“O candidato não deixa de ser Presidente”. Marcelo Rebelo de Sousa é o candidato misto nesta estrada eleitoral onde entrou muito recentemente, dividindo atividade em Belém, com a atividade como candidato. Mas quando fala, é o Presidente que vinga sempre sobre o candidato. Ainda este sábado, à porta da Santa Casa da Misericórdia do Barreiro, defendeu medidas do Governo, tentou aplacar ânimos sobre as condições do SNS e deu garantias em nome do Estado. A única diferença é que chega e sai ao volante do seu próprio carro. E que o clima está cada dia mais pesado.

Não muda nada face ao Presidente, tal como em Belém também já esteve mais longe do candidato — basta lembrar que nesta sexta-feira não resistiu em falar de Ana Gomes numa declaração invulgar no Palácio presidencial. Mas Marcelo não se tem mostrado atrapalhado com essa dupla-condição, assume-a e por isso, mesmo que na próxima semana parta para o Norte (na quarta-feira), o candidato avisa já que o Chefe de Estado vai com ele: “Se tiver de promulgar um diploma não posso dizer ‘olhe estou como candidato, não me enviem leis'”.

Na verdade, nem é essa a linha que mais lhe tem custado traçar nestes primeiros dois dias de rua, mas antes a da separação face ao Governo. Mais do que nunca. A gestão da pandemia, os decretos desenhados sob a sua auscultação e os alertas graves sobre a necessidade de cumprir medidas — onde nem sequer vê as exceções a mais que os críticos apontam ao Governo — têm dado pouco espaço de manobra ao árbitro do regime que está vinculado com o caminho seguido.

E, por outro lado, a pressão de casos (e o que eles implicam) preocupa-o como Presidente e pressiona-o como o candidato que anda no bolso presidencial. Num dia em que foram vários os relatos de hospitais em pré-rutura, Marcelo atravessou-se e declarou que “tem havido capacidade de resposta” e também colaboração entre público e setores privado e social. Um atestado de confiança, com palavras até muito idênticas às que têm sido usadas pelo primeiro-ministro sobre esta mesma situação.

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Com dados epidemiológicos que não páram de bater recordes todos os dias e as imagens de um SNS à beira da rutura, esta estrada mostra-se mais esburacada do que se previa para Marcelo. E agora pegou: tem agenda (embora só na sua cabeça) para os próximos dias e na quarta-feira vai para o Porto e sexta para Celorico onde fechará a campanha e votará, tal como o Observador noticiou na última semana.

Marcelo avisa portugueses “suaves” com restrições que isso “tem consequências”

“Ah testei negativo? Sabem primeiro do que eu”

A dada altura, enquanto falava aos jornalistas, a questão sobre o teste negativo cujo resultado tinha sido conhecido durante a reunião de Marcelo na Santa Casa do Barreiro. “Estou à espera de receber entre as 16 horas e as 17 horas”. Isto quando o todo país já sabia que o Presidente em “auto-vigilância ativa” tinha dado novamente negativo ao SARS-CoV-2. “Ah testei negativo? Sabem primeiro do que eu”. Marcelo Rebelo de Sousa só soube pela comunicação social, ali mesmo. Mas tinha entrado numa instituição onde funciona o Lar São José sem certezas? “Não tinha problema porque tinha feito outro teste a uma distância próxima e isso permitiu vir sem problema”. Além de todos os que tem feito, fez mais um teste anteontem. No lar entrou com uma máscara FP-2 — quis trocar uma cirúrgica por essa porque “protege mais” — e reuniu-se com os responsáveis numa sala espaçosa no rés-do chão de um dos edifícios, com as portas abertas e sem comunicação social presente. E cá fora fez questão de mostrar aos jornalistas a mensagem das autoridades de saúde que recebeu no seu telemóvel às 15h43.

Não se pode dizer que seja propriamente um ataque. Se ontem criticou a estratégia dos adversários e se continua sem atirar uma única fisgada ao Governo, já os portugueses não se livraram se uma espécie de reprimenda presidencial. Marcelo Rebelo de Sousa pôs-se ao lado de Costa ao garantir que não há demasiadas exceções nas medidas restritivas: “Não é exceções a mais se as pessoas não interpretarem com latitude excessiva as exceções”. E apontou mesmo o dedo aos que “andam sem máscara nos passeios higiénicos”, ainda que admita, num tom mais compreensivo, perceber que as pessoas “estejam cansadas ao 11º mês” de pandemia e com “vontade de descompressão e de desconfinar”.  Mas as medidas são para levar a sério, avisou sem rodeios.