Gero Jung passou boa parte da carreira no Fundo Monetário Internacional (FMI) mas é desde 2012 economista-chefe da Mirabaud Asset Management, uma casa de investimento suíça cuja história remonta a 1819. Numa visita a Lisboa, deu uma entrevista ao Observador na manhã após a vitória de Donald Trump e explicou que a Mirabaud decidiu, nessa mesma manhã, passar a recomendar o investimento nas ações norte-americanas — “é uma oportunidade de compra”. Quanto à Europa, o cenário é o oposto: Gero Jung vê pouco potencial para uma aceleração do crescimento e tem dúvidas sobre se daqui a cinco anos a zona euro ainda terá o mesmo número de membros. Sobretudo depois do Brexit.

Como olha, de fora, para a economia portuguesa, com otimismo ou pessimismo?
Quando se compara o crescimento de Portugal com a zona euro, a economia portuguesa tem vindo, de um modo geral, a ter um desempenho inferior à média e isso deve continuar a ser assim no horizonte próximo. Ao mesmo tempo, a inflação está mais elevada do que na zona euro. Em 2016, Portugal deverá estar a crescer cerca de 0,9% ao passo que a zona euro cresce 1,7%, ou seja, o fosso continua a aumentar. [a entrevista foi feita antes da divulgação da estimativa do crescimento do terceiro trimestre, pelo INE, que superaram as estimativas].

O que está a travar o crescimento, na sua opinião?
Os principais problemas são a fragilidade do setor financeiro e a incerteza política. Portugal continua a ter um setor bancário muito frágil e, por outro lado, o Estado está dependente de um rating para que o BCE continue a comprar as obrigações e a suportar os bancos. É provável que os investidores continuem a cobrar mais em juros para emprestar a Portugal do que a Espanha ou Itália, por um lado. E, por outro, o setor financeiro continua muito vulnerável, muito concentrado em créditos à habitação e a financiamentos do setor da construção — setores pouco rentáveis. E o problema do crédito malparado continua sem solução à vista. Por estas razões, continuamos muito prudentes em relação à economia portuguesa e ao risco de novos períodos de incerteza.

Ações dos EUA: ordem para investir

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A Mirabaud decidiu, na manhã após a vitória de Trump, passar a recomendar o investimento (overweight) em ações norte-americanas, sobretudo nos setores das infraestruturas, da saúde e dos bancos. “É uma oportunidade de compra“, garante Gero Jung, economista-chefe da casa de investimento suíça. Trump quer fazer mais do que Hillary no investimento em infraestruturas, vai aumentar o investimento público, reduzir os impostos — para as obrigações norte-americanas não será tão positivo, como já se está a ver nos mercados, mas para as ações, sobretudo em alguns setores, a vitória de Trump pode ser muito positiva.

E pela positiva, o que destaca?
Não quero parecer demasiado pessimista, a verdade é que Portugal conseguiu nos últimos anos, por exemplo, reequilibrar a balança corrente com o exterior, que tinha um défice muito preocupante. Além disso, o défice orçamental também tem melhorado e o novo governo tem reafirmado o empenho em conseguir um défice abaixo orçamental inferior a 3% — o que não se pode considerar pouco, para Portugal — mas se vai ou não conseguir, veremos.

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E no pior cenário, nos possíveis “novos períodos de incerteza” de que falou, que soluções podem existir?
O que pode ser uma solução é o programa de socorro do Banco Central Europeu, anunciado em 2012, o OMT — as compras de dívida de emergência, um programa de que muita gente já se esqueceu, porque nunca foi usado, mas que continua lá. Isso pode vir a ser uma opção para Portugal, sobretudo se perder o único rating acima de lixo que tem, o da DBRS. Há uma perceção de que Portugal está a ser suportado artificialmente pelo rating de uma pequena agência, enquanto que as principais todas têm a dívida portuguesa como investimento de alto risco. Isso cria dúvidas nos investidores que, provavelmente, são justificáveis.

Portugal está a perder uma oportunidade para baixar a dívida, por não estar a conseguir muito melhor do que emitir nova dívida a custos semelhantes à antiga?
É verdade que as taxas de juro estão em níveis muito baixos, em todo o lado. Estima-se que o Estado alemão tenha poupado no ano passado qualquer coisa como 20 mil milhões de euros só em juros da dívida, pelo facto de os juros estarem tão baixos. Não será o caso de Portugal, mas para Portugal o mais importante é que a economia se torne mais produtiva, mais eficiente e com crescimento mais forte. Isso é que levará a uma redução da dívida, por via do denominador (o PIB). Mas estamos pouco otimistas. Estamos a ver uma recuperação na zona euro (ainda que meramente cíclica, na nossa opinião), porque é que Portugal não está a acompanhar?

Porque é?
Provavelmente porque não estão a ser feitas reformas estruturais, porque não se resolveram, ainda, os problemas da banca. Poderia fazer sentido imitar o que a Suécia fez nos anos 80, criar um banco mau e libertar os bancos desses ativos — é importante que se faça alguma coisa, e estou certo de que seria possível chegar a um acordo político para resolver o problema. Tudo isto faz com que os investidores tenham dúvidas sobre o que são, realmente, as perspetivas de crescimento em Portugal. Está a entrar algum dinheiro no país, mas é dinheiro quente, que é importante mas que pode ser extraído muito rapidamente — é preciso investimento mais duradouro.

Declarações como as do ministro das Finanças da Alemanha, que fala numa inversão de rumo com o novo governo, ajudam?
Não ajudam nada, infelizmente, a aumentar a confiança dos investidores. Não só dos investidores nos mercados mas, também, daqueles que tomam decisões de investimento direto estrangeiro. Esse investimento tem vindo a cair.

Há margem para aumentar as exportações de forma significativa, para compensar?
A maior parte das exportações de Portugal vai para outros países da Europa. E, infelizmente, estamos muito cautelosos em relação à economia europeia, sobretudo após o referendo do Brexit. Veremos como o processo se desenrola, mas o cenário que vemos como mais provável é que haja um período de desaceleração mas daqui a dois ou três anos começaremos a ver sinais positivos vindos do Reino Unido, e isso vai mostrar a outros países da União Europeia e, potencialmente, da zona euro, que sair não é tão duro como se pensava. É verdade que tem havido sinais positivos para a economia europeia, mas acreditamos que é meramente cíclico, porque os problemas estruturais não foram resolvidos e porque os indicadores de crescimento do crédito não apontam para uma aceleração do crescimento nos próximos trimestres. O que temos visto de positivo é temporário, será sol de pouca dura, em parte porque o crescimento global também não será fantástico.

entrevista, 2016, economista, chefe, Mirabaud Asset Management

“Veremos” se Portugal consegue ter um défice abaixo de 3%, diz Gero Jung. Seja como for, não se pode dizer que 3% seja um valor baixo, para Portugal. (FOTO: ANDRÉ MARQUES/OBSERVADOR)

Voltando aqui à Península Ibérica, já falámos sobre a diferença dos juros no mercado. Mas Espanha está a crescer a mais de 3% ao ano, Portugal uma fração disso. Porquê?
Espanha sofreu uma queda muito grande com a bolha imobiliária, há que ter isso em conta. Mas Espanha teve dois méritos importantes: atacou rapidamente o problema dos bancos e, por outro lado, aplicou reformas estruturais muito importantes (nas pensões, no mercado de trabalho) que agora estão a dar frutos. A economia espanhola tornou-se, claramente, mais competitiva e isso é muito importante.

Também é uma questão de estabilidade política, a ausência da tal “inversão de rumo” de que fala Schäuble?
O país viveu um vácuo governativo durante longos meses e, sobretudo no mercado acionista, isso teve impacto. A economia está a crescer, sim, mas é mais a colheita das reformas que foram feitas nos anos anteriores.

Governos estão a usar juros baixos para "empurrar problemas com a barriga"

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Gero Jung acredita que o BCE irá em dezembro reforçar, ou seja, prolongar as compras de dívida pública e privada na zona euro. “Não o fazer significaria assumir a derrota, porque o objetivo de aumentar a inflação — explicitado no anúncio do programa, em janeiro de 2015 — não está cumprido”, diz o economista-chefe da Mirabaud. Jung defende que os estímulos monetários têm ajudado mas revê-se nos alertas de quem avisa que estes juros artificialmente baixos estão a retirar incentivo aos governos para reformarem as suas economias. “A prazo, será contraproducente”, avisa Gero Jung, que se aproveite as compras do BCE para “empurrar os problemas com a barriga”.

Há pouco dizia que o Reino Unido poderia, saindo da UE, mostrar aos outros países que a vida é possível fora da união. Acha que outros países tenderão a imitar?
Essa é uma das razões para estarmos pessimistas em relação à Europa, sobretudo no médio prazo. No Reino Unido deverá haver uma desaceleração a curto prazo, mas é provável que a economia britânica se dê bem, a médio prazo. Existem algumas vantagens em estar fora, nomeadamente a possibilidade de negociar acordos comerciais bilaterais da forma mais conveniente, o que não é possível dentro da UE. Até Donald Trump disse que o Reino Unido estará no primeiro lugar da fila para negociar acordos comerciais com os EUA.

O que é que isso nos diz sobre a Europa, se alguns países saem e, na sua opinião, acabarão por mostrar que sair não é, necessariamente, uma coisa má. Que implicações é que isso pode ter para a integridade do projeto europeu e, também, da moeda única?
É uma consequência da falha de construção da zona euro, a existência de uma moeda única sem uma política orçamental centralizada. Os políticos têm de conseguir explicar muito bem que todos são responsáveis por todos. Em contraste, nos EUA sabe-se que o advogado em Boston está a subsidiar o agricultor ou o desempregado no Iowa. Não se fala nisso, é simplesmente assim que as coisas são. Na zona euro, por outro lado, temos o caso da Grécia, por exemplo, cuja metade da dívida está nos fundos europeus e paga juros zero. Como é que se pode pedir a um país como Portugal, por exemplo, para pagar juros da dívida quando um país, a Grécia, tem metade da dívida subsidiada, gratuita. Há uma série de problemas de credibilidade e riscos morais.

Recomendar ações europeias "foi um erro"

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Tal como a maioria das casas de investimento, a Mirabaud recomendou à entrada para 2016 a aposta nas ações europeias, algo que se justificava pela perspetiva de mais estímulos na zona euro. “Foi um erro” que a Mirabaud corrigiu após a vitória do Brexit no referendo (a recomendação passou para neutral). As ações europeias caem cerca de 10% este ano e Gero Jung está pouco otimista em relação à economia europeia no horizonte próximo.

Concorda, então, com o que disse Otmar Issing, fundador do BCE, recentemente? Que se devia ter deixado a Grécia sair?
Não faço esse julgamento, se devia ou não. Mas o que conhecemos é a situação atual e acredito que o Brexit veio aumentar a probabilidade de que a zona euro não tenha o mesmo número de membros daqui a cinco anos. Isto apesar de toda a gente ter um incentivo para que a zona euro permaneça junta — o marco alemão valeria 30% ou 40% mais se não fosse o euro, portanto a máquina exportadora alemã não funcionaria tão bem.

A Alemanha é, frequentemente, acusada de não investir, de poupar em demasia. Como lê essas críticas?
Isso é dito muitas vezes, mas na realidade não é assim tão fácil. Quando se olha em detalhe, é mais complexo. Em primeiro lugar, eles introduziram um travão ao endividamento inscrito na Constituição, não podem aumentar o endividamento estrutural em mais de 0,35%, em circunstâncias normais. Não me parece que haja apoios políticos para retirar esse travão aos gastos. Depois, há um problema demográfico, a população está a envelhecer e o governo tem de poupar para isso. Além disso, fala-se também de investimento em infraestruturas. E é verdade, diz-se que existem 12 mil pontes a precisar de obras na Alemanha. Vi uma reportagem no outro dia que mostrava uma ponte em Colónia que tem tantos buracos que os camiões já não podem atravessá-la, por ser perigoso. Mas no ano passado o governo alemão dedicou 4 mil milhões de euros para arranjar pontes e estradas e sabe quanto se gastou? 36 milhões. Porque, na prática, é preciso fazer estudos, abrir concursos e, sobretudo, encontrar as empresas e a mão-de-obra especializada para fazer os trabalhos. Não é tão simples como decidir hoje e fazer obra amanhã. O que seria necessário era um plano à escala europeia, para investimentos.

Não é isso, de certa forma, o Plano Juncker?
O Plano Juncker é, na realidade, dinheiro que já estava prometido, não é dinheiro novo.