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Os terços da JMJ Lisboa 2023 são produzidos à mão numa fábrica em Fátima
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Os terços da JMJ Lisboa 2023 são produzidos à mão numa fábrica em Fátima

Rui Miguel Pedrosa / Observador

Os terços da JMJ Lisboa 2023 são produzidos à mão numa fábrica em Fátima

Rui Miguel Pedrosa / Observador

De Fátima para todo o mundo. Por trás da máquina que produz os terços e as dezenas para a JMJ Lisboa 2023

É pelas mãos de operárias como as irmãs Oliveira que os terços e dezenas vão chegar a peregrinos em todo o mundo. Em contagem decrescente, o trabalho continua e já se ultrapassou a marca dos 100 mil.

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A manhã ainda não começou para muitos e Maria está já a fazer deslizar peças brancas por um fio de algodão. Às 8h30, são seis as operárias na sala comprida da fábrica onde, em Fátima, são feitos todos os terços e as dezenas oficiais da Jornada Mundial da Juventude (JMJ) 2023. É um ambiente muito diferente do que se viveu meses antes, quando a pandemia ameaçou muitos postos de trabalho. Nessa altura, Maria Oliveira foi uma das trabalhadoras que receou um despedimento.

Sentada na ponta da mesa, trabalha em silêncio com as restantes. Enquanto contam dezenas, a voz de Freddy Mercury faz-lhes companhia, vinda do “esqueleto” do rádio: “I feel like no one ever told the truth to me. About growing up and what a struggle it would be …”. Agora de mãos ocupadas, Maria já não pensa no receio que sentiu de perder o emprego. Desde que a fábrica Farup começou a produzir para a JMJ, o trabalho é muito e chega para todas. “Para nós foi muito bom. Até pensei que, como fui a última a entrar, poderia, se calhar, ter de me ir embora. Mas desde que foi anunciada a vinda do Papa notou-se que isto despertou. Temos sempre muito que fazer”, reconhece, enquanto vai adicionando contas ao terço inacabado.

Situada na Avenida dos Pastorinhos, por onde passam anualmente milhares de peregrinos que percorrem a Rota Carmelita em direção ao Santuário de Fátima, a fábrica de artigos religiosos foi, à semelhança de muitas outras, afetada pela quebra nos níveis de turismo durante a pandemia. Ao longo de vários meses viu-se obrigada a fechar portas e recorrer aos apoios do Estado, enquanto trabalhadores como Maria eram enviados para casa em layoff.

Esse tempo já vai longe. Com o anúncio de que a JMJ vinha para Lisboa em agosto de 2023, e que iria atrair cerca de 1,2 milhões de participantes, Francisco Pereira e Alexandre Ferreira, gestores da Farup, viram uma oportunidade para levar o nome da empresa além fronteiras. “Para nós, como empresa, é bom colaborar com a Jornada. Ter o nosso nome envolvido num evento com esta magnitude dá-nos prestígio”, apontam. A produção para a Jornada ajudou a arrancar de novo e a regressar à normalidade. Quando o Observador esteve na fábrica, a cerca de 100 dias do início do evento, já tinha sido ultrapassada a marca dos 100 mil artigos produzidos ali e o trabalho prosseguia para fazer chegar os terços e dezenas aos peregrinos de todo o mundo.

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É na sala das pinturas que Maria Oliveira (sentada na ponta da mesa) e as colegas fazem os terços da JMJ Lisboa 2023

Rui Miguel Pedrosa / Observador

A sala de pinturas convertida em linha de montagem para a JMJ

Uma agulha e linha, a tesoura mais as contas e, ocasionalmente, um isqueiro ou alicate. Estas são as ferramentas dispostas na mesa de trabalho de Maria. Ao início da manhã, já dividiu com as colegas as tarefas do dia e cada uma dedica-se agora a fazer um dos três modelos de terços da JMJ. Coube-lhe a versão feita em plástico reciclado, com as contas do Pai Nosso em forma de placa com a inscrição “JMJ Lisboa 2023” — nos idiomas oficiais — e que termina com uma chapa onde se pode ler o tema da Jornada, “Maria levantou-se e partiu apressadamente”. Este, explica a operária, é o que exige “mais concentração”, para garantir que as placas nas várias línguas ficam pela ordem certa: português, espanhol, inglês, francês e italiano.

O terço que tem agora em mãos está mais demorado que os restantes. Já teve de o recomeçar por duas vezes, distraída pela conversa. Numa nova investida, volta a colocar as contas no fio de algodão, enquanto vai relatando alguns episódios da sua vida. “Eu tenho uma história engraçada. Andei por aqui uns oito anos, quando era miúda, e acabei por voltar 30 anos depois”, conta ao Observador. “Acho que sou a única que teve outros trabalhos. Andava noutros, mas lembrava-me sempre deste.”

"Vínhamos para a fábrica todas juntas, em grupo. Era muito divertido o caminho que fazíamos de bicicleta e, às vezes, até a pé. Casámos todas por aqui e tivemos filhos. Já somos quase uma família."
Isabel Oliveira, operária

Maria tinha 16 anos feitos quando começou a trabalhar na Farup pela primeira vez. Natural de Alveijar, percorria diariamente de bicicleta os cerca de seis quilómetros entre a sua casa e a fábrica, quer fizesse chuva ou sol. Valia-lhe a companhia, um grupo de cerca de dez garotas que a acompanhavam até ao mesmo destino, entre elas a irmã, Isabel. “Vínhamos para a fábrica todas juntas, em grupo. Era muito divertido o caminho que fazíamos de bicicleta e, às vezes, até a pé. Casámos todas por aqui e tivemos filhos. Já somos quase uma família”, assume Isabel Oliveira, que começou a trabalhar na empresa pouco depois de terminar o sexto ano de escolaridade, em 1981.

Nos primeiros tempos, as duas irmãs dedicavam-se a tarefas mais simples. Começaram por pintar as figuras dos três pastorinhos — Jacinta, Francisco e Lúcia –, uma prática que aprenderam do antigo chefe, o senhor Amadeu, que já morreu. Se no início “esborratavam um bocadinho”, com o tempo foram ganhando prática e agora já pintam de tudo um pouco, incluindo as estatuetas de Nossa Senhora de Fátima, a imagem de marca da casa. “Aquelas já passaram todas por mim”, diz Isabel, orgulhosamente, apontando para uma fila de estatuetas na ponta oposta da sala. “Aqueles corações de Maria já passaram todos pelas minhas mãos. Já abri os olhos das figuras e também lhes pintei os cabelos”, um trabalho que espera continuar a fazer durante mais algum tempo, apesar de já lhe custar um pouco para a vista.

Durante oito anos, as irmãs Oliveira, agora com 59 e 57 anos, trabalharam lado a lado na sala de pinturas. Os seus percursos profissionais acabaram por divergir quando Maria decidiu procurar trabalho mais perto de casa, enquanto Isabel continuou a trabalhar na Farup. Acabaram por se reencontrar no número 850 da Avenida dos Pastorinhos a propósito da visita do Papa Francisco a Fátima, em 2017, altura em que a carga de trabalhou aumentou e tiveram de fazer novas contratações. Seis anos depois, é também a visita do líder da Igreja Católica, agora no contexto da JMJ Lisboa 2023, o motivo pelo qual se veem novamente sem mãos a medir.

Desde o início da produção, a fábrica já superou a marca dos 100 mil terços e dezenas

Rui Miguel Pedrosa / Observador

Terços sustentáveis, inclusivos e made in Portugal

Desde que a Farup começou a produzir artigos para a Jornada, no início de 2021, Maria e Isabel deixaram de lado os pincéis e as tintas para se dedicarem quase em exclusiva à produção de terços e dezenas. Para isso, utilizam materiais “amigos da natureza”: a madeira e o plástico reciclado, explica o gestor Francisco Pereira. Este foi um dos requisitos exigidos pela organização da JMJ, que divulgou que na primeira edição do terço em plástico foi reciclado material equivalente a cerca de 175 mil tampas de plástico. Esta preocupação estende-se também às caixas em que são vendidas, feitas a partir de cartão reciclado e que incluem uma legenda em braile.

Além da aposta na sustentabilidade — que vai assumir um papel central na JMJ –, a organização definiu como prioridade a promoção da produção nacional, uma das razões por trás da escolha da Farup. “Os terços são artigos que já fazemos há mais de 50 anos. Por isso, aproveitaram o nosso potencial”, destaca o gestor Alexandre Pereira, acrescentando que é na própria fábrica que, através de máquinas de injeção, se produzem todas as peças em plástico reciclado. Não é o caso das peças de madeira, que adquirem de uma empresa também em Fátima.

Quanto à produção diária, é “variável”, refere o gestor, sem avançar valores específicos. “Tem fases. Os próprios produtos da Jornada têm altos e baixos. É difícil de especificar”, admite. Os primeiros meses de produção para a Jornada foram dos mais agitados ao longo dos últimos três anos. Nas fases de pico, chegaram a sair diariamente entre 300 e 500 artigos das mãos das operárias.

"Às vezes, vamos contar e temos uma bolinha a mais ou a menos e temos de fazer tudo de novo. Outras vezes, há uma peça repetida ou o cordel é muito curto e é preciso desfazer. No início, desfizemos muitas vezes, mas agora, ao fim deste tempo todo, isso já não acontece."
Maria Oliveira, operária

Longe dos cálculos e das estimativas, na sala das pinturas, Maria e Isabel Oliveira preocupam-se em garantir que não há erros na montagem. No entanto, e apesar da atenção que dedicam ao trabalho, por vezes passam contas a mais ou a menos e logo é preciso recomeçar o trabalho. “Às vezes, vamos contar e temos uma bolinha a mais ou a menos e temos de fazer tudo de novo. Outras vezes, há uma peça repetida ou o cordel é muito curto e é preciso desfazer. No início desfizemos muitas vezes, mas agora, ao fim deste tempo todo, isso já não acontece”, diz Maria Oliveira, que em quatro horas de serviço já deu por terminados perto de 100 terços. Ainda que de tempos a tempos aconteça um ou outro deslize, nenhum terço ou dezena sai da fábrica sem ser verificado, garante ainda Isabel, que segura sempre na mão cinco contas de cada vez para não se perder.

Os terços e dezenas da jornada são produzidos em madeira ou plástico reciclado

Rui Miguel Pedrosa / Observador

Um grupo de reformadas ao serviço da Jornada Mundial da Juventude

Com mais trabalho do que mãos, a Farup viu-se obrigada a procurar reforços para as suas fileiras e tem atualmente várias ajudantes a subcontratos. À equipa de 18 operários da fábrica junta-se um grupo de cerca de doze mulheres reformadas que, a partir de casa, colaboram para garantir que todos os terços e dezenas estão prontos a tempo da Jornada Mundial da Juventude — evento que arranca oficialmente já no primeiro dia de agosto. É o caso de Aldina, que ofereceu os seus serviços para “fazer a memória trabalhar mais”.

Até há pouco tempo, a reformada nunca tinha feito um terço, mas isso não foi um impedimento. Filha de pais alfaiates, Aldina Oliveira sempre se ajeitou com as agulhas, ferramentas que diz ter começado a manusear com apenas três anos. Aos 71 anos, trocou as malhas e rendas pelas contas e cruzes e pôs mãos à obra. Rapidamente ganhou ritmo e já não quer outra coisa. “Gosto muito de fazer este trabalho. Estou sempre a telefonar ao senhor Alexandre a pedir mais”, revela por telefone ao Observador.

"Juntam-se as irmãs e o irmão e até o marido. Ele não sabe é fazer os nós, mas vai colocando as contas. Isto é uma brincadeira ao mesmo tempo."
Aldina Oliveira, reformada

É na mesa da cozinha que a reformada espalha em pequenas caixas o material que lhe chega da fábrica: de um lado, as contas de madeira, do outro, as de plástico. Durante a semana, chega a levantar-se às seis da manhã para começar a trabalhar nos terços, tal é a “cegueira”. “Quem tem cuidados não dorme”, justifica. Logo de manhãzinha começa por fazer dois ou três terços, seguidos de uma pausa para beber café. Ao longo do dia vai trabalhando ao próprio ritmo, sem pressas e, para variar um pouco, ainda se senta por vezes a costurar.

Aos fins de semana, o esquema muda e recruta a própria família para a ajudar numa linha de montagem que a própria dirige. “Juntam-se as irmãs, irmãos e até o marido. Ele não sabe é fazer os nós, mas vai colocando as contas.” Para a reformada, é uma desculpa para juntar a família e, ao mesmo tempo, proporciona momentos de “brincadeira”.

Nas fases de pico, chegaram a sair diariamente entre 300 e 500 artigos das mãos das operárias

Rui Miguel Pedrosa / Observador

Em contagem decrescente para um dos maiores eventos de sempre em Portugal

A contagem para a Jornada Mundial da Juventude não pára e a Farup continua o trabalho para fazer chegar os terços e dezenas aos peregrinos de todo o mundo. As operárias não escondem a vontade de acompanhar o evento e de ver chegar o Papa Francisco, que no programa oficial do evento conta com uma passagem por Fátima.

Os detalhes do programa da visita do Papa a Portugal

Ainda não são conhecidos todos os detalhes da visita — apenas que a chegada está prevista para a manhã de 5 de agosto, seguindo-se uma recitação do terço na Capelinha das Aparições. Caso se mantenha a rota seguida noutros momentos, o Papa pode vir a passar mesmo em frente à porta da fábrica. Foi aí que Isabel Oliveira o viu passar em 2017, por ocasião do centenário das aparições, e anos antes aos seus antecessores, João Paulo II e Bento XVI. É na mesma rua que, confirmando-se o itinerário, espera vê-lo novamente.

Já Maria pensa esperá-lo na Praceta de Santo António, onde trabalha aos fins de semana e já teve oportunidade de o ver ao longe. Ainda que certamente não o saiba, o Papa é um dos muitos que tem consigo um terço que passou pelas mãos destas mulheres.

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