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Benjamin Netanyahu tem acusado os adversários de "traição" e apelado a deserções, aumentando o clima de polarização em Israel

AFP via Getty Images

Benjamin Netanyahu tem acusado os adversários de "traição" e apelado a deserções, aumentando o clima de polarização em Israel

AFP via Getty Images

Israel cada vez mais polarizado naqueles que podem ser os últimos dias do reinado de Netanyahu

Polarização extrema faz temer aumento da violência em Israel. Devido a coligação improvável e até contraditória, Netanyahu radicaliza estratégia, mas os seus 12 anos no poder estão a chegar ao fim.

Naqueles que podem ser os últimos dias de Benjamin Netanyahu no poder, Israel vive momentos de grande tensão, num ambiente de enorme polarização em que se teme um aumento da violência numa tentativa de impedir a formação de um novo governo. O nível de apreensão é tal que os próprios serviços secretos israelitas já vieram apelar à calma, e há quem compare a situação atual com os momentos que levaram ao assassínio do primeiro-ministro Yitzhak Rabin em 1995.

Nos últimos dias, Netanyahu tem intensificado as críticas aos seus rivais políticos, principalmente a Nafatli Bennett, o seu antigo delfim e ex-ministro da Educação e da Defesa, que agora lhe virou as costas e se juntou a partidos do espectro político oposto com o objetivo de o tirar do poder. Às acusações de “traição”, Netanyahu começou também a agitar com fantasma de “fraude eleitoral” — recordando a estratégia seguida por Donald Trump depois de perder as eleições — e tem aumentado a pressão sobre os deputados de extrema-direita que vão apoiar o novo executivo, apelando a deserções.

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Nesta estratégia de “terra queimada”, nas palavras dos opositores do atual primeiro-ministro, os apoiantes de Netanyahu, sobretudo as fações mais ultra-ortodoxas, têm feito manifestações à porta de deputados nacionalistas para os tentar demover de dar apoio a outro executivo que não um liderado pelo atual primeiro-ministro israelita. Bennett e o centrista Yair Lapid, por seu turno, têm apelado a Netanyahu para sair pacificamente do poder. O ambiente é de grande divisão, não tanto entre esquerda e direita, mas sobretudo entre os blocos pró e anti-Netanyahu, com este último a ver como cada vez mais provável a saída do poder do homem que governou Israel nos últimos 12 anos. Nesse sentido, muitos apoiantes de Lapid e de Bennett têm também saído às ruas, para defender a “coligação de mudança” e protestar contra a resistência de Netanyahu.

Protest of right-wing Israeli supporters of Prime Minister Benjamin Netanyahu

Apoiantes de Netanyahu manifestam-se contra o governo Bennett/Lapid à porta da deputada Ayelet Shakedm, número dois do Yamina, em Tel Aviv

Anadolu Agency via Getty Images

“Ao mesmo tempo que a situação é muito tensa e frágil, com Israel extremamente polarizado e com muito incitamento, há também otimismo, com muitos israelitas felizes por verem Netanyahu a ser afastado. Há uma combinação de alívio e de ansiedade quanto ao que vai acontecer a seguir”, explica ao Observador Mairav Zonszein, analista israelita do think tank International Crisis Group.

Depois de quatro eleições inconclusivas nos últimos dois anos, que deixaram Israel num impasse, os israelitas já se preparavam para uma nova ida às urnas mais para o final deste ano, mas um acordo sem precedentes na história do país, alcançado na semana passada, virou tudo do avesso. Apesar de ter sido o partido mais votado nas eleições do passado mês de março, o Likud, de Benjamin Netanyahu, não conseguiu reunir apoios suficientes no parlamento israelita (Knesset) para formar novo governo. A tarefa passou então para Yair Lapid, o líder do segundo partido mais votado, o centrista Yesh Atid.

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Shin Bet alerta para violência politicamente motivada

Com o conflito entre Israel e o Hamas, que durou 11 dias causando mais de 200 mortes, a esmagadora maioria do lado palestiniano, um acordo para um novo governo parecia impossível. Mas Lapid e Naftali Bennett, a poucas horas do fim do prazo, conseguiram chegar uma “coligação de mudança” que inclui, no total, oito partidos, da esquerda à extrema-direita, contando até, pela primeira vez na história de Israel, com o apoio de um partido árabe.

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Apoiantes da "coligação da mudança" demonstram apoio à nova solução de governo em Tel Aviv

AFP via Getty Images

Desde então, e perante a possibilidade cada vez mais concreta de Benjamin Netanyahu, a ser julgado por corrupção, ter de abandonar o cargo que ocupou nos últimos 12 anos, a sociedade israelita polarizou-se ainda mais, atingindo um ponto que levou a uma declaração pouco habitual dos serviços de segurança internos, mais conhecidos como Shin Bet, a apelar ao fim da escalada de tensão entre israelitas.

Nadav Argaman, diretor do Shin Bet, alertou para a possibilidade de, nos próximos dias, ocorrerem episódios de violência politicamente motivados, e admitiu mesmo a possibilidade de o discurso polarizador ser “interpretado por certos grupos indivíduos como uma permissão para atividades violentas ilegais, que podem custar vidas”. Argaman apelou, por isso, ao “fim do discurso de incitamento e violência”, numa declaração que foi interpretada como um recado à classe política do país.

“Yair Lapid demonstrou maturidade e responsabilidade políticas, conseguindo pôr o seu ego de lado, e por isso está a ganhar credibilidade e a receber muitos elogios, não só dentro do seu partido, mas como também de eleitores de outros partidos”
Tamar Hermann, professora de Ciência Política da Universidade Aberta de Israel

As palavras de Argaman tiveram um enorme impacto no país e foram encaradas com muita preocupação, sobretudo porque em Israel há o precedente histórico de um assassínio de um primeiro-ministro: em 1995, dois anos depois da assinatura dos Acordos de Oslo entre israelitas e palestinianos, Yitzhak Rabin foi assassinado por um radical ultra-ortodoxo de extrema-direita que se opunha a qualquer acordo que pudesse viabilizar um Estado palestiniano.

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“Já passámos por isto. O homem encarregado de proteger este país e os seus líderes de ameaças internas teme que estejamos a caminhar rapidamente para algo semelhante. Ai de nós se o seu aviso surpreendente atípico não fosse ouvido com urgência”, escreveu David Horovitz, diretor do Times of Israel, num artigo de opinião intitulado “Quando o Shin Bet alerta sobre violência política, a história de Israel exige que ouçamos”.

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Apesar dos alertas do líder do Shin Bet, a tensão diminuiu pouco em Israel, sendo que Netanyahu ainda não condenou os seus apoiantes que têm feito manifestações à porta de deputados e que têm feito ameaças de morte aos seus opositores — no domingo, chegou mesmo a defendê-los, afirmando que as pessoas se sentem “justificadamente enganadas e que por isso estão a responder”.

Além disso, um grupo de extrema-direita quis convocar uma grande marcha para a próxima quinta-feira, em Jerusalém Oriental, mas as autoridades proibiram-na de passar pela Porta de Damasco, temendo que se sucedesse o que aconteceu em maio — uma marcha semelhante é apontada como um dos motivos que levou o Hamas a começar a lançar rockets contra Israel no passado mês de maio, dando início à escalada de violência. Enfurecidos, os organizadores cancelaram a marcha, que era interpretada como uma forma de provocar os palestinianos, mas acusaram as autoridades de “capitularem perante o terror”.

As divergências, as contradições e o fator comum no bloco anti-Netanyahu

É neste clima de enorme tensão que os 120 deputados do Knesset terão de aprovar o próximo governo, sendo que o bloco anti-Netanyahu reúne 61 deputados, pelo que deserções de última hora podem deitar as suas pretensões por terra. E é essa a estratégia que Netanyahu tem seguido nos últimos dias, visando, sobretudo, os deputados do Yamina, de Naftali Bennett, e do Israel Beitenu, de Avigdor Liberman (extrema-direita).

No entanto, o bloco chefiado por Naftali Bennett e Yair Lapid tem-se mantido firme, e se tudo correr como previsto, o novo executivo poderá ser votado até ao final desta semana ou mais tardar na próxima segunda-feira, confirmando-se assim um governo sem precedentes na história de Israel.

“É muito difícil ver como este governo poderá ser estável, mas, ao mesmo tempo, estes partidos tinham um objetivo muito claro, que era livrarem-se de Netanyahu. Acordaram que não iam levar a cabo grandes mudanças nem fazer nada drástico, por isso é possível que, enquanto Netanyahu estiver na oposição e continuar a pressionar, haja energia para continuarem juntos”
Mairav Zonszein, analista do International Crisis Group.

No total, a “coligação de mudança” reúne oito partidos: dois de esquerda (Meretz e o Partido Trabalhista), dois de centro (o Azul e Branco, do atual ministro da Defesa Benny Gantz, e o Yesh Atid), três de direita nacionalista/extrema-direita (o Nova Esperança, do dissidente do Likud Gideon Saar, o Israel Beitenu e o Yamina) e um partido árabe (o Raam, de Mansour Abbas), que não integra o governo mas compremete-se em dar apoio parlamentar.

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À luz do acordo estabelecido, Naftali Bennett, apesar de o seu partido ter elegido apenas sete deputados, começará por assumir a pasta de primeiro-ministro, trocando passados dois anos com Yair Lapid, que assumirá, para já, a pasta dos Negócios Estrangeiros. Para a politóloga israelita Tamar Hermann, tanto Bennett como Lapid têm muito a ganhar com este acordo, mas, na sua ótica, o líder centrista poderá ter mais ganhos.

“Yair Lapid demonstrou maturidade e responsabilidade políticas, conseguindo pôr o seu ego de lado, e por isso está a ganhar credibilidade e a receber muitos elogios, não só dentro do seu partido, mas como também de eleitores de outros partidos”, afirma ao Observador a professora de Ciência Política da Universidade Aberta de Israel e investigadora do centro de estudos Israel Democracy Institute.

Inauguration Of The Knesset Following Election

Yair Lapid (esq) e Naftali Bennett (dta) chegaram a um acordo histórico para tirar Netanyahu do poder

Getty Images

Quanto a Naftali Bennett, que tem como ambição substituir Netanyahu enquanto líder da direita israelita, acrescenta Tamar Hermann, “tem vindo a moderar o discurso, apresentando-se mais seguro e conciliador, e pode ter muitas vantagens no seu futuro político caso consiga ser bem-sucedido”.

Devido à divergência ideológica — em muitos casos contraditória — dentro deste bloco, existe pouca expetativa de que esta solução de governo consiga aguentar-se muito tempo, tendo em conta que apenas uma questão os parece unir: afastar Netanyahu do poder.

“É muito difícil ver como este governo poderá ser estável, mas, ao mesmo tempo, estes partidos tinham um objetivo muito claro, que era livrarem-se de Netanyahu. Acordaram que não iam levar a cabo grandes mudanças nem fazer nada drástico, por isso é possível que, enquanto Netanyahu estiver na oposição e continuar a pressionar, haja energia para continuarem juntos”, sublinha a analista Mairav Zonszein, do International Crisis Group.

Israel/Palestina. A solução de dois Estados para alcançar a paz ainda é possível?

Uma das questões que parece ficar fora de qualquer acordo entre os oito partidos, por não reunir qualquer consenso entre os partidos, é o futuro do conflito israelo-palestiniano. Se os partidos de centro e de esquerda tendem a ser defensores de uma solução de dois Estados, os partidos mais à direita não aceitam qualquer concessão aos palestinianos, sendo que o próximo primeiro-ministro defendeu no passado a anexação de mais territórios palestinianos, tendo ele próprio vivido num colonato na Cisjordânia ocupada.

“Netanyahu pode ser o líder da oposição e tentar regressar no futuro. Mas, à medida que os seus processos nos tribunais progredirem e mais informação for divulgada, mais difícil poderá ser o regresso"
Tamar Hermann, politóloga

A isto acresce o apoio do Raam que, para assinar o acordo de governo, exige mais direitos para os árabes israelitas, inclusive com um maior orçamento, uma exigência que gera pouco (ou praticamente nenhum) entusiasmo entre os partidos nacionalistas. Além disso, é altamente imprevisível como é que estes oito partidos se iriam entender em caso de, por exemplo, um novo conflito com o Hamas, como o que deflagrou em maio.

Não obstante, vários analistas têm apontado que a coligação pode ser bem sucedida caso se foque nos problemas do dia a dia em Israel, deixando a questão palestiniana de lado, dando prioridade, ao invés, à aprovação de um orçamento (o que já não acontece há dois anos), ao combate à corrupção ou à recuperação económica pós-pandemia de Covid-19.

Saída do poder é o fim político de Netanyahu? Não necessariamente

Caso vá mesmo para a oposição, perante a instabilidade subjacente a esta solução governativa, Netanyahu, que deverá continuar como líder do Likud e por conseguinte líder da oposição, estará à espreita para, assim que possível, ensaiar uma tentativa para voltar ao poder. Por isso, um novo governo não significa, por si só, o fim da vida política do atual primeiro-ministro, que, no entanto, estará dependente do avanço das acusações de corrupção de que é alvo.

“Netanyahu pode ser o líder da oposição e tentar regressar no futuro. Mas, à medida que os seus processos nos tribunais progredirem e mais informação for divulgada, mais difícil poderá ser o regresso”, afirma Tamar Hermann. Mas, continua a politóloga, “caso Netanyahu seja absolvido, então será mais fácil regressar, porque terá um apoio muito mais forte. Se parecer a muitos israelitas que o sistema judicial o tentou incriminar, ou se o caso não tiver bases legais suficientes, então pode causar um enorme impacto em Israel”, reitera.

Netanyahu tenta travar novo Governo apelando a deserções e considerado solução “perigosa”

Até lá, e apesar de parecer cada vez mais difícil impedir o governo de Bennett/Lapid, Netanyahu não parece querer dar sinais de desistir, e a sua estratégia, até à votação final do novo executivo, será ganhar tempo e tentar levar a que deputados dos partidos nacionalistas mudem o sentido de voto, dando uma nova vida política a Netanyahu, que em Israel é conhecido como “o mágico”, pelas inúmeras vezes em que sobreviveu politicamente, quando tudo apontava para o seu contrário.

“Tudo o que fez até agora, incluindo o facto de se recusar a sair quando foi indiciado por corrupção, já é uma prova de que Netanyahu nao está interessado num governo de direita, mas apenas em manter-se no poder”
Mairav Zonszein, analista

Desta vez, no entanto, a situação é muito mais complexa e Israel vive um dos seus momentos de maior tensão em décadas, ao ponto de se temer uma escalada de violência entre israelitas. Acresce que, desta vez, Netanyahu já está a ser julgado pelos tribunais e, afastado do poder, torna-se muito mais difícil defender-se das acusações de que é alvo. Os seus opositores sabem disso, e uma das hipóteses em cima da mesa, caso o seu governo vá avante, é criar uma lei que impeça que pessoas julgadas por corrupção concorram a primeiro-ministro. A Netanyahu, quer, portanto, ficar no poder a todo o custo, acusando os seus adversários de “traição” e de integraram um governo “esquerdista”, apesar da presença de três partidos muito próximos do seu Likud. Resta saber até onde estará disposto a ir.

“Tudo o que fez até agora, incluindo o facto de se recusar a sair quando foi indiciado por corrupção, já é uma prova de que Netanyahu não está interessado num governo de direita, mas apenas em manter-se no poder”, remata Mairav Zonszein, defendendo que a saída do atual primeiro-ministro do poder não significa o fim da sua influência na política israelita. “Netanyahu deixou um impacto tal no país que, mesmo que saia do governo, grande parte do seu legado vai continuar.”

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