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JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

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Jorge Coelho. A alma do PS que tratava a política por tu

O homem do aparelho do PS criou um referencial de ética quando se demitiu após a queda da ponte de Entre-os-Rios. Mesmo após sair da vida política nunca deixou de ser dos políticos mais influentes.

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“Faço lá eu ideia de quem é o homem!” Jorge Coelho, distendido, sentado à mesa depois de um almoço-comício da campanha de José Sócrates, 2005, nunca passava despercebido entre os militantes socialistas, do mais destacado à base. Tinha acabado de falar alegremente com um camarada que o abordou. Perguntou-lhe por isto e aquilo, quem os ouviu a conversar dali não tirava menos do que uma relação próxima, mas no final, já o homem saíra consolado com os vários “lembro pois!” que levara do lendário “homem da máquina” socialista, e Coelho confidenciava a quem o ouvia que não fazia ideia de quem era. Não há duas maneiras de fazer política-todo-o-terreno, aquela de que era motor no PS. Conservou-se mesmo depois de não ter deixado “a culpa morrer solteira”.

Aos 66 anos e já afastado da política desde um episódio trágico que o marcou para sempre — a queda da ponte em Entre-os-Rios –, Jorge Coelho pairava sobre a história passada e presente socialista. Um conselheiro de todos os líderes, braço-armado, voz influente,  bombeiro, pau para toda a obra, sem precisar de estar no ativo. Não estava há 20 anos, mas continua a ser referido no presente, no dia da sua morte, esta quarta-feira, e como “uma força da natureza” — é assim que o descreve, entre outros, o líder socialista António Costa. O político histórico do PS morreu na Figueira da Foz, na sequência de uma paragem cardiorrespiratória, anos depois de ter sobrevivido a um cancro.

Morreu Jorge Coelho, político, antigo ministro socialista e gestor. Tinha 66 anos

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Tinha 17 anos e cabelo comprido quando, em 1971, rumou a Lisboa com a sua namorada — mais tarde mulher — Cecília, para estudar no Instituto Industrial de Lisboa. O país vivia, sem saber ao certo, num frenesim pré-revolução, e Jorge Coelho, jovem estudante, não viveu alheio à agitação política que se preparava. Quando chegou o 25 de Abril, já ele militava nos Comités Comunistas Revolucionários Marxistas Leninistas (CCR-ML), uma estrutura da extrema-esquerda que nasceu de uma dissidência do PCP. Segundo conta o jornalista Fernando Esteves na biografia sobre o político socialista — “Jorge Coelho, o todo-poderoso” — o jovem viseense, crescido numa pequena aldeia de Contenças, Mangualde, teve como primeiro emprego copiar projetos de engenharia, no gabinete do engenheiro Corte-Real, para poder ter um ordenado que lhe compusesse a mesada que a mãe lhe mandava para poder manter-se em Lisboa.

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A morte súbita do pai e o afastamento do extremismo de esquerda

O pai morreu tinha Jorge seis anos. Foi um marco na sua vida esta perda que aconteceu à sua frente. Aos 37 anos, Jorge Coelho pai, morreu de ataque cardíaco fulminante. Deixou Rosa, a mulher com dois filhos menores, Jorginho e Maria Teresa, que tinha mais cinco anos que o irmão. Era uma família com posses na região, donos de um armazém no centro de Contenças abastecido com idas a feiras que Jorginho acompanhava desde pequeno. O traquejo negocial havia de lhe dar proveito noutras arenas, bem mais tarde.

Foi em Lisboa, no radicalismo de esquerda, que começou a atividade política. No livro já citado o próprio Coelho contou como nas reuniões clandestinas dos CCR-ML, que frequentava quando o país vivia os últimos anos do Marcellismo, “a questão ideológica era central. O grande combate contra o revisionismo estava no auge. Foi quando ganhei maior consciência e maturidade política, para grande medo da minha mãe, que vivia aterrorizada com o facto de o filho se poder vir a meter em alhadas“. Mas foi contra esse instinto materno que seguiu mesmo e, mais tarde, meses depois do 25 de Abril, esteve na fundação da União Democrática Popular (UDP).

Nessa altura também já aplicava a sua capacidade organizativa à logística do Secretariado Técnico dos Assuntos para o Processo Eleitoral (STAPE) onde entrou por “‘cunha’ de Manuel Pereira, seu primo ilustre de Contenças, que era na altura secretário-geral do Ministério da Administração Interna”, conta Fernando Esteves no seu livro. Mas os excessos da esquerda revolucionária, sobretudo durante o PREC, acabaram por afastar Coelho desse extremo e daí a um governo socialista, o salto não foi assim tão grande.

Em 1983, durante o Bloco Central de Mário Soares (e Mota Pinto), Francisco Murteira Nabo, primo de Jorge Coelho, chamou-o para o seu gabinete de secretário de Estado dos Transportes e iniciou nos corredores do poder. E nos jantares do poder também, já que foi à mesa, em casa de Carlos Santos Ferreira, que Jorge conheceu António Guterres. A amizade aprofundou-se rapidamente e Coelho lá estava, junto ao amigo, quando muitos anos mais tarde — já o histórico líder socialista Mário Soares estava posto em Belém (1986) — Guterres tentava marcar a era seguinte no partido, juntamente com outros nomes, como Jorge Sampaio e Vítor Constâncio. O tempo do agora secretário-geral da ONU só havia de chegar mais tarde, depois de Sampaio cumprir o seu tempo de liderança do PS, pelo que Coelho desviou caminho para outra paragens.

Macau: o mensageiro da má-notícia do fax e a paciência de chinês

Foi nessa altura que Jorge Coelho chegou a Macau para ocupar o cargo que já ocupara na secretaria de Estado dos Transportes do Governo Bloco Central: chefe de gabinete de Murteira Nabo, que era secretário de Estado Adjunto dos Assuntos Sociais, Educação e Juventude de Macau. Quando Murteira Nabo passa para os Assuntos Económicos, Jorge Coelho assume a pasta e torna-se governante da região administrativa após convite do governador, Carlos Melancia.

Quando rebenta o “caso do fax” em Macau, Jorge Coelho era uma figura de topo do Governo Melancia. O caso começa com o processo construção do Aeroporto Internacional de Macau e com Carlos Melancia a ser suspeito (e respondeu em tribunal, tendo sido ilibado em instâncias superiores) de ter recebido 50 mil contos de uma empresa alemã, a Weidelplan para lhe dar posição de privilégio na construção dessa infraestrutura. A empresa reclamaria o dinheiro de volta num fax que chegou às mãos do jornal O Independente (acreditam os visados que foi pelas mãos de Rui Mateus). A partir daí rebentou o escândalo. Foi Jorge Coelho, sempre atento às notícias nacionais, que informou Carlos Melancia da notícia que acabaria por mudar para sempre a vida do governador.

LUSA

A experiência macaense ajudou-o na vida política. Como conta a biografia não-autorizada, aprendeu duas grandes lições: a primeira é que “é preciso paciência”, pois o “conceito do tempo” dos chineses era completamente diferente do europeu; a segunda lição — que lhe serviria quando mais tarde se torna no homem do aparelho do PS — foi que “numa negociação não pode haver um vencido e um vencedor”. Como disse na biografia assinada por Fernando Esteves: “Todos têm de ganhar alguma coisa, ninguém pode sair absolutamente derrotado. Mesmo que consigamos demonstrar a razão dos nossos princípios, temos de ter a capacidade para ceder em alguma coisa, para que haja pelo menos a ilusão de que todos venceram…”.

O coração de Guterres

Surge em força ao lado de António Guterres, novamente e aí já no tempo certo, em 1992, quando este disputou a liderança com Jorge Sampaio. Depois da derrota de Sampaio para Cavaco Silva, que conquistara a sua segunda maioria absoluta (1991), Guterres declarou-se em “estado de choque” e lançou o mundo socialista numa contenda histórica no partido. Fez uma campanha todo-o-terreno pelas estruturas socialistas e quando não podia deslocar-se, ia Jorge Coelho na sua vez. O amigo foi uma figura central na sua ascensão e com António Vitorino formavam o centro do núcleo político do novo PS. Coelho tomou a organização do PS de Guterres e foi aí que ganhou a alcunha do “homem do aparelho”, conquistado numa política de proximidade que Coelho cultivava naturalmente e que o descreveu durante todo o tempo em que exerceu atividade política — e mesmo depois dela.

Venceu as europeias na coordenação da máquina socialista e, mais tarde, o topo do país, com a vitória nas legislativas de 1995. Numa campanha de coração vermelho estampado em t-shirts, António Guterres tentava o contraponto ao estilo político austero de Cavaco Silva. Na biografia não autorizada já citada, conta-se que Coelho, estratega desta campanha, aprofundara entretanto conhecimentos em marketing eleitoral, tanto em Londres, juntos dos trabalhistas de Tony Blair, como em Espanha, nos comícios do socialista Felipe Gonzalez, aplicando-os à portuguesa, nessa campanha.

Correu novamente o país com Guterres, marcou o seu estilo discursivo em comícios sempre inflamados, de palavras simples, próximas, apelos emotivos e em graus de décibeis que conservou intactos até à última campanha em que participou — a de António Costa, nas legislativas de 2019, em Viseu, claro. Foi ali que, em várias campanhas eleitorais, “declarou morte” ao “cavaquistão” que durante anos foi alcunha do seu distrito, tal a onda laranja que o tomava a cada eleição. A forma muito mais do que o conteúdo ideológico de cada discurso, o homem de óculos e barba cerrada  agitava as hostes socialistas como ninguém e marcou um estilo muito próprio que teve muitos episódios históricos, mais ou menos embaraçosos e que lhe ficaram colados à pele.

Jorge Coelho na campanha das legislativas de 2019, em Viseu

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

A ameaça que se tornou histórica e a culpa que não deixou solteira

Quem se mete com o PS leva. Quem levar connosco vai saber qual é a resposta do PS”. A frase dita em 2001 colou-se a Jorge Coelho que falava para uma plateia de socialistas em abril de 2001, já depois de se ter demitido de ministro (já lá vamos), onde defendeu o então primeiro-ministro, mas também o “camarada António Costa”, então ministro da Justiça.

Reações de Jorge Coelho

O destinatário não era um opositor político, mas sim o então bastonário da Ordem dos Advogados, António Pires de Lima, que acusou o Governo socialista de desrespeitar a Constituição e de interferir nos tribunais e na justiça, a propósito da adesão de Portugal ao Tribunal Penal Internacional — que admite a aplicação da prisão perpétua, pena proibida na Constituição portuguesa.

Jorge Coelho foi ministro no Governo de António Guterres

LUSA

Jorge Coelho, que já tinha abandonado o Governo na altura, veio mais a tarde a corrigir a expressão que não tinha concluído. “Leva uma resposta política, claro.” Mas a original seria muitas vezes aproveitada pela oposição para criticar a atitude de prepotência de alguns dirigentes socialistas.

Nesta altura já o socialista era um histórico por si mesmo e ex-ministro. Quando António Guterres formou o Governo, em 1995, Coelho tinha sido chamado para ministro Adjunto do primeiro-ministro. Acumulou com a Administração Interna, em 1997. E no Governo seguinte, que se iniciou em 1999, Coelho voltou a somar pastas, primeiro a da Presidência e a das Obras Públicas e, a partir de 2000, passou a ministro de Estado e das Obras Públicas. Saiu na sequência de um episódio trágico e contra a vontade do primeiro-ministro.

A queda da ponte Hintze Ribeiro, em Entre-os Rios, em março de 2001, fez 59 mortos numa noite. A estrutura ruiu e com ela um autocarro que transportava uma excursão às amendoeiras em flor em três carros. Nessa mesma noite, Jorge Coelho ligou a Guterres a dar conta do sucedido e depois mais vezes a dar conta da sua vontade de assumir a responsabilidade política do momento. O então primeiro-ministro tentou dissuadi-lo, mas Coelho vinha pronto para cravar na pedra dessa governação mais uma frase. Numa conversa com Guterres, relatada no livro “Jorge Coelho, o todo-poderoso”, o então ministro das Obras Públicas fala com o seu primeiro-ministro para lhe dizer:

– António, vou-me demitir.

– Não faças isso, Jorge. Não tens culpa nenhuma do que aconteceu.

– Não, tenho de sair. Sou o responsável político pela pasta, alguém tem de dar a cara pelo que aconteceu.

– Vamos abrir um inquérito e apuramos responsabilidades. Depois vemos o que fazer. Não te vás embora assim!

– Eu sou o ministro, tenho mesmo de me demitir. A minha decisão está tomada.

No discurso em que entrega a pasta, Jorge Coelho afirma : “A culpa não pode morrer solteira. Nesse sentido, têm que se tirar as consequências políticas”. A questão era também, disse então, “de consciência”. E embora assumisse, anos mais tarde, não ter culpa nenhuma no que tinha acontecido em Castelo de Paiva, também sempre disse que aquela era uma decisão que tinha de tomar como responsável político da área das Obras Públicas. O episódio foi traumático não só para Jorge Coelho, como também para o PS. E selou o fim da sua participação na linha da frente da política nacional. Embora nunca se tivesse afastado por completo do círculo de influência do PS.

Um maçon sem tempo nem paciência para ser dedicado

Jorge Coelho foi iniciado na maçonaria do Grande Oriente Lusitano pelo ex-presidente do Tribunal Constitucional, Luís Nunes de Almeida, após ter sido convencido pelo amigo e também socialista Maldonado Gonelha. Na obediência — como conta o livro “Jorge Coelho: O todo-poderoso” — encontrou outras figuras socialistas como o antigo secretário de Estado, José Miguel Boquinhas (de quem foi sócio numa clínica de exames laboratoriais) e o antigo ministro do Equipamento Social, João Cravinho.

O antigo ministro já era influente quando integrou a maçonaria, mas os irmãos do GOL acolheram-no em parte para reforçar essa influência. Nas escutas do Caso Portucale, Rui Gomes da Silva (ex-ministro do PSD) e Abel Pinheiro (homem das finanças do CDS) falam sobre as escolhas do Governo de José Sócrates, que estava prestes a ser formado. Nessa conversa, Abel Pinheiro diz que Miguel Relvas tinha acabado de falar com Jorge Coelho que estava incomodado por Sócrates não estar a cumprir a famosa ‘quota maçónica’ de governos do PS. Segundo o centrista, Jorge Coelho tinha dito a Relvas sobre a cúpula socrática: “Eles que não pensem que o Seguro vai ficar como líder parlamentar!“. Na biografia não autorizada, Jorge Coelho negou a conversa e disse que  Abel Pinheiro tinha “uma imaginação muito fértil.

LUSA

Jorge Coelho nunca quis falar muito da maçonaria, mas assumiu que foi iniciado e que tinha pouco tempo e paciência para ser um maçon dedicado. Nunca se livrou das ligações: isto porque nomeou outros maçons do GOL, como Armando Vara, que foi seu secretário de Estado, ou mesmo Rui Pereira, que nomeou para liderar o SIS (e que mais tarde chegaria a ministro). Já sem grande ligação à maçonaria, em 2012 Jorge Coelho pediu o “atestado de quite” — documento que atesta a saída — passando a ser o que se chama um “maçon adormecido” (na prática, deixa de pertencer à organização, de pagar quotas e de participar nas reuniões de loja).

A nomeação polémica para a Mota-Engil. Da Carris à presidência da maior construtora

Há outro capítulo importante da sua vida: o empresarial. Jorge Coelho foi nomeado presidente executivo da Mota-Engil em 2008, sete anos depois de abandonar o cargo de ministro. A opção da carreira do socialista, que quando começou a sua carreira política ligada ao PS foi secretário-geral da Carris entre 1985 e 1988, foi muito atacada por alegados conflitos de interesse, sobretudo pelos partidos da oposição.

Enquanto ministro, Coelho teve responsabilidades na decisão de várias obras públicas — do aeroporto, a uma nova travessia do Tejo, passando pelas ex-Scut e pelo aeroporto (que nem todas construídas) — às quais a construtora era um forte concorrente. Mas o ex-ministro cumpriu o período de impedimento previsto na lei e foi mais um ex-político a fazer carreira em empresas. Desde o social-democrata Joaquim Ferreira do Amaral que assumiu a presidência da Lusoponte vários depois de ter entregue as pontes sobre o Tejo a esta empresa. Até Joaquim Pina Moura que foi para a Iberdrola depois de ter decidido enquanto ministro a entrada da empresa espanhola na Galp e na EDP. Pina Moura foi colega de Jorge Coelho nos Executivos de António Guterres e faleceu há um ano.

Sobre os ataques à carreira empresarial de Jorge Coelho, o presidente e maior acionista da Mota-Engil conta que o ex-político ficava irritado com as acusações. Mas em declarações à TVI, António Mota recorda também que o tema era objeto de “galhofa” dentro da empresa. “Eu dizia-lhe que eram os preteridos que estavam chateados”. Segundo António Mota, Jorge Coelho teve dezenas de convites para trabalhar depois de se afastar da política. “Muita gente o queria, mas escolheu-nos a nós”. Era por isso, motivo de um “orgulho enorme” e Jorge Coelho “veio a provar-se que era um empresário enorme”. O político que virou gestor sempre disse que não estava arrependido de ter mudado de vida. E garantia que nunca pediu favores. A Mota-Engil é a maior construtora portuguesa e candidata-se a todos os concursos públicos. Mas não ganha todos .

Jorge Coelho com Antonio Mota depois da Assembleia Geral da Mota-Engil

Jorge Coelho com o homem forte da Mota-Engil, António Mota

LUSA

Em 2010, o consórcio da Mota-Engil foi ultrapassado pelos espanhóis da FCC no concurso para a construção da terceira travessia do Tejo. A construtora portuguesa prometeu uma guerra de contestações e quando o concurso foi anulado por causa da crise financeira ameaçou com um pedido de indemnização ao Estado. Mas ao mesmo tempo, a concessionária Ascendi, detida pela Mota e pelo BES, renegociava com o Governo os contratos das concessões rodoviárias, incluindo varias ex-Scut. Segundo o Tribunal de Contas, o Estado saiu a perder e os privados a ganhar. Há uma investigação criminal em curso há vários anos.

Como gestor, Jorge Coelho manteve sempre a postura que tinha quando político. Era frontal, mas também simpático e acessível. Atendia sempre o telefone aos jornalistas, mas só dizia o que queria. Na primeira vez que se encontrou com a imprensa no novo cargo, e tendo sido questionado sobre a estratégia para a Mota-Engil respondeu: “Não se esqueçam que eu sou político e não me vão pôr a falar se eu não quiser”.

Mesmo depois de ter abandonado funções executivas na construtora — saiu em 2013, mas voltou em 2018 como administrador não executivo — era sempre o último conselheiro que ouvida antes de tomar decisões familiares sobre os destinos da Mota-Engil que fechou recentemente uma aliança estratégica e de capital com uma construtora chinesa.

A acusação que “não cola com o Sócrates que conheço”

Enquanto presidente da Mota-Engil, Jorge Coelho, nunca se coibiu de comentar alguns temas sensíveis de política. Em 2009, veio em defesa do então primeiro-ministro, José Sócrates, por causa das suspeitas do caso Freeport, lamentando que a polémica esteja a “arrastar o primeiro-ministro para a praça pública” e a desagregar o Estado de direito.

Quando José Sócrates foi preso, em 2015, Jorge Coelho foi um dos antigos dirigentes a visitar o ex-primeiro-ministro de quem se dizia amigo e com quem trabalhou nos governos de António Guterres. Depois de conhecida a acusação da Operação Marquês, e apesar de declaração de interesses, considerou que os factos imputados pelo Ministério Público “não colavam” com Sócrates que conhecia.

“Como é óbvio se isto for verdade eu ficarei chocado com tudo isto. Nunca me passou pela cabeça que estas coisas teriam acontecido nestes termos. Se isto aconteceu é de uma gravidade enorme (…) Mas tenho que ser frontal, conheço Sócrates há 35 anos e isto não cola com o José Sócrates que conheço”, afirmou em 2017 no programa Quadratura do Círculo na SIC, num painel de comentadores que integrou depois de António Costa ter saído para o Governo — mais recentemente, já com o programa na TVI, Coelho saiu por motivos pessoais e foi substituído por Ana Catarina Mendes.

“Como é óbvio se isto for verdade eu ficarei chocado com tudo isto. Nunca me passou pela cabeça que estas coisas teriam acontecido nestes termos. Se isto aconteceu é de uma gravidade enorme (...) Mas tenho que ser frontal, conheço Sócrates há 35 anos e isto não cola com o José Sócrates que conheço”,
Jorge Coelho depois de ser conhecida a acusação da Operação Marquês em 2017

Durante os anos de abundância em obras do primeiro Governo de José Sócrates, e sob a sua liderança, a Mota-Engil consolidou a sua posição como a maior construtora em Portugal, ganhando concessões rodoviárias e posicionado-se para a alta velocidade e para o novo aeroporto. Mas com a crise financeira e o resgate a Portugal, as obras pararam e os grandes projetos foram colocados na gaveta.

O setor da construção enfrentou a sua maior crise e a Mota-Engil teve de se reinventar. Foi com Jorge Coelho, e a eventual ajuda das ligações construídas na sua carreia política, que a construtora avançou com força para os mercados emergentes, em África e na América Latina, que passaram a ser os principais mercados.  Quando Jorge Coelho abandonou o cargo de CEO, em 2013, a Mota-Engil era uma das poucas construtoras históricas a sobreviver, ainda que vendendo parte importante dos seus negócios, como os portos e as concessões rodoviárias.

Jorge Coelho justificou a saída da liderança da Mota com razões pessoais e mais tarde confessou que era a função era desgastante, mas manteve-se sempre ligado à empresa do Norte que, em comunicado, o descreveu como “um homem da casa e da Família Mota-Engil,”. Para além das qualidades empresariais, o grupo destaca o “amigo, filantropo discreto, socialmente preocupado e comprometido era um exemplo de responsável e empenhada cidadania para todos nós”

Em anos mais recentes, o ex-político e gestor dedicou-se a um negócio mais modesto — uma queijaria em Mangualde — que combina com a aposta no interior do país. Jorge Coelho foi um dos colaboradores do Movimento pelo Interior do país que em 2018 apresentou ao poder político as suas propostas.

Ações cirúrgicas (mais ou menos falhadas) pela paz interna

O mais perto que se chegou da política ativa, nesta era de pousio que se seguiu à tragédia de Castelo de Paiva, foi como coordenador autárquico do PS de Sócrates, em 2005. E no ano antes, decisivo no plano interno, para evitar uma cisão de consequências grandes, numa altura em que o partido estava dilacerado. Ferro Rodrigues tinha abandonado a liderança depois de Jorge Sampaio ter nomeado Pedro Santana Lopes primeiro-ministro, após a saída de Durão Barroso para a Comissão Europeia, evitando legislativas antecipadas.

Grande parte do partido ficara muito zangado com a decisão de Sampaio e a liderança estava em aberto. Alinhavam-se alguns nomes, como João Soares e Manuel Alegre, mas faltava uma figura aglutinadora, que fosse além de pequenas facções internas. António José Seguro chegou a pensar avançar nessa fase, contra José Sócrates, mas Jorge Coelho foi decisivo para evitar dividir ainda mais as águas socialistas. Travou a ambição de Seguro, com quem manteve sempre boas relações, e apoiou Sócrates nessa ascensão ao poder.

Voltou a estar num lugar de conciliação do partido, mas aí sem conseguir travar a luta interna de 2014, que colocou frente-a-frente António José Seguro e António Costa. Foi o escolhido para presidir à comissão organizadora das primárias. Num clima de guerra interna, o seu nome foi provavelmente o único ponto — de uma campanha intensa e sempre de costas voltadas entre as partes — em que Costa e Seguro concordaram. Jorge Coelho cumpriu este seu papel e manteve-se fiel ao partido no espaço de comentário político em que foi participando. Estava menos presente nos últimos tempos, mas sempre ativo nos contactos.

Ainda na noite anterior tinha estado até altas horas a debater política com Fernando Medina e todos os dias falava com o seu delfim de Mangualde, João Azevedo, que vai ser o candidato do partido à Câmara de Viseu nas próximas autárquicas. “Foi o meu orientador, o meu guia. Perdi um pai”, diz ao Observador o deputado. “Foi-se embora, o gajo”.

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