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A proposta de Orçamento do Estado para 2023 trouxe algumas novidades que vão ser escrutinadas nos próximos tempos. Ainda fará um caminho de discussão na Assembleia da República. Há medidas emblemáticas, como a reforma no mínimo de existência, ou o incentivo fiscal à valorização salarial. Apesar de serem medidas com boas intenções, há alguns efeitos colaterais. O Observador escolheu cinco casos.

Valorização salarial dá bónus às empresas… mas vem com condições

É uma das medidas emblemáticas deste Orçamento do Estado e que resulta do acordo de rendimentos com parceiros sociais. Mas o seu alcance ainda é de difícil vislumbre, ainda que o Governo tenha inscrito no relatório que acompanha a proposta orçamental prever que possam beneficiar do incentivo fiscal à valorização salarial mais de 500 mil empresas, tendo, para tal, inscrito uma projeção de custo de 75 milhões de euros, sendo o seu impacto sentido em 2024.

Pretende-se com esta medida incentivar aumentos salariais também nos privados, já que o público é decidido pelo Governo que decidiu aumentar a função pública em 5,1% (considerando toda a subida da massa salarial). Para promover a mesma subida de remuneração no privado, o Governo optou por dar um incentivo fiscal, acrescentando aos custos com aumentos salariais um majoração de 50%, ou seja, esses custos são considerados em 150% para efeitos de imposto. E com isso reduzir o lucro tributável levando a um benefício em sede de IRC.

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Mas esta medida vem com interrogações sobre a sua efetiva eficácia e vem também com condições. Só serão considerados os aumentos têm de ser “determinado por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho dinâmica” para trabalhadores com contrato de trabalho por tempo indeterminado. Tem de ser um aumento de 5,1% e acima do salário mínimo. Também se limita este incentivo a quem tenha um gap salarial entre os mais bem pagos e os menos.

São excluídos desta iniciativa as subidas de salários dos administradores, dos familiares de quem detenha as empresas e os próprios acionistas ou sócios (trabalhadores que detenham direta ou indiretamente uma participação não inferior a 50% do capital social ou dos direitos de voto).

O que muda para as empresas com o Orçamento do Estado para 2023?

Função pública com aumento… mas maioria continua a perder poder de compra

O Governo guardou 1.320 milhões de euros para aumentos salariais na função pública, mas o valor não chega para evitar a perda de poder de compra da grande maioria dos funcionários públicos: mais de 70% dos trabalhadores, embora ganhem um extra no salário em 2023, continuam a perder face a uma inflação que, nas contas do Governo, deverá ficar nos 7,4% este ano.

Quem escapa a essa perda são aqueles que ganham menos. Ou seja, os 123 mil trabalhadores do Estado que levam o salário mínimo para casa. Este valor vai subir dos atuais 705 euros para 761,58 euros em janeiro, uma subida de 8% — que, portanto, dará para compensar o aumento dos preços.

O mesmo também se aplica aos assistentes técnicos, que terão além do aumento de 52 euros transversal a todos os funcionários públicos, um bónus no mesmo montante. Ou seja, verão o salário subir 10,7% em janeiro. São 84 mil pessoas, o que eleva para 29% o total de funcionários públicos que não ficam a perder poder de compra.

A partir do salário base de 761,58 euros, os funcionários públicos com salários até cerca de 2.600 euros têm aumentos de, pelo menos, 52 euros — ou seja, sempre abaixo da inflação esperada para o total do ano. A partir desse patamar, a subida é de 2%. Mesmo com o aumento do subsídio de refeição em 43 cêntimos mensais, o aumento médio para a função pública ficará em 3,9%, ou em 5,1% se tivermos em conta as progressões e promoções. O Governo tem sublinhado que não tem margem para ir mais além.

As 17 medidas do Orçamento do Estado que mexem com o seu bolso

Juros com créditos à habitação diminuem retenções na fonte… mas não é para todos e não é apoio

Os juros com créditos à habitação para quem ganhe até 2.700 euros brutos mensais podem resultar numa taxa de retenção na fonte menor, a pedido do contribuinte que tenha um empréstimo deste tipo. Segundo a proposta de Orçamento do Estado, em 2023, “a retenção na fonte sobre rendimentos de categoria A de IRS é reduzida para a taxa do escalão imediatamente inferior à correspondente à remuneração mensal e situação familiar aplicável ao respetivo titular de rendimentos” se o contribuinte tiver um crédito para compra de habitação própria e permanente e tenha uma remuneração mensal que não ultrapasse 2.700 euros.

Uma boa medida para dar mais liquidez ao fim do mês, mas… conte depois com o acerto quando fizer a declaração anual de IRS. O que pode determinar menos reembolso ou mesmo o pagamento de imposto. E por outro lado ficaram de fora desta medida os trabalhadores de categoria B, ou seja, os independentes (vulgo recibos verdes).

O Governo avisou logo que esta medida não era um apoio financeiro aos contribuintes, já que é apenas permitir que não se retenha tanto imposto num determinado momento (mensalmente) e se atire para depois a conta final do IRS.

Simulações. Quanto vale uma menor retenção na fonte para ajudar no crédito à habitação?

Mínimo de existência é reformado para acabar com perversão no IRS… mas implicará imposto ao salário mínimo no futuro

É uma das medidas mais emblemáticas deste Orçamento e uma das que terá maior impacto no aumento do rendimento líquido nos níveis mais baixos. As novas regras do mínimo de existência vão chegar a 800 mil agregados e a rendimentos até 1.000 euros brutos até 2024.

Mas há um efeito colateral. Vão colocar mais contribuintes a pagar imposto sobre rendimentos do trabalho ou das pensões, na medida em que o Governo vai deixar de usar a variação do salário mínimo como a referência para fixar o patamar de rendimento que fica livre de imposto. Atualmente cerca de metade dos contribuintes não paga IRS porque os rendimentos são demasiado baixos. A subida do salário mínimo acordada com os parceiros sociais vai aumentar a base dos que pagam, mas vai também permitir a estes contribuintes passem a descontar despesas gerais ou com habitação, filhos ou saúde no imposto a entregar ao Estado.

Quem ganha salário mínimo precisa de deduzir despesas para não pagar IRS a partir de 2024

Apoio ao abate a carros em fim de vida… mas não há veículos para entrega

O Governo acordou com os parceiros sociais, no âmbito do acordo de rendimento, a criação de um mecanismo para incentivar a renovação do parque automóvel. Na proposta de Orçamento do Estado para 2023, pouco é referida sobre esta intenção. Dizendo-se apenas que no primeiro semestre de 2023 a avaliação e a determinação da “criação de um mecanismo que promova a mobilidade sustentável e a coesão territorial, financiando por reafetação das reduções fiscais da receita proveniente do ISP, incluindo o adicionamento sobre as emissões de CO (índice 2)”. E é neste mecanismo que se prevê que se determinem “soluções relativas” à “renovação do parque automóvel e da infraestrutura subjacente, atendendo a critérios de sustentabilidade ambiental e eficiência energética”. Mas não é concretizado.

A intenção até pode ser boa neste caso — incentivar à troca de carros com mais idade por veículos mais novos, menos poluentes (ainda que também haja quem considere que neste momento é um apoio que só responde à indústria automóvel) — mas também aqui há um problema. É que, atualmente, há uma longa espera por carros novos. A indústria não tem conseguido acompanhar as encomendas e há prazos de entrega de mais de seis meses, chegando em alguns casos a um ano ou mais.

Ainda está por determinar incentivo ao abate de carros em fim de vida