável.

Não é, no entanto, uma posição unânime dentro da maior autoridade de saúde do mundo. Depois das declarações de María Neira, Michael Ryan, diretor-executivo do programa de Emergências Sanitárias veio dizer que é preciso “estar ciente de que a doença pode disparar a qualquer altura”.

Em que ficamos? Em reações ao Observador, os especialistas portugueses indicam que todas as possibilidades estão em cima da mesa. É possível que a segunda vaga nunca venha a acontecer, mas, ao mesmo tempo, é possível que ela possa estar a semanas de ocorrer — depende do modelo matemático que se use. Perante a incerteza, vigora o princípio da precaução, recordam.

O que aconteceu?

Numa entrevista ao jornal britânico The Telegraph, noticiada este fim de semana pelo Observador, o líder do projeto que está a desenvolver uma possível vacina contra a Covid-19 na Universidade de Oxford disse que a solução pode falhar clinicamente porque o SARS-CoV-2 está a “desaparecer”.

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Oxford: Coronavírus está a desaparecer demasiado rapidamente para se conseguir vacina

“Há 50% de probabilidades de termos sucesso e 50% de probabilidades de que não obtenhamos nenhum resultado”, afirmou Adrian Hill. Mas um dos motivos para isso vai além do complexo sistema de criação de vacina e é “bizarro”: uma “corrida contra o desaparecimento do vírus”, que parece estar a ter um ritmo de contágio menor.

Dois dias depois das declarações de Adrian Hill, que se referia à situação particular do Reino Unido, a diretora de Saúde Pública da (OMS) voltou ao assunto esta segunda-feira. E disse que a teoria de que a pandemia ainda terá uma segunda grande vaga “é cada vez mais descartada”.

Dois dias depois das declarações de Adrian Hill, que se referia à situação particular do Reino Unido, a diretora de Saúde Pública da (OMS) voltou ao assunto. E disse que a teoria de que a pandemia ainda terá uma segunda grande vaga "é cada vez mais descartada".

OMS considera cada vez mais improvável segunda grande vaga de Covid-19

A espanhola María Neira falou sobre o tema em entrevista à rádio RAC-1 da Catalunha. Segundo a especialista, “existem muitos modelos que avançam muitas probabilidades”, mas a taxa de transmissão parece estar a diminuir, por isso “o vírus terá dificuldades em sobreviver”.

Já esta segunda-feira, depois das palavras da diretora de saúde pública da OMS, Michael diretor-executivo do programa de Emergências Sanitárias da mesma organização, fez declarações mais cautelosas: “Não podemos supor [que os números de novas infeções] vão continuar a descer e que teremos alguns meses para nos preparar para uma segunda vaga. Pode acontecer um segundo pico na atual, como aconteceu em outras pandemias, como da gripe pneumónica”.

Também Maria Van Kerkhove, principal responsável técnica no combate à Covid-19 da OMS, acrescentou que “se encontrar uma oportunidade, este vírus provocará surtos”: “Uma característica única deste coronavírus é a capacidade de se amplificar em certos ambientes fechados, com uma super-propagação, como temos visto em lares de idosos ou hospitais”.

Ainda antes das declarações de Adrian Hill e de María Neira, outro cientista tinha utilizado o Twitter para dissertar sobre a teoria de que não haverá uma segunda vaga. Karol Sikora, antigo chefe do programa de oncologia da OMS, indicou que “há uma possibilidade de o vírus desaparecer naturalmente antes que alguma vacina seja desenvolvida”.

Ex-membro da OMS diz que vírus pode “desaparecer naturalmente” antes da vacina. E cita investigadores portugueses

O que dizem os especialistas portugueses?

Em declarações ao Observador, Miguel Castanho, líder do grupo de bioquímica física de fármacos no Instituto de Medicina Molecular (IMM), apontou que “as previsões que se fazem são sempre falíveis porque dependem dos pressupostos que assumimos”.

Uma das previsões — a expressa pela diretora de saúde pública — indica que a propagação do vírus pode estar a desacelerar por já ter afetado em larga escala a parte da população mais suscetível e, sendo assim, ter agora mais dificuldade em multiplicar-se pelo resto das pessoas.

“Este modelo constrói-se com o pressuposto de que existe uma população mais suscetível que já foi afetada e, portanto, entra-se numa fase em que as pessoas disponíveis para serem infetadas são as mais vulneráveis. Segundo esse modelo, isso pode querer dizer que a população viral vai entrar em regressão”, descreve Miguel Castanho.

Se assim for, “podemos esperar boas notícias”. Mas há outros tipos de estudo que não apontam para os mesmos resultados e consideram que, para o vírus entrar em regressão, a fração de população imune devia ser muito maior. “São modelos que apontam para cenários diferentes”, resume o investigador do IMM.

Nenhum deles é mais correto do que outro neste momento porque “são construídos cientificamente”. Só que, “como partem de pressupostos e dados diferentes, também apontam para cenários diferentes“, conta Miguel Castanho. O melhor, indica o investigador, é estarmos preparados para o pior cenário. E esperarmos mesmo uma segunda vaga.

Nenhum deles é mais correto do que outro neste momento porque "são construídos cientificamente". Só que "como partem de pressupostos e dados diferentes, também apontam para cenários diferentes", conta Miguel Castanho. O melhor, indica o investigador, é estarmos preparados para o pior cenário. E esperarmos mesmo uma segunda vaga.

Também Celso Cunha, virologista do Instituto de Higiene e Medicina Tropical (IHMT), recorda que “isto é uma teoria”, mesmo tendo em conta que são baseados em modelos matemáticos e epidemiológicos. “Há muitos modelos que se podem usar, alguns mais consensuais do que outros”, indica o especialista.

Não se conhece o modelo seguido pela OMS. Mas a teoria de que o vírus vai desaparecer e que a segunda grande vaga não vai ocorrer levanta, ainda assim, mais dúvidas do que respostas, indica Celso Cunha. “Ela está a referir-se ao mundo inteiro ou apenas à Europa?”, questiona, recordando o caso crítico da América do Sul.

Além disso, “apesar de o vírus estar a desaparecer em alguns locais, como no Reino Unido, nada nos garante que chegando ao outono e inverno não iremos ter uma nova vaga com origem na América ou em África, por exemplo”, aponta o virologista.

No entanto, tal como indicado por Miguel Castanho, também Celso Cunha aponta alguma sustentação lógica na possibilidade de não haver uma segunda grande vaga: como há dados de que a transmissão tem sido cada vez menor, e como há cada vez mais pessoas imunizadas, aponta-se que ele tenha tendência a desaparecer. 

Na conferência de imprensa desta segunda-feira, Graça Freitas, diretora-geral da Saúde, preferiu não comentar o assunto porque há “estudos que indicam em diversos sentidos”. “Vamos ter de aguardar”, concluiu. É, na verdade, uma cautela que a própria diretora de saúde pública da OMS pediu: é preciso “prudência” e “bom senso”.

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Então o vírus vai mesmo desaparecer?

Não se sabe. O investigador Miguel Castanho alerta que “podem existir imponderáveis no processo”: “Estes modelos baseiam-se no que existe e tentam fazer uma antevisão da evolução nessa continuidade do que temos”, descreve. No entanto, podem surgir “imprevisibilidades e descontinuidades”.

Miguel Castanho fala, por exemplo, de uma mutação ou de variantes do SARS-CoV-2 criadas a partir da recombinação com o genoma de outro vírus que tenha infetado a mesma célula. “No processo de várias mutações que o vírus sofre, pode surgir uma que torne o vírus mais infeccioso ou mais agressivo“, afirma o investigador.

Isso significa que, apesar de se poderem esperar melhorias tendo em conta o que se observa neste momento, não se pode ignorar a possibilidade de surgir uma variante mais infecciosa ou mais agressiva que traga uma segunda vaga. E é assim sobretudo porque vem aí o outono e inverno, uma época especialmente propícia a doenças respiratórias.

Isso significa que, apesar de se poderem esperar melhorias tendo em conta o que se observa neste momento, não se pode ignorar a possibilidade de surgir uma variante mais infecciosa ou mais agressiva que traga uma segunda vaga. E é assim sobretudo porque vem aí o outono e inverno, uma época especialmente propícia a doenças respiratórias.

Não será um cenário tão grave como o verificado na Gripe Espanhola e em outras pandemias, ressalva Miguel Castanho, uma vez que a prestação de cuidados de saúde evoluiu em flecha desde esses tempos. E também não será uma situação tão preocupante como a que se vive agora porque “pelo menos não seremos apanhados de surpresa”.

No entanto, é importante que se instituam medidas de proteção dos grupos mais frágeis à Covid-19, afirma o investigador: “O que pode fazer a diferença é ter as medidas especiais muito concretas dirigidas a essa população mais afetada, tanto pela infeção como pela doença que ela provoca”.

Celso Cunha também comenta que, mesmo que o vírus desapareça agora, isso não invalida a existência de uma segunda vaga. O desaparecimento pode ser temporário: “É preciso ver isto com muita prudência”.

Por isso é que, questionado sobre as informações vindas de Oxford, segundo as quais o desaparecimento do vírus pode condenar o ensaio clínico da vacina por poder não haver gente infetada suficiente para testar a vacina, Celso Cunha está relutante.

“Em Inglaterra pode ser assim, mas haverá locais do mundo em que a doença vai estar ativa no outono e inverno. Não tenho muitas dúvidas sobre isso porque os países em que a doença está muito ativa neste momento, que é a América do Sul e a América do Norte, têm políticas de não contenção”, sublinha o virologista do IHMT.

Isso traz duas consequências: tanto a vacina de Oxford pode ser testada nessas populações, como pode significar também que a segunda vaga da doença — seja ela mais ou menos infecciosa, mais ou menos perigosa — tenha origem nessa região do planeta.

“Mesmo na China, que aparentemente tinha erradicado a doença, ainda há surtos aqui e ali. Por isso, essa notícia de que poderá não haver uma segunda vaga é boa, mas só se se vier mesmo a concretizar. Neste momento, as cartas estão todas em cima da mesa”, conclui Celso Cunha.

"Mesmo na China, que aparentemente tinha erradicado a doença, ainda tem surtos aqui e ali. Por isso, essa notícia de que poderá não haver uma segunda vaga é boa, mas só se se vier mesmo a concretizar. Neste momento, as cartas estão todas em cima da mesa", conclui Celso Cunha.

Em entrevista ao Observador, Gabriela Gomes, matemática especialista em epidemiologia e investigadora na Escola Superior de Medicina Tropical de Liverpool, já tinha dito que, tendo em conta a “heterogeneidade na suscetibilidade das populações”, apenas será necessária uma imunidade de grupo de entre 10% e 15% para conter uma grande vaga.

Ainda assim, a cientista alerta que o vírus não vai desaparecer e que deverão surgir mais quatro “ondinhas” até se conseguir a imunidade de grupo. “Como as pessoas que estão a ser infetadas, e ficam imunes, são as que são mais suscetíveis, cada imunização de uma pessoa tem um peso maior na imunização da população”, descreveu Gabriela Gomes ao Observador.

“Isso significa portanto que a redução de suscetibilidade na população é maior do que se fosse uma pessoa tirada aleatoriamente”, prosseguiu. É também esta a tese defendida por Karol Sikora no Twitter: “Estamos a ver um padrão semelhante em todos os sítios, suspeito que tenhamos mais imunidade do que o estimado. Precisamos de continuar a diminuir a velocidade do vírus, mas ele pode estar esgotar-se por si só“.

Mas o vírus não estava a tornar-se mais infeccioso?

Os vírus como o SARS-CoV-2 sofrem mutações com muita facilidade porque o ácido ribonucleico (ARN) — a molécula que transporta a informação genética — é quimicamente instável. Uma dessas mutações ocorreu na posição 614 do gene “S”, referente à proteína na superfície do vírus que se liga aos recetores das nossas células.

Essa mutação, encontrada na maior parte dos vírus sequenciados em Portugal, pode tornar o SARS-CoV-2 mais infeccioso, isto é, capaz de se espalhar e replicar mais rapidamente, embora não cause um quadro clínico mais severo. É uma boa notícia para a imunidade de grupo, mas um possível problema para encontrar uma vacina.

Sim, o novo coronavírus pode estar a tornar-se mais infeccioso. Bom para a imunidade de grupo, péssimo para encontrar uma vacina

Questionado pelo Observador se o facto de esta mutação poder tornar o vírus mais infeccioso não ser contraditório à ideia de que ele está a desaparecer, Miguel Castanho esclarece que não: "Se as variantes que venham a aparecer forem mais adaptadas a nós, tendencialmente serão menos agressivos mesmo que sejam mais infecciosos".

Questionado pelo Observador sobre se o facto de esta mutação poder tornar o vírus mais infeccioso não ser contraditório com a ideia de que ele está a desaparecer, Miguel Castanho esclarece que não: “Se as variantes que venham a aparecer forem mais adaptadas a nós, tendencialmente serão menos agressivos mesmo que sejam mais infecciosos”.

“Um cenário possível é que, se acontecer a segunda vaga, ela venha de um vírus menos perigoso do que o da primeira. Se vier uma segunda vaga de um vírus que até possa ser mais infeccioso, mas menos agressivo, e que tome espaço em relação aos mais agressivos, são boas notícias”, descreve o investigador.

Certo é que “todos os cenários são possíveis”: “A ciência não é determinista. Os modelos matemáticos não são contraditórias, apenas preveem evoluções diferentes a partir de características atuais. Estamos sujeito ao papel do acaso”.

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