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O ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Sérgio Vasques, não está de luto pelo fim do regime de residentes não habituais e defende solução que não discrimine os nacionais
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O ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Sérgio Vasques, não está de luto pelo fim do regime de residentes não habituais e defende solução que não discrimine os nacionais

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

O ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Sérgio Vasques, não está de luto pelo fim do regime de residentes não habituais e defende solução que não discrimine os nacionais

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

"Nem a esquerda nem a direita querem" baixar IRS nos escalões mais altos e isso é um problema para atrair os mais qualificados

Descida para 2024 é "palpável", mas IRS ainda está acima do nível pré-troika. Nem PS, nem PSD, querem baixar imposto a quem ganha mais. Ex-secretário de Estado, Sérgio Vasques, diz que é um problema.

Era secretário de Estado dos Assuntos Fiscais quando o regime para residentes não habituais estava nos seus anos iniciais (em 2010), mas Sérgio Vasques “não partilha das dores do mundo da consultoria” pelo fim dos benefícios fiscais para estrangeiros que trouxeram os seus rendimentos para Portugal.

Admite que cumpriu o objetivo de atrair mais riqueza para a economia e até para o Estado (em impostos), mas vê também efeitos adversos. Basta circular em Lisboa (e outras cidades) para perceber a dificuldade crescente dos portugueses viverem lá, diz. O polémico regime para Residentes Não Habituais (RNH) não será o maior responsável pela crise da habitação, mas o fiscalista compreende a opção do Governo em resposta ao desespero de quem não acesso a casa.

Como a crise da habitação vai levar ao fim da “borla fiscal” para os não residentes (incluindo portugueses)

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Para o professor da Universidade da Católica, o que vale a pena discutir é se se justifica manter um “sistema de privilégio” para quem vem de fora mas que discrimina os profissionais qualificados em Portugal com rendimentos comparáveis. O ex-secretário de Estado do último Governo de José Sócrates — o que aprovou vários PEC (programas de estabilidade e crescimento) com medidas fiscais e cortes para tentar evitar o resgate — sublinha que a proposta de Orçamento do Estado para 2024 tem uma descida “palpável” do IRS para a classe média que é mesmo a sua principal marca. Mas ainda não é desta que recuamos ao nível que existia antes do “enorme aumento de impostos” do tempo da troika.

Isto porque há um problema importante: “Nem a esquerda, nem a direita querem olhar acima do quinto escalão de rendimento” (abaixo dos 30 mil euros anuais). E é no topo da tabela do IRS “que decidimos se queremos ser competitivos e atraentes para profissionais qualificados”. Ainda sobre as opções do próximo Orçamento, Sérgio Vasques avisa que o agravamento da tributação sobre o tabaco e os carros antigos é regressivo. E, ainda que justificável do ponto de vista das políticas, vai penalizar os rendimentos mais baixos.

Oiça aqui a entrevista a Sérgio Vasques 

IRS baixa, mas não volta ainda ao nível pré-troika

Com a descida anunciada do IRS para 2024 já nos livramos do enorme aumento dos impostos da era da troika?
Infelizmente, não lhe posso dar essa notícia. Parece-me claro que neste orçamento há um desagravamento do IRS nesses cinco primeiros escalões que é palpável. É carnudo. Traduz-se numa poupança no final do algumas centenas e até milhares de euros para os contribuintes daquilo que é a nossa classe média baixa. Mas se olharmos para traz, a 10 ou a 15 anos, o agravamento do IRS mantém-se em larga medida. Há um caminho por fazer nesta matéria. E não apenas no tocante aos contribuintes dos primeiros cinco escalões.

Os rendimentos mais elevados têm ficado de fora destes alívios fiscais …
Sim, julgo que há aí uma falha de mercado. Nem a esquerda, nem a direita querem olhar acima do quinto escalão. E isto é um problema importante no nosso IRS que é um imposto fortemente progressivo em que o grosso da receita é gerado no topo da tabela. E é nesse topo da tabela que decidimos se queremos ser competitivos e atraentes ou não para profissionais qualificados. Se temos ou não capacidade para reter a mão de obra qualificada que vamos formando e que infelizmente muitas vezes sai do país. Aí é que se decide se queremos ou não atrair mão de obra qualificada estrangeira, sem termos de recorrer a esquemas de exceção como a dos residentes não habituais.

"Nem a esquerda, nem a direita querem olhar acima do quinto escalão. E isto é um problema importante no nosso IRS(...). É nesse topo da tabela que decidimos se queremos ser competitivos e atraentes ou não. Se temos ou não capacidade para reter a mão de obra qualificada que vamos formando e que infelizmente muitas vezes sai do país. Aí é que se decide se queremos ou não atrair mão de obra qualificada estrangeira, sem termos de recorrer a esquemas de exceção como a dos não residentes habituais".
Sérgio Vasques, Professor da Universidade Católica e ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais

O sistema fiscal não é competitivo, na sua opinião, para atrair os profissionais mais qualificados?
Parece-me evidente que não. Mal ou bem, existem contribuintes que ganham mais de 50 mil euros por ano e que não se sentem atraídos por uma fiscalidade que lhes promete 50% de IRS mais Segurança Social. Estamos a falar de rendimentos do trabalho, não estamos a discutir mais-valias nem rendimentos de capital. E acho que esta discussão deve ser feita, mas não tem de ser feita no Orçamento do Estado. Mas acho que à direita temos de a fazer. É dececionante ver a dificuldade que temos a longo prazo em ordenar ideias sobre esta matéria.

Nem a proposta do PSD para baixar o IRS chegava aos rendimentos mais elevado…
A paixão do PSD pelo IRS é uma coisa recente, mas é bem vinda. Sempre estranhei que à esquerda se discutisse a tributação das pessoas singulares e famílias e a direita interessava-se apenas pelo IRC. Finalmente o PSD despertou para o IRS e acho que este ou o próximo ano será a ocasião certa para discutir estas coisas.

"A paixão do PSD pelo IRS é uma coisa recente, mas é bem vinda. Sempre estranhei que à esquerda se discutisse a tributação das pessoas singulares e famílias e a direita interessava-se apenas pelo IRC. Finalmente o PSD despertou para o IRS e acho que este ou o próximo ano será a ocasião certa para discutir estas coisas".
Sérgio Vasques, Professor da Universidade Católica e ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais

Considerando a folga orçamental deste ano, o Governo poderia ter ido mais longe na descida do IRS ou calibrar com o alívio de outros impostos como o IRC?
A grande novidade deste Orçamento, como dizia o Ricardo Reis, é que a esquerda se assume como uma área política que preza e preserva a ordem nas contas públicas. Esse é o pressuposto de todo o Orçamento do Estado, e a aposta na redução da dívida. E isso traz-nos condicionantes importantes naquilo que podemos fazer ao nível da fiscalidade. O desagravamento é feito no IRS. Depois podemos discutir em que medida ele é compensado pelos impostos indiretos. Mas focando as nossas atenções no IRS é claro que desta vez há uma desagravamento substancial. Pode sempre ir-se mais longe…. com certeza. Há de facto ali no IRS um alívio que é significativo para a classe média baixa.

Agravamento do imposto sobre o tabaco e carros mais velhos penaliza rendimentos mais baixos

Pode dizer-se que o Orçamento dá com uma mão (baixando o IRS) e tira com uma outra agravando os impostos indiretos?
É a mesma história vista de outro ângulo. Ainda continuando no IRS é claro que há um desagravamento nos primeiros escalões. Mas, por exemplo, a taxa adicional de solidariedade mantém-se (para rendimentos a partir dos 80.000 euros anuais) e esses escalões [da taxa] não são atualizados. Estamos a deslocar progressivamente a base tributável do IRS para cima.
É claro que do lado da fiscalidade indireta temos um reforço importante de receita, mas temos de distinguir um pouco as coisas. No que toca ao IVA, o reforço da receita provém essencialmente do crescimento do consumo (e dos preços) e não propriamente de medidas discricionárias do Governo. Uma das exceções evidentes é o fim do IVA Zero. A outra é a aplicação do IVA sobre o imposto sobre os produtos petrolíferos que também retoma a normalidade. Não temos neste orçamento o que encontrámos em orçamentos anteriores — um desagravamento dos impostos diretos com contrapartidas evidentes em medidas de sentido direto na fiscalidade indireta. É claro que há agravamento nos impostos indiretos, mas não tanto no IVA. Encontramos esses agravamentos na tributação do tabaco em que vamos buscar este ano mais 170 milhões de euros. E não é pouco, embora tenha as suas razões.

Para Sérgio Vasques, o salário mínimo nunca deve pagar IRS

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

No passado aumentos nas taxas do imposto do tabaco levaram a uma redução do consumo ou a mais evasão fiscal….
Do ponto de vista técnico e de saúde pública, compreende-se o que o Governo está a querer fazer. Criar um modelo de tributação do tabaco que no fundo penaliza os produtos com um preço mais baixo. Ao mesmo tempo que restringe o consumo, trava a entrada de fumadores jovens. Mas feitas as contas vamos ter aí um agravamento que será tendencialmente regressivo porque sabemos que o consumo de tabaco (sobretudo o mais barato) se concentra nos primeiros cinco escalões do IRS. Concentra-se nos escalões de rendimento mais baixo. E o mesmo acontece com o imposto único de circulação.

Aí claramente é a classe mais baixa que tem carros mais antigos…
Aí até com maior clareza. Os contribuintes que não trocaram de carro nos últimos 17 anos claramente não o fizeram por não terem posses para isso. Um agravamento do IUC, que julgo tem um valor médio de quarenta e poucos euros, para 120 euros é dinheiro. É certo que há uma norma travão que no fundo evita que o agravamento seja mais do 25 euros por ano. Mas não nos iludamos, o agravamento vai-lhes chegar ao bolso e apenas uma fração limitada desses contribuintes (estamos a falar de três milhões de viaturas) poderá aproveitar o esquema do incentivo financeiro ao abate para comprar um carro novo. Na fiscalidade indireta há medidas que são mais penosas, mais regressivas, mas elas não estão tanto no IVA, mas nos impostos sobre o consumo.

O Governo quer "criar um modelo de tributação do tabaco que no fundo penaliza os produtos com um preço mais baixo. Ao mesmo tempo que restringe o consumo, trava a entrada de fumadores jovens. Mas feitas as contas vamos ter aí um agravamento que será tendencialmente regressivo porque sabemos que o consumo de tabaco (sobretudo o mais barato) se concentra nos primeiros cinco escalões do IRS. Concentra-se nos escalões de rendimento mais baixo. E o mesmo acontece com o imposto único de circulação".
Sérgio Vasques, Professor da Universidade Católica e ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais

As explicações que o Governo tem dado para justificar uma nova subida da carga fiscal — o emprego e a valorização salarial — fazem sentido?
Fazem sentido, pelo menos em parte. E nós vemos isso, sem sair do IRS. É que apesar do desagravamento que é dado naqueles cinco escalões, a receita mantém-se estável. Aí está uma parte da resposta, mas não está toda.

Neste Orçamento do Estado discutiu-se muito se o salário mínimo devia ou não ser taxado. O primeiro-ministro impediu essa evolução. Até quando fará sentido isentar o salário mínimo de pagar IRS?
O nosso salário mínimo é o que é. Mesmo com o aumento que teve, esse salário exprime o que em Portugal é absolutamente indispensável para a sobrevivência de um contribuinte. Não julgo que deva ser taxado. As grandes opções do sistema não se decidem no fundo da tabela. É no meio da tabela que estão as opções difíceis.

Mas nunca deve ser taxado ou a partir de um certo patamar faz sentido introduzir estes contribuintes no sistema fiscal?
No que toca à tributação efetiva julgo que não deve ser taxado. Estes contribuintes já estão no sistema fiscal de algum modo. Entregam declaração para efeitos de reporte e também sofrem do aumento da fiscalidade indireta. Se devem sofrer do IRS, eu diria que não. É para isso que existe o mínimo de existência [fatia do rendimento que está livre de imposto]. Já agora diga-se que o modo como temos construído o mínimo de existência em Portugal é francamente incoerente porque se aplica apenas a rendimentos de determinadas categorias. Parece-me que quando um contribuinte é pobre, pouco importa de onde vem a riqueza. Deve estar sempre protegido. E aqui só se considera [só se protege] o rendimento do trabalho dependente, independente até certa medida, e de pensões. E realmente é pouco e é injusto.

"O modo como temos construído o mínimo de existência em Portugal é francamente incoerente porque se aplica apenas a rendimentos de determinadas categorias. A mim parece-me que quando um contribuinte é pobre, pouco importa de onde vem a riqueza. Deve estar sempre protegido. E aqui só se considera (protege) o rendimento do trabalho dependente, independente até certa medida, e de pensões. E realmente é pouco e é injusto."
Sérgio Vasques, Professor da Universidade Católica e ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais

Regime para residentes não habituais não é determinante para crise da habitação, mas deu contributo

Ao contrário de outros fiscalistas, ouviu-o dizer [na conferência da Universidade Católica/KPMG sobre o Orçamento do Estado]  que não tinha pena do fim do regime para residentes não habituais (RNH). Cumpriu os seus objetivos?
A questão não é o ter cumprido. A questão é ter cumprido demais. O regime trouxe consigo a atração de pessoas com maiores qualificações e rendimentos que injetaram dinheiro na economia, que criaram negócio em Portugal. E conseguimos perceber isso só circulando por Lisboa. O sucesso do regime não é a única coisa que percebemos circulando por Lisboa. Percebemos que transformámos as nossas cidades em centros nos quais os portugueses têm, cada vez mais, dificuldade em viver. Compreendo os méritos relativos do regime, mas também não podemos esconder os efeitos adversos. Será exagerado dizer que o RNH é o fator determinante na crise da habitação que sofremos, mas terá dado o seu contributo. Esta opção do Governo é, diria eu, compreensível face a uma situação desesperada da população manifestada nas ruas sobre o tema da habitação.
Quando criamos regimes deste tipo surge em seu torno todo um ecossistema. São regimes que alimentam consultoras, escritórios de advogados e imobiliárias. É natural que no momento de desligar a ficha, haja esse choque e essa resistência. E verdade seja dita, o desligar da ficha foi feito de forma muito súbita porque não houve propriamente um período de transição. Quem está dentro, está dentro. Quem não está, tem até ao final do ano.

Mas se não fosse assim, poderia haver aquela corrida ao regime porque quando se obtém este estatuto de residente não habitual, tem-se direito a benefícios fiscais durante 10 anos…
Com certeza que isso poderia suceder. E o Orçamento do Estado cria um regime mais estreito para académicos e investigadores. Não me sinto de luto pelo RNH. Não partilho das dores do mundo da consultoria, mas julgo que há um tema para resolver.

De que forma vamos atrair estas pessoas mais qualificadas para a nossa economia? O Orçamento reforça um pouco outros mecanismos…
É pouco. Julgo que a opção aqui é: ou queremos manter um sistema dual que, no fundo, é discriminatório para os profissionais qualificados portugueses residentes aos quais aplicamos IRS de 50%, quando aos estrangeiros aplicamos 20%. Ou então queremos olhar ao fundo da questão e compreender como queremos tributar esses profissionais qualificados, sejam nacionais ou estrangeiros. E isso envolve olhar a sério para o nosso IRS. O que me parece que não se pode fazer é simplesmente eliminar qualquer tipo de incentivo ou acreditar que os nossos jovens qualificados vão permanecer no país por terem uma isenção integral do IRS no primeiro ano de trabalho. Acho que isto não é plano.

"Quando criamos regimes deste tipo (com benefícios fiscais para residentes não habituais) surge em seu torno toda um ecossistema. São regimes que alimentam consultoras, escritórios de advogados e imobiliárias. É natural que no momento de desligar a ficha, haja esse choque e essa resistência. E verdade seja dita, o desligar da ficha foi feito de forma muito súbita porque não houve propriamente um período de transição".
Sérgio Vasques, Professor da Universidade Católica e ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais

O que faria sentido era criar incentivos transversais, independentemente da nacionalidade?
Correto. A isso chama-se igualdade. Se há progressão profissional, se há maiores rendimentos, temos de forma desinibida e sem complexos à esquerda e à direta de reconhecer que aquilo que temos no IRS não é competitivo. Não chega. Há países que têm outros trunfos e podem atrair profissionais qualificados aplicando taxas elevadas de imposto. Aliás, as taxas marginais de IRS não são baixas por toda a Europa. Mas nós não temos esses outros trunfos. Temos de jogar com o que podemos e acho que podemos fazê-lo, temos condições para o fazer até porque o topo da tabela não é a taxa adicional de solidariedade que gera receita essencial de IVA.

Quando se fala deste regime, fala-se em despesa fiscal (o que o Estado deixa de cobrar se estas pessoas tivessem cá e pagassem as taxas dos portugueses). Mas há números a mostrar que estes contribuintes até deram um saldo positivo para o Estado…
Há uma parcela de verdade nessa leitura. É um tema eterno no cálculo da despesa fiscal, o de saber o que acontece em regimes em que a perda de receita não tem expressão real. Se não houvesse o regime estas pessoas não estariam de facto em Portugal. É difícil dizer que há aqui uma despesa efetiva. Provavelmente há até um ganho fiscal que resulta do pagamento de IRS sobre outros rendimentos, do IVA da alimentação e dos impostos imobiliários. Não vou capaz de fazer uma conta no verso do envelope, mas acredito que o Estado terá ganhado. Mas para mim a questão não é essa. É saber se não devemos também fazer um deve e haver quanto aos profissionais qualificados portugueses. E se se justifica a manutenção de um sistema de privilégio. Essa é a questão de fundo para mim.

O ganho fiscal ajudará também a explicar porque é que os governos socialistas resistiram a acabar com o regime e quando o fazem é por outras razões?
O regime foi criado por governos socialistas. Mas esse deve e haver é importante, mas também é importante ponderar o deve e haver que resulta para a nossa receita fiscal da emigração de profissionais qualificados para o Reino Unido, Suíça.

Para Sérgio Vasques, a tributação do líquido para cigarros eletrónicos sem nicotina é também uma forma de compensar receita fiscal no tabaco

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

O IVA Zero foi uma medida temporária que efetivamente será temporária.  E, ao que parece, cumpriu a sua missão, teve um contributo na descida dos preços, coisa que o próprio governo não acreditou durante muito tempo.
Eu acho que o ceticismo é justificado porque, se olharmos as experiências que foram feitas noutros países e até mesmo àquilo que sucedeu em Portugal no passado com outros abaixamentos do IVA, havia razões para acreditar que isto não seria repassado aos preços junto dos consumidores. Mas felizmente desta vez conseguimos ter um acompanhamento da medida com cabeça, tronco e membros por parte do governo.

E da própria sociedade…
Sem dúvida, tivemos consultoras a fazer estudos. O setor da distribuição, o Observatório de Preços e o Banco de Portugal com resultados que não sendo inteiramente idênticos, apontam no mesmo sentido. Houve de facto uma descolagem na evolução de preços neste cabaz de 46 produtos alimentares, face à evolução de preços dos produtos que estão fora do cabaz. Houve um sucesso relativo da medida. Digo relativo porque não foi homogéneo, mas o mecanismo cumpriu a sua função e não fazia sentido mantê-lo.

Mesmo considerando que continua a haver uma pressão muito grande sobre o preço dos alimentos?
Continua a haver uma pressão, mas apesar de tudo é menor. Coisas desse tipo não se devem perpetuar no tempo, porque temos de facto uma longa tradição de transformar em definitivo aquilo que deve ser provisório. Quando o regime foi introduzido era para vigorar durante seis meses e prorrogado até ao final do ano. Será substituído por transferências diretas para os contribuintes mais necessitados. É claro que podemos discutir, como defendeu Maria d’ Oliveira Martins num artigo de opinião, que nem sempre os mecanismos de transferência social são os mais certeiros face a taxas reduzidas de IVA.

Outra medida temporária é o apoio ao preço dos combustíveis. Temos várias medidas de fiscalidade verde para incentivar comportamentos e acelerar a transição energética, e depois o Governo mantém uma subsidiação generalizada aos combustíveis… Faz sentido?
Todos compreendemos porque é que na Europa, nos últimos dois anos, se introduziram mecanismos deste tipo. É claro que contradiz em absoluto aquilo que são os grandes objetivos da agenda europeia e nacional.

E não estão dirigidos às pessoas que têm mais dificuldades financeiras…
De alguma forma, são cegos, mas desde que esses mecanismos sejam eliminados progressivamente não vejo uma crítica de fundo a fazer. É preciso ter atenção em períodos de crise, mas estes impostos servem de facto para orientar comportamentos nessa matéria. Aliás, a nossa prática em Portugal até tem sido bastante eficaz. Na fiscalidade automóvel inovámos ao tributar os automóveis com base nas emissões de CO2. Soubemos eliminar na via fiscal um pouco o diferencial de tratamento entre o diesel e a gasolina. Desse ponto de vista, julgo que a nossa política fiscal ambiental tem alguns créditos à esquerda e à direita nos últimos vinte anos. Este é um período de exceção.

Portanto defende que a fiscalidade sobre os combustíveis seja agravada, como aliás prevê o Orçamento do Estado?
Tem que ser reposta a normalidade. É a única forma de facto de orientarmos famílias e empresas no sentido de uma mobilidade suave e de comportamentos mais amigos do ambiente. E penso que podíamos estar aqui a discutir também as taxas de tributação autónoma no IRC onde podem ser dados esses estímulos.

Imposto sobre cigarros elétricos sem nicotina também é fonte de receita alternativa

Existem estímulos suficientes para comportamentos alternativos? Por exemplo, a aquisição de carro elétrico?
Sem dúvida. E isso tem funcionado entre nós. É claro que no tocante à mobilidade elétrica nós temos dois temas. A verdade é que a viragem do setor automóvel para o elétrico torna muitos destes estímulos verdadeiramente desnecessários. Por outro lado, essa viragem vai privar o Estado de uma fonte de financiamento. Vai criar aqui um problema de receita.

Vai-se desviar a fiscalidade para a mobilidade elétrica?
Julgo que isso vai acontecer. Já está a acontecer um pouco por todo o lado e, portanto, nós vamos ter que fazer esse desmame. Isso vai suceder com o tabaco. À medida que nós vamos esgotando a base tributável temos que encontrar fontes alternativas de receita. Neste orçamento, temos um sinal que é a tributação do líquido para cigarros eletrónicos sem nicotina. O que estamos também a fazer é proteger a base tributável antes que ela nos fuja.

Portanto, não é apenas para evitar que jovens consumidores se tornem fumadores. Também há um agravamento de 10% no imposto do álcool, mas depois há um produto que fica de fora, que é o vinho que até paga uma taxa de IVA mais baixa…
Isso é Portugal a funcionar como Portugal. Vemos, tradicionalmente este dilema no sul da Europa. Tributamos a cerveja e não tributamos o vinho. No norte da Europa tributamos o vinho e menos a cerveja. De facto é absurdo que hoje que não tenhamos um imposto especial sobre o consumo de vinho. Não resulta apenas da nossa tradição, nem da pressão do setor. Resulta do facto de termos muitos pequenos produtores no setor do vinho e isso exigiria da administração fiscal um esforço de controlo muito maior e, portanto, não queremos estar a tributar o peixe miúdo.

"De facto é absurdo que hoje não tenhamos um imposto especial sobre o consumo de vinho. Não resulta apenas da nossa tradição, nem da pressão do setor. Resulta do facto de termos muitos pequenos produtores no setor do vinho e isso exigiria da administração fiscal um esforço de controlo muito maior e portanto, não queremos estar a tributar o peixe miúdo".
Sérgio Vasques, Professor da Universidade Católica e ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais

Nas cervejas é mais fácil? Agora há muitos produtores cervejas artesanais…
Apesar desse fenómeno das microcervejeiras, é muito mais fácil tributar na cerveja do que tributar no vinho. É também a questão da facilidade de poupar esforço à administração e aos contribuintes. Este ano há de facto um agravamento muito substancial da taxa do imposto especial sobre o álcool. Embora, olhando para trás, encontramos anos em que não foi feita a atualização das taxas do IABA. Mas não há dúvida que estes jovens, que vão beneficiar do desagravamento do IRS jovem, enfim, só poupam fiscalmente, se não fumarem nem beberem.

Publicou um livro sobre as taxas e taxinhas que temos em Portugal. Cumprindo a tradição este Orçamento de Estado tem aqui a criação de uma nova taxa sobre os sacos plásticos muito leves. Como é que vê esta multiplicação de taxas?
Olhamos muito para os impostos, mas não olhamos para esta componente das taxas, que pode ter um peso muito significativo. É um dos grandes vícios do nosso sistema. Esta proliferação de adicionais sobre taxas, contribuições com os nomes mais variados e com os propósitos mais meritórios. Mas a verdade é que hoje em dia as empresas, além do IRC, pagam muitas destas taxas e contribuições com o problema de que não dependem dos seus resultados e portanto são uma forma mais cega de tributar. Se olhamos para os últimos vinte anos nunca se quis debater isto a fundo e existe sempre um motivo para injetar alguma coisa de novo no nosso Orçamento do Estado. São parte já permanente do nosso sistema.

Estas contribuições, que têm até temporário no seu nome, acabam por nunca desaparecer…
Mantêm-se vivas porque criam um efeito de habituação por parte do Estado e infelizmente os nossos tribunais também não têm feito um controlo atento destas coisas. O Tribunal Constitucional chega mesmo a dizer que não é o caráter temporário de uma medida que se torna relevante na sua apreciação. Portanto, temos também aí um fator de encorajamento para os governos irem multiplicando este tipo de contribuições setoriais. Há contribuições aqui que são bizarras, no modo de funcionamento, como a contribuição sobre a indústria farmacêutica, a própria CESE (sobre os ativos da energia), a contribuição sobre o setor da distribuição. A União Europeia teve a presença de espírito quando criou este imposto de solidariedade sobre lucros extraordinários de deixar claro que aquilo vigorava durante dois anos.

"[As contribuições extraordinárias sobre setores] mantêm-se vivas porque criam um efeito de habituação por parte do Estado e infelizmente os nossos tribunais também não têm feito um controlo atento destas coisas. O Tribunal Constitucional chega mesmo a dizer que não é o caráter temporário de uma medida que se torna relevante na sua apreciação".
Sérgio Vasques, Professor da Universidade Católica e ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais

Durante anos assistimos a uma enorme pressão para o Governo baixar o IVA da eletricidade que antes da troika estava na taxa reduzida. Porque é que Governo tem resistido tanto?
Por razões do impacto orçamental que isso tem. É preciso dizer que o normativo comunitário não nos facultava muita liberdade em matéria de aplicação de taxas reduzidas. Recentemente foi flexibilizada a aplicação de taxas reduzidas e julgo que um dos desafios grandes que temos hoje e olhando para diante é o de sermos capazes de resistir à tentação de fazer do IVA uma manta de retalhos. No caso da eletricidade, justifica-se a aplicação de uma taxa reduzida na componente social do consumo. É uma solução de compromisso. Mas olhando para o futuro assusta-me mais o risco de, por força do jogo partidário, acabarmos por multiplicar também a aplicação de taxas reduzidas no IVA. Aliás, basta ver na discussão deste orçamento. Já houve reivindicações de vários setores nesse sentido por parte de associações económicas de partidos políticos. Nós vemos essa tentação de resposta rápida.

Acha que faz sentido reavaliar os impostos na área do património como contributo para resolver o problema da habitação?
Em Portugal há esta dificuldade tremenda de, no fundo, a receita destes impostos ser da titularidade das autarquias. As autarquias têm beneficiado muito da evolução do mercado imobiliário nos últimos dez anos e a base de impostos como o IMI tem crescido extraordinariamente e, portanto, é uma matéria particularmente difícil de tratar. Claro que é possível fazer alguns acertos, mas não julgo que haja muito espaço para mexer. Onde talvez devamos concentrar maior atenção é nos rendimentos imobiliários em sede de IRS. Esse é o outro lado da equação ao qual nós temos que estar atentos

Mas nessa área não há grandes novidades para 2024…
Este orçamento está realmente muito concentrado no IRS. Em orçamentos anteriores, as prioridades estavam fixadas com menos clareza e isso levava até a que houvesse maior contradição entre os pequenos ajustes que se faziam nos diferentes impostos. Aqui temos um orçamento que fala essencialmente para o IRS e que deixa tudo o mais um pouco dentro de parentesis.

Portanto, este é mesmo o Orçamento da grande descida do IRS?
Sim. Ainda há margem para descer mais. Enfim, há margem, ou pelo menos esperança, para os trabalhadores em Portugal que isso venha a suceder.

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