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Paulo Raimundo foi entrevistado no Observador uma semana antes do início da campanha eleitoral oficial
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Paulo Raimundo foi entrevistado no Observador uma semana antes do início da campanha eleitoral oficial

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

Paulo Raimundo foi entrevistado no Observador uma semana antes do início da campanha eleitoral oficial

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

Paulo Raimundo: "O acordo escrito não deu estabilidade nenhuma"

O líder do PCP admite um acordo com o PS, mas não vê vantagens em que fique por escrito. Não tem problemas de aparecer ao lado de Mortágua numa fotografia. Afasta-se do "governo capitalista russo".

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O PCP parte para estas eleições com um objetivo: crescer em votos e deputados para estar em condições de “apertar” com o PS, isto é, condicionar um eventual governo socialista como aconteceu na época da geringonça — uma fase cujos resultados, e apesar das reservas que existem dentro do partido, “só tem de” deixar o PCP satisfeito. Em entrevista ao Observador, o secretário-geral do PCP volta a desvalorizar a necessidade de assinar acordos escritos, uma exigência que partiu de Cavaco Silva em 2015, e que acredita que Marcelo Rebelo de Sousa não colocará desta vez. O comunista chega mesmo a defender que os acordos que deram origem à geringonça não trouxeram “estabilidade nenhuma”, e revela que para já não há conversas com o PS: nem sequer tem o número de telefone de Pedro Nuno Santos.

Por entre muitas críticas e desafios ao PS — o PCP quer saber o que o partido fará, se voltar a ser governo, com as várias concessões a privados que terminam nos próximos anos — Paulo Raimundo também admite culpas próprias: o PCP sabe que tem falhado no “recrutamento” e na “ligação” aos problemas reais das pessoas, falhas que tem tentado resolver.

Nesta entrevista, Raimundo defende as propostas para acabar com as comissões na banca e admite que tem, tal como o partido, conta em bancos privados, acusando a Caixa Geral de Depósitos se comportar como um (e até de oferecer piores condições do que estes). Exige que a recuperação do tempo de serviço dos professores seja feita em três anos. Duvida da veracidade das baixas médicas dos polícias, uma forma de luta que “não acompanha”. E deixa um recado sobre a maratona de debates que fez: são debates “a três”, que incluem a participação do moderador.

“O PCP não tem nada a ver com o governo capitalista russo”

O Paulo Raimundo já disse que o PCP está do lado oposto das opções do governo russo, mas quando Navalny foi preso em 2021, o Parlamento Europeu aprovou uma resolução a pedir a sua libertação e o PCP votou contra. Porquê?
A diferença dessa altura para a que temos hoje é que caiu a máscara da hipocrisia e do cinismo da União Europeia. Porque, se for ler bem o conteúdo dessa proposta em concreto,diria que manda para o terceiro plano a situação em concreto de Navalny. É para o terceiro plano. E portanto, a pretexto da detenção, houve uma tentativa de ingerência profunda que nenhum país aceitaria. E essa é que é a questão.

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Mas porque é que pedir a libertação é ingerência?
Não é isso que eu estou a dizer. Vale a pena ler o conteúdo. Faço o desafio a quem quiser que vá ler o conteúdo e perceba se alguém estava em condições de votar favoravelmente uma coisa daquelas.

Alguém estava, porque votaram.
Pois, pois. Então pronto, cada um tem que assumir as suas responsabilidades. Porque se há coisa que não fazemos, nesse caso nem em nenhum, é encontrar pretextos para cumprir objetivos que não aqueles que estão a enunciar. E foi isso que aconteceu. Ora, para nós há uma questão de fundo. Que é: todos os cidadãos têm direitos, devem ser consagrados. Inclusive os que estão detidos. E eu penso que não vale a pena desenvolver que se há alguém que sabe bem o que significa detenções arbitrárias e falta de cumprimento dos direitos, somos nós. Penso que não há nenhuma dúvida sobre isso. E portanto, estamos muito à vontade. Para resolver essa situação.

Portanto, no caso de Alexei Navalny, houve uma detenção arbitrária?
Não. Nesse caso em concreto, o que aconteceu, na referência que fez, foi um voto no Parlamento Europeu, que tinha esse pretexto, mas que no fundo, no fundo, não era nada disso que queria atingir. Queria atingir outros objetivos, e nós não acompanhamos esses outros objetivos.

[Ouça aqui na íntegra o Sob Escuta com o líder do PCP, Paulo Raimundo:]

“Nem sequer tenho o número de Pedro Nuno Santos”

Portanto, o PCP teria pedido a libertação de Alexei Navalny?
Nós estamos a falar, e bem, deste caso. Nós tivemos a oportunidade de nos pronunciarmos sobre este caso. Mas há outros. O Julian Assange esta semana, vai ver se vai ou não vai ver a extradição do próprio para os Estados Unidos.

E os eurodeputados do PCP, este mês, pediram a libertação dele. Mas não pediram a de Alexei Navalny.
Sim, como de outros eurodeputados.

Mas não pediram, não tiveram nenhuma ação para pedir a libertação de Alexei Navalny. Há alguma razão para isso?
Pois, não conheço que tivesse havido alguma ação nesse sentido.

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

Então, e como é que descreveria Alexei Navalny? Para si era um ativista contra um regime autoritário, ou era alguém com “conotações com a extrema-direita e posições xenófobas”, como foi descrito num artigo no Avante?
Penso que a nossa posição de fundo sobre a matéria não tem nada a ver com a pessoa individualmente considerada A, B ou C. A nossa posição de fundo é sempre a mesma: todos os cidadãos têm direitos que devem ser consagrados.

Sim, mas qual é a sua apreciação política sobre Alexei Navalny?
Eu não tenho nenhuma apreciação política sobre o Alexei.

Não tem?
Não tenho nenhuma apreciação política sobre isso.

Não tem opinião sobre um dos principais opositores de um dos países mais importantes do mundo? Não tem nenhuma opinião sobre ele?
Sabe qual é a única vantagem desta situação toda? Infelizmente? É que ela permite-nos de uma vez por todas acabar com um mito, acabar com uma falsidade e uma mentira que é: o PCP não tem nada a ver com o governo capitalista russo. Nada a ver. Aliás, as suas opções de fundo opõem-se frontalmente às opções de fundo do governo capitalista russo.

Mas se tem uma opinião sobre o Governo Russo, não tem uma opinião sobre Alexei Navalny? Como é que o vê? Como alguém conotações com a extrema direita e posições xenófobas?
Nós ainda havemos de chegar às eleições legislativas… Já disse, não tenho nenhuma opinião sobre a matéria. Assim, aliás, como tantos outros. Se me perguntar assim: qual é a sua opinião sobre o Julian Assange? Não tenho nenhuma opinião individual sobre. E portanto, mal comparado, olha, está aí a comparação.

Os comunistas que estiveram presos devem sentir alguma solidariedade com Navalny, no mínimo.
A nós ninguém nos dá lições sobre essa matéria. Infelizmente, a nós ninguém nos dá lições sobre essa matéria. Até penso que é um bocadinho abusivo essa comparação. Porque a nós sobre essa matéria ninguém nos dá lições.

Foi o Paulo Raimundo que falou sobre isso.
Sim, claro.

Esses prisioneiros políticos, olhando para alguém que morreu… Ou na prisão nestas circunstâncias só pode sentir alguma solidariedade.
Mas escute lá uma coisa, quando nós pedimos, quando nós exigimos todo o esclarecimento sobre as circunstâncias em que morreu e que nós queremos que, de facto, havendo responsabilidades que sejam assumidas e que sejam… Estamos a fazer o quê? Estamos a pedir esclarecimento sobre a matéria. É porque estamos solidários com essa situação. É uma evidência, porque se nós não tivéssemos solidários com essa situação não tínhamos dito nada sobre a matéria.

"Não tenho nenhuma apreciação política sobre o Alexei [Navalny]. (...) Se me perguntar assim: qual é a sua opinião sobre o Julian Assange? Não tenho nenhuma opinião individual"

“Não acredito que haja exigências de acordos escritos”

Vamos avançar aqui para a questão nacional. O PCP já admitiu a possibilidade de voltar a ter acordos escritos numa aliança pós-eleitoral à esquerda, mas aceita um só acordo que junte todos os partidos ou exige, como em 2015, que existam apenas acordos bilaterais com o PS?
Para nós não interessa a forma, interessa o conteúdo. E até dispensamos qualquer coisa que seja escrita. Para nós isso não é questão fundamental. Aliás, em 2015 nunca foi uma questão, só foi uma questão porque houve uma opção do então Presidente da República que obrigou que houvesse acordos escritos, porque para nós não era uma questão fundamental.

Mas se agora houver novamente essa exigência, tem alguma coisa de princípio contra um acordo, aquilo que Rui Tavares chama multilateral.
Não acredito que haja exigências desse tipo, nestas circunstâncias.

Mas tem essa convicção porque falou com o Marcelo Rebelo de Sousa?Não, porque temos uma experiência acumulada de oito anos diferentes, quatro, mais dois, mais dois. E, portanto, as circunstâncias permitem chegar à conclusão da mesma forma que nós dizemos, que estaremos sempre ao lado das soluções que respondam aos problemas das pessoas.
E, portanto, se a política em curso responder às soluções e aos problemas das pessoas, nós estaremos lá. Se não corresponder, não podemos alinhar.

A fotografia não é um problema? A última vez creio que o PCP teve algumas dificuldades em aparecer ao lado dos outros partidos e até exigido que os acordos fossem assinados em salas à parte. Não há um problema em aparecer ao lado de Mariana Mortágua?
A questão não é a forma, a questão é o conteúdo. E até penso que se tem perdido demasiado tempo a falar sobre as circunstâncias do que vai acontecer no dia 11 de março. Nós temos é que tratar do que é que vai acontecer até lá. A clarificação dos objetivos, dos programas e depois o resultado final. O que vamos eleger no dia 10 não é nenhum primeiro-ministro, nenhum ministro das Finanças, nenhum secretário de Estado da Saúde. Vamos eleger 230 deputados. E é dessa correlação de forças, tal e qual como aconteceu em 2015, em 2019, em 2022, é que daí é que sairão as condições para esta ou aquela solução governativa e política. Não há outra. Porque pode-se eleger os primeiros-ministros todos. Se depois não tiverem consequências do ponto de vista da maioria parlamentar, qual é a vantagem disso? Nenhuma.

Acha que uma associação tão formal ao PS, como a que existiu com os acordos escritos em 2015, traumatizou de alguma forma as bases, os militantes do partido? No Facebook, na altura, houve militantes do PCP que criticaram a geringonça de uma forma violenta. Essas críticas já desapareceram?
Do Facebook não, certamente.

Mas internamente havia expressões como traidores ao marxismo ou pequeno-burgueses. Ouviu isso lá dentro?
Há uma circunstância que é preciso sempre ter presente. Aquilo que fizemos em 2015 foi o que fazemos sempre, que é colocar as respostas e soluções aos trabalhadores e ao povo em primeiro plano. Nós criámos as condições. Vamos revisitar: na noite eleitoral de 2015 a PAF foi a força mais votada, como sabemos. No seguimento disso, António Costa, então secretário-geral do Partido Socialista, telefona e dá os parabéns a Passos Coelho. Na sede do Bloco de Esquerda festejava-se o bom resultado eleitoral do Bloco de Esquerda. Ajeitavam-se as bandeiras. E quando aquilo parecia que estava tudo encaminhado, parecia um bocado igual como sempre, o meu camarada Jerónimo de Sousa olhou para os resultados, para os deputados eleitos e disse: com esta configuração no Parlamento, o PS só não é Governo se não quiser. E virou o barco ao contrário. E o que é que nós fizemos com aquela afirmação? Retirámos o PSD e o CDS do Governo, que não é coisa pouca, naquelas circunstâncias tendo em conta aqueles governos sombrios da troika. Influenciámos o PS com a força que tivemos para recuperar o mais possível daquilo que tinha sido roubado, coisas que ficaram ainda por resolver, muitas, e fomos mais longe, nomeadamente em questões muito concretas que não estavam nos acordos escritos. As creches, os manuais escolares, o aumento extraordinário das reformas não estavam nos acordos escritos.

Mas o acordo escrito deu alguma estabilidade naqueles anos.
Não, não deu.

A não existência dele depois deu instabilidade.
Não, não deu. Sabe o que é que deu instabilidade? A opção de fundo do PS, que se desviou dos objetivos que estavam identificados. O acordo escrito não deu estabilidade nenhuma. Até porque, se quisermos ir para aí, para o concreto, é bom revisitarmos então os acordos escritos. O que é que o acordo escrito estabelecia? Para além de questões de objetivos concretos, pontuais, de recuperação, coisas genéricas, qual era a questão de fundo? Obrigava todos os partidos a examinar cada um dos orçamentos de Estado. Não era a aprovar nenhum orçamento de Estado. Era a examinar cada um dos orçamentos de Estado. Ora, a estabilidade não ocorreu nem do que estava escrito, nem do que foi assinado. A estabilidade ocorreu em função das políticas que eram feitas. Aliás, tive a oportunidade de dizer, penso que até aqui no Observador, na última vez que cá estive, se a maioria absoluta é para quatro anos, esta maioria absoluta do Partido Socialista, e eu afirmei que a maioria absoluta não depende da sua maioria, mas das opções políticas que o Governo tome. E, olhe, bem dito, bem certo. Eu não tinha nenhuma bola de cristal…

Não foi bem pelas opções políticas que o Governo caiu.
Não, mas foi também. A situação em que o Governo chegou, tendo em conta as questões judiciais que conhecemos, se ele tivesse um respaldo do ponto de vista social, as opções, se calhar, as alternativas, não tinham sido aquelas que o primeiro-ministro decidiu na altura, que foi demitir-se.

"O acordo escrito não deu estabilidade nenhuma (...). Pode-se eleger os primeiros-ministros todos. Se depois não tiverem consequências do ponto de vista da maioria parlamentar, qual é a vantagem disso? Nenhuma"

“Não existiu nenhum governo de esquerda, nem nenhuma política de esquerda”

Acredita que a geringonça foi culpada pelos maus resultados eleitorais do PCP que se seguiram, ou há outra explicação para eles?
Há várias explicações para isso. Quando realizámos a nossa Conferência Nacional, fizemo-lo por alguma razão. É porque identificámos que haviam aspectos até do nosso funcionamento, do nosso andamento, do nosso trabalho, que não estavam bem. Identificámos vinte questões para resolver. Ora, alguém que identifica vinte questões para resolver é porque acha que há pelo menos vinte que não estão bem.

Resolveram-se todas?
Não, não. Estamos a procurar resolver.

Quantas é que resolveram?
Estamos a procurar resolvê-las às vinte. Claro, há umas mais simples, outras mais exigentes, naturalmente.

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Já agora, consegue dar algum exemplo de alguma que já tenham corrigido?
Há talvez duas questões, até muito visíveis do ponto de vista, mais gráficas, diria assim, que eu estamos a dar passos. Nas questões do recrutamento e no envolvimento. Essa é uma delas. Mas a outra, talvez até mais importante que esta, é que precisávamos de ir mais para baixo, mais ligados aos concretos, mais ligados aos problemas das pessoas, ligando-nos, envolvendo-nos, mobilizando as pessoas, assumindo o papel do PCP de organizador da ação, do protesto, da reivindicação. Estamos a fazer isso, em várias áreas mais tradicionais da nossa ação, das empresas, dos locais de trabalho, mas também outras frentes de trabalho, para os quais estamos a dar passos importantes.

Deixa-me só perguntar, porque há bocadinho, eu sei que começou a fazer a história da noite de 2015, mas por não nos explicar, como é que o PCP neste momento vê a geringonça?
Essa é a solução a que se começou a chamar geringonça, que sabem que nós não acompanhamos…

A nova fase da vida nacional, que é o termo que o PCP costuma usar.
É porque há uma diferença, sabe? É porque a geringonça leva uma ideia de uma coisa que não existiu. Não existiu nenhum acordo parlamentar, não existiu nenhum governo de esquerda, nem existiu nenhuma política de esquerda.

Nenhuma?
É possível haver alguma política de esquerda sem o PCP? Ou algum governo de esquerda sem o PCP? Nós achamos que não. O que existiu foi um governo do Partido Socialista, forçado pela correlação de forças que existia na Assembleia da República, que foi obrigado, por essa correlação de forças, e pela força social que decorre das eleições, a fazer coisas que por opção própria não faria.

Mas os comunistas apreciaram ou não os resultados desse acordo?
Então quando nós dizemos que tivemos um papel determinante para afastar o PSD e o CDS do governo, nós tivemos um papel determinante para recuperar parte daquilo que tinha sido roubado…

Sim, mas como disse agora, afinal não foi uma política de esquerda.
Conseguimos avançar ainda mais… Então nós só temos de estar satisfeitos com essa solução. Porque houve ali um elemento que não é pequeno, também demos um contributo determinante para isso: foi um fator de esperança que se abriu para o povo. Já tínhamos a consciência plena de que o PS, as suas opções, mais cedo ou mais tarde aproveitariam qualquer oportunidade para saltar fora daqueles compromissos. E foi o que aconteceu. E não foi mais cedo porquê? Porque  atravessámos uma situação de epidemia com a qual ninguém estava a contar. Tivemos de enfrentar coisas que nunca tínhamos enfrentado. E isso alterou um bocadinho o calendário, podemos dizer assim. Porque era uma questão de tempo até o PS fazer aquilo que fez em 2021. Chantagem, pressão, com um orçamento de Estado que não podia ser acompanhado por nós, porque ele não respondia às questões essenciais, as questões da saúde, as questões da habitação. Já na altura colocámos as questões dos salários. E, portanto, nós não pudemos acompanhar. Foi a pressão, foi a chantagem, com o contributo do Presidente da República e fomos para as eleições antecipadas. E a propósito de tudo e um par de botas lá se arranjaram os argumentos todos para levar o PS à maioria absoluta. Onde ficou claro quais são as opções de fundo do Partido Socialista. Aliás, que retirou as bandeiras todas ao PSD, o que dificultou muito a oposição por parte do PSD.

Voltando a este ano, admite que, no limite, o PCP pudesse ter uma presença no próximo governo liderado pelo PS?
É como lhe digo, não há nenhum governo de esquerda, nenhuma política de esquerda a ser o PCP, e muito menos contra o PCP.

A questão é se admite estar ao lado do PS num governo.
A questão é outra. É: um governo, para quê?  Para fazer o quê? Para continuar estas opções dos últimos dois anos do Partido Socialista? Não, para isso não é obrigado. O PS há de arranjar parceiros para fazer isso, não há de ser o PCP de certeza. Certo.

Mas durante a nova fase da vida nacional o PCP não estava no governo. Portanto, por isso é que lhe estou a perguntar se seria preferível estar num governo, se influenciaria mais.
Nós não afastamos nenhuma possibilidade. Mas em função da política.O Paulo Raimundo não quer lugar nenhum no governo. Nenhuma pasta ministerial. O Paulo Raimundo, deixando lá passar este ponto de vista pessoal. Quer estar no poder, quer estar no governo, para fazer uma política ao serviço do povo e do país. Mais nada. Se for para continuar estas opções políticas… Aliás, se me permitem, nós temos de atravessar este período de debates eleitorais. E o que é extraordinário é que aquilo que é reafirmado pelo secretário-geral do PS é: caminho é para continuar. É o agora é que é. Agora é que vai ser. Ora, pronto, connosco para isso não. Agora, para termos mais força, mais deputados, para poder influenciar e determinar, e apertar, diria assim, apertar e condicionar..

Quer apertar com o PS?
Claro, quero apertar com as soluções para a vida das pessoas.

Geringonça? "Só temos de estar satisfeitos com essa solução. Porque houve ali um elemento que não é pequeno, e também demos um contributo determinante para isso. Foi um fator de esperança que se abriu para o povo. Já tínhamos a consciência plena de que o PS, as suas opções, mais cedo ou mais tarde aproveitariam qualquer oportunidade para saltar fora daqueles compromissos. E foi o que aconteceu. E não foi mais cedo porquê? Porque  atravessámos uma situação de epidemia com a qual ninguém estava a contar"

“Nem sequer tenho o número de telefone de Pedro Nuno Santos”

Já falou alguma vez com Pedro Nuno de Santos em serem eventos públicos? Já teve algum telefonema de cortesia como o que ele teve com Mariana Mortágua?
Não, olhe, não. Por acaso não. A última vez que falámos foi no sábado passado, no debate. Nem sequer temos os números de telefone do outro, portanto, mesmo que quisesse, não tinha tido essa oportunidade.

Então agora que já debateu com Pedro Nuno de Santos, acredita que o líder do PS é um político de esquerda?
A gente sabe que isto não vai lá com proclamações nem com intenções.

Por isso mesmo é que eu estou a perguntar o que é que acha que ele é, de facto.
Vai lá com ações. E todos na vida somos confrontados com fazer opções. E quem tem responsabilidades governativas tem de fazer opções. Podemos dizer que as opções de Pedro Nuno de Santos enquanto responsável, enquanto ministro, deixam um bocado a desejar. Há as questões fundamentais que é preciso dar resposta.

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

Ele estava refém de António Costa ou que eram as convicções dele?
Não. Para mim há uma coisa que é muito clara: não estou a fazer nenhum juízo de valor das pessoas individualmente consideradas mas não há nenhuma dúvida: o PS é o PS. E o PS só há um. E as opções do PS são só uma.

Mas foi uma política de direita que Pedro Nuno Santos seguiu nas Infraestruturas?
Pedro Nuno Santos teve na mão os dossiês todos das Infraestruturas, podia ter resolvido a recuperação do serviço postal para o Estado e manteve no setor privado. Quer um exemplo mais concreto do que este? É difícil.

Mas agora tem esperança que ele tenha outra vontade?
Não tenho esperança nenhuma. Só tenho esperança que o PCP cresça.

Ver Fernando Medina apresentar o cenário macroeconómico do PS é um mau sinal, já que ele é a cara das contas certas e da redução acelerada da dívida?
É revelador das opções do PS de continuar este caminho. Porque nós ninguém é que contra as contas certas. Já ouvi também umas coisas… Acho que é revelador das opções de fundo do Partido Socialista. Ao menos tem essa clareza. Antes disso, do que andar a iludir com outras pessoas a apresentarem as mesmas opções, pelo menos assim fica claro.

Sobre Fernando Medina estar a coordenar o cenário macroeconómico do PS: "Acho que é revelador das opções de fundo do Partido Socialista. Ao menos tem essa clareza. Antes disso do que andar a iludir com outras pessoas a apresentarem as mesmas opções, pelo menos assim fica claro"

“Pedro Nuno Santos não atuou como devia em relação à ANA”

Tem dito repetidamente que o centro da corrupção em Portugal está nas privatizações, mas os dados do Conselho de Prevenção da Corrupção indicam que metade dos casos de corrupção estão relacionados com autarquias e com empresas municipais, e depois ainda teríamos de ir para o Estado Central. Que dados é que tem para dizer que é nas privatizações que está o centro da corrupção?
Há a corrupção formal, aquela que é possível de ser julgada do ponto de vista judicial, e na nossa opinião há uma corrupção moral, ética. E o centro da corrupção, não há nenhuma dúvida sobre isso, está entre a promiscuidade entre o poder económico e o poder político, e o facto de este estar subjugado ao poder político. Até é uma coisa anticonstitucional. A Constituição diz, e bem, que o poder económico tem de estar subjugado ao poder político, e não ao contrário, como acontece. Falou nas questões das autarquias. Isso tem a ver com o quê? Com negociatas a partir dos interesses dos grupos económicos.

Mas nós quando falamos em corrupção, é corrupção do Código Penal, não é?
Sim, sim, é aquela que é possível julgar.

E tem algum indício de corrupção em privatizações?
Estamos a falar de negócios de uma dimensão que geralmente sobra sempre para cada um de nós pagar. Esta é que é a questão. Como é que vai ficar a questão da ANA depois do relatório do Tribunal de Contas?

Mas o relatório do Tribunal de Contas…
Sim, não fala  em nenhuma corrupção. Só diz que o Estado foi lesado em 20 milhões de euros. O centro da negociata, o centro do compadrio, está nestas operações. Foi assim também na PT.

Mas houve corrupção?
Se me está a perguntar se nós temos algum elemento que diga assim, do ponto de vista criminal, há aqui casos, não, não temos. Mas é por isso que vamos propor na Assembleia da República, assim que iniciar os trabalhos, uma comissão de inquérito ao processo de privatização da ANA.

O relatório do Tribunal de Contas, que de facto não fala nunca em corrupção, critica a privatização, mas também os governos que seguiram, os governos do PS, e muito em especial o Ministério de Pedro Nuno Santos. O atual líder do PS não defendeu o interesse público na ANA? Compactuou com essa corrupção moral de que falava?
O conhecimento do relatório do Tribunal de Contas tem a vantagem de ser um relatório do Tribunal de Contas. Tem esse peso, para o bem e para o mal. Mas há um conjunto de elementos que não são novos. Não precisávamos estar à espera para saber que o Estado tinha sido lesado. Isso era uma evidência. Ora, se nós conhecíamos, não quero acreditar que o ministro da pasta não conhecesse.

Então compactuou com isso?
Não sei se compactuou. No mínimo, em função daquilo que conhecia, não atuou como devia ter atuado. O problema não é apenas a privatização da ANA ou a concessão da ANA. O problema é que temos hoje uma empresa que toma conta da ANA, dos aeroportos. Era só umas empresas mais rentáveis para o Estado.

Também foi a privatização mais rentável para o Estado.
Sim, sim. Foi a privatização mais rentável para o Estado. Ficou a 20 milhões daquilo que estava negociado. Está a ver como é que as coisas funcionam?

Sim, estávamos a falar de um negócio com mais de mil milhões, não é?
E ficou a 20 milhões daquilo que estava negociado. Mas passou para as mãos de uma empresa que é a Vinci. Para nós, não sei como é que é com os outros partidos, mas não admitimos que seja a Vinci a decidir primeiro se há ou não um aeroporto e onde é que é o aeroporto. Não são os interesses da Vinci que vão definir os interesses do país.

"Há a corrupção formal, aquela que é possível de ser julgada do ponto de vista judicial, e na nossa opinião há uma corrupção moral, ética. E o centro da corrupção, não há nenhuma dúvida sobre isso, está entre a promiscuidade entre o poder económico e o poder político, e o facto de este estar subjugado ao poder político. Até é uma coisa anticonstitucional"

“Programa do PS valerá em função da correlação de forças”

Pedro Nuno Santos já disse mais do que uma vez que não vai reverter nenhuma privatização.
Faz mal.

Em caso de uma nova geringonça, essa posição é aceitável para o PCP?
O que vai determinar os acontecimentos a partir de 11 de março é a força, o número de votos e o número de deputados do PCP e da CDU. Não são as opções do PS, nem são os votos do PS. Porquê? Porque aí está claro o que é que se quer. O que pode mudar o balanço e o rumo é os votos e deputados do PCP. Não vale a pena andarmos a comentar muita coisa sobre o programa eleitoral do PS ou o que for, porque isso valerá em função da correlação de forças.

O PCP, tenha dois deputados ou cinco, não vai deixar de defender sempre as mesmas coisas.
É um facto.

Nesse acordo possível, é ou não um ponto fundamental fazer a exigência de avançar para nacionalizações de algumas empresas, e já agora quais?
O Estado precisa ter instrumentos na mão para poder determinar o caminho, até o caminho de desenvolvimento da economia. São setores e empresas estratégicas. E o que colocamos é o controle público. Ora, o controle público é feito de várias maneiras. Ou por nacionalizações, por um lado, ou por outras soluções que não implicam a empresa estar na mão apenas do Estado. Mas há coisas concretas para as quais vale a pena olhar. Dois exemplos: vamos ter, nos próximos anos, um calendário onde vão terminar as concessões das parcerias público-privadas nas rodoviárias. O que é que se vai fazer perante isso? Vai-se renovar essas PPPs rodoviárias? Ou vai-se acabar com elas e colocar nas mãos do Estado esses mil milhões de euros que todos os anos saem em rendas? Qual é a opção do PS? É reverter ou vai ser voltar a renovar a concessão? Aproxima-se o fim da concessão da Fertagus aqui na travessia de comboio, aqui na Ponte 25 de Abril, na ligação Setúbal-Lisboa. Qual é a opção do PS? É aqui que se definem os caminhos.

"Vamos ter, nos próximos anos, um calendário onde vão terminar as concessões das parcerias público-privadas nas rodoviárias. O que é que se vai fazer perante isso? Vai-se renovar essas PPPs rodoviárias? Ou vai-se acabar com elas e colocar nas mãos do Estado esses mil milhões de euros que todos os anos saem em rendas? Qual é a opção do PS?"

“Privatização da TAP é parcial agora, amanhã vai o resto”

Pedro Nuno Santos defende uma privatização parcial da TAP, o PCP ficaria confortável com isso?
Não. Queremos que a empresa seja uma empresa 100% pública, e portanto não ficamos confortáveis com isso.

Pedro Nuno Santos já tem uma opção algo diferente da que tem o atual governo. Não é um passo no bom sentido?
Não sei onde, não estou a ver onde é que é, porque no fundo, no fundo…

O atual admitia abdicar da maioria do capital.
O atual governo admitia abdicar da maioria do capital ou admitia uma privatização parcial.

É a mesma coisa?
Também não quero dizer que é a mesma coisa. Mas no fundo, no fundo, a palavra-chave deste processo é privatização da TAP. Agora é parcial e amanhã o resto.

CGD “está na mesma lógica de mercado que a banca privada”. PCP e Raimundo têm contas em bancos privados porque “encontraram melhores condições”

No programa do PCP, num capítulo dedicado à banca, diz que quer assegurar o controlo público de todas as instituições intervencionadas pelo Estado. Onde é que querem chegar com isto? Qual é que é o objetivo?
O objetivo é: onde nós pusemos o dinheiro, ter um papel determinante na gestão.

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

Ou seja, o controlo público de quase toda a banca.
Não é quase toda a banca. Nós gastámos nestes últimos 18 anos quase bazuca e meia a tapar os buracos da banca. Limpámos. Vamos aqui ao caso da Efafec, que é extraordinário. Mas pusemos lá mais de 20 mil milhões nos buracos que a banca abriu. Limpámos tudo. E depois? O que é que aconteceu no seguimento disso? Nada. Os buracos ficaram limpos, a banca foi salva e o Estado ficou exatamente na mesma como estava, do ponto de vista dos instrumentos na sua mão. Ora, no mínimo, ter um papel que possa determinar caminhos. Temos uma situação onde a banca encaixa 6,5 milhões de euros de lucros por dia, em comissões, em taxas, que todos nós conhecemos. É comissão porque abre a conta, é comissão porque fecha a conta, é comissão por causa do cartão. E uma parte destas comissões foram criadas a pretexto de uma ideia: as taxas de juros estão negativas, ou estão zero, ou estão negativas, é preciso encontrar rentabilidade, uma outra forma de negócio para a banca, então vamos criar estas comissões.

Acha que na situação atual, com as taxas de juros atuais não, se justifica.
Claro. O pretexto que houve para elas serem criadas hoje não existe. 6,5 milhões de euros de lucros por dia é muito dinheiro. É claro que nem tudo é destas comissões novas que foram criadas.

E há uma boa parte que vai para a Caixa Geral de Depósitos também.
Claro, é para a banca toda. Se essas comissões acabassem neste preciso momento, o que é que isto significava? Significava libertar dinheiro que pudesse compensar o aumento das taxas de juros de forma direta. Libertava muito dinheiro, para as micro, pequenas e médias empresas, que têm custos bancários insuportáveis.

No programa o PCP escreve que a banca privada desempenha o papel central no desvio dos recursos nacionais para o estrangeiro, condiciona o crédito das famílias e empresas enquanto ataca os direitos dos trabalhadores no setor. Apesar disso, o PCP já teve contas no BES Novo Banco, no BPI, no Santander TOTA, no Banco Popular. A pergunta é se há uma contradição entre o que o partido defende e aquilo que pratica.
Não, não há contradição nenhuma. Se me dissesse assim: olhe, nós fazemos essa crítica toda, e depois há um banco público em que a prática é outra, não tínhamos alternativa que não fosse essa. A questão é que temos um banco público cujo fundamental objeto de preocupação é entrar na disputa do mercado.

Então, encontrou condições que obedecem menos ao mercado nos bancos privados do que na Caixa?
É isso que estou a dizer. Na prática, temos um banco público que está na mesma lógica de mercado com a banca privada. E, portanto, perante essas possibilidades, olhe, temos contas no BPI, como temos no Novo Banco, como temos na Caixa Geral de Depósitos…

E o Paulo Raimundo também já teve alguma conta num banco privado?
Sim, já tive uma conta num banco privado.

Porque também encontrou melhores condições do que na Caixa?
Porque encontrei melhores condições do que na Caixa, sim. Aliás, tenho duas contas. Uma no Novo Banco e outra na Caixa.

A Caixa e os bancos privados neste momento funcionam da mesma maneira, na sua opinião, então?
Para quem considera que o mercado é tudo, deve achar que está bem. Para quem acha que a banca, em particular a banca pública, tem um papel de instrumento para alavancar a economia e o desenvolvimento, que é o meu caso, a Caixa Geral pode estar muito aquém daquilo que precisava de fazer. Mesmo com os seus milhares de milhões de euros de lucros.

Sobre PCP ter contas em bancos privados: "Não, não há contradição nenhuma. Se me dissesse assim: olhe, nós fazemos essa crítica toda, e depois há um banco público em que a prática é outra, não tínhamos alternativa que não fosse essa. A questão é que temos um banco público cujo fundamental objeto de preocupação é entrar na disputa do mercado"

“Propostas do PS para os médicos são todas fuga para a frente”

Tem defendido a importância de manter os profissionais no SNS. Parece-lhe que as propostas do PS para que haja um tempo mínimo obrigatório de dedicação dos médicos ao SNS e para que tenham de compensar o Estado se quiserem sair do setor público ou do país é uma boa solução?
Não é boa nem é má. É uma fuga para a frente. As várias propostas que o PS tem são todas fugas para a frente. O que é preciso garantir é como é que os que estão no SNS, os médicos, enfermeiros e técnicos, se mantêm. Isto obriga a criar condições de trabalho, valorizar as carreiras e as profissões e, naturalmente, ter uma consequência do ponto de vista salarial. E a segunda medida é como é que criamos as condições para atrair outros profissionais. A seguir à habitação, que é o setor mais desregulado da nossa economia, a saúde é o mais disputado do ponto de vista dos profissionais. E, portanto, o Estado tem duas hipóteses. Ou olha para esta disputa e perde, e diz, “pronto, vão à vossa vida”, que é essa a opção fundamental que o PS tem feito, ou entra na disputa com o setor privado. Tem de criar as condições materiais para que os profissionais fiquem no SNS. Há uma coisa de que eu tenho a certeza absoluta: havendo condições de trabalho, reconhecimento das carreiras, valorização e também aspectos materiais do ponto de vista salarial, os médicos e enfermeiros, tendo que optar, optam pelo SNS. Não vou dizer que são todos, mas a grande maioria optaria pelo SNS.

Vários profissionais de saúde dizem que vão para o privado não é pelo dinheiro, não é? Claro, é pelas condições de trabalho.
Não é pelos salários, é porque há uma melhor organização.  E pelas condições de trabalho.  E tem chamado a atenção para o facto de metade do orçamento do SNS já ir para privados. Parte substancial desse dinheiro é para comprar medicamentos, ou meios complementares de diagnóstico.  Medicamentos, estetoscópios, tarefeiros… Imagino que seja até máquinas mais sofisticadas que o Estado não faz nem as produz. Nem as compra. Não as faz, nem as produz, nem as compra.

Como é que pretende diminuir este valor? O programa defende que o Laboratório Nacional do Medicamento deve aumentar a produção de genéricos, mas há um limite.
Claro, não resolve. Nós podemos acusar o PCP e a CDU de muita coisa. E podemos estar até em lados opostos daquilo que avaliamos. Está tudo bem. Faz parte do debate político. Mas há uma coisa de que eu acho que não podem acusar o PCP: de irresponsabilidade nem de demagogia. Nós não dizemos que se formos governo na segunda-feira na terça-feira temos isto tudo resolvido. O problema: é qual é o caminho? Ora, se o Estado transfere oito mil milhões de euros para o setor privado, dos quais se incluem dois mil milhões de euros para os medicamento, é porque não está não consegue dar resposta a estas necessidades. E o caminho é qual? É aumentar esta dependência ou é diminuir esta dependência? No nosso entender devemos diminuir esta dependência. Não conseguimos produzir os medicamentos que precisamos, é verdade.

Não é só produzir, é criar. Nem todos os medicamentos estão disponíveis como genéricos.
Nós não conseguimos produzir todos os medicamentos que precisamos. É uma evidência. Quem disser isso está a mentir. Mas conseguimos diminuir esta dependência. Bastava produzir um medicamento.

O ponto não é conseguir, é poder. Porque há medicamentos cuja patente ainda não acabou e portanto não podem ser feitos genéricos. A não ser que se quebre patentes.
Não estamos em condições de suprimir toda a nossa dependência. Mas podemos diminuir esta dependência. Mal comparado, deixe-me dizer assim. Nós produzimos 3% do trigo que consumimos. O país não está em condições de produzir mais qualquer coisa. Cada 1% a mais que nós produzimos é menos 1% que ficamos dependentes.

“Quinze mil milhões de lucros devem ser transferidos para o trabalho”

Diz que quer aumentar em 15% todos os salários e quando lhe perguntam por contas diz que o dinheiro existe mas anda mal distribuído e lembra sempre os lucros da banca da EDP, da Galp, por exemplo. Qual é a proposta em concreto do PCP? É obrigar estas empresas com lucros a aplicá-los em aumentos salariais?
Não, claro que não. Precisamos de que o Estado tenha uma política que olhe para os 99% do nosso tecido empresarial e deixe de dar a mão continuamente ao 1%. Significa que olhemos para as micro, pequenas e médias empresas e que deixemos de dar constantemente benefícios aos 1%, aos tais da Galp, da EDP. Os números que se avançam é para ilustrar, para se perceber que há condições para isso. Se tivermos uma política que apoie nomeadamente naquilo que diz respeito às telecomunicações, à energia, ao gás, acabar com as portagens, baixar as comissões bancárias, os fatores associados às seguradoras, baixarmos o IRC para as micro, pequenas e médias empresas, estamos a criar condições para libertar verbas de esforço dessas empresas.

Essas pequenas e médias empresas conseguiriam aumentar 15%?
Essas micro, pequenas e médias empresas vivem do quê? Vivem do mercado interno. Ora, se não tivermos nenhum dinheiro no bolso, não temos nenhuma hipótese de sustentar aquelas empresas. Eu não minimizo o esforço que era necessário colocar. Não minimizo isso. Por isso é que apresentamos um conjunto de propostas que possam estreitar os custos que as empresas têm noutros fatores. É claro, quando nós dizemos: fixe-se o preço da energia, isto tem consequências nos lucros da EDP. Está bem, e qual é o problema?

Seria suficiente para essas empresas conseguirem aumentar os funcionários todos em 15%?
No ano 2022, os lucros de todas as empresas do nosso país foram 45 mil milhões de euros. Aquilo que estamos a propor é que contas arredondadas, estamos a falar de números muito grandes, é que esta nossa proposta tem um custo à volta de 15 mil milhões de euros. Propomos que desses 45 mil milhões de euros de lucros do conjunto das empresas em Portugal, 15 mil milhões de euros sejam transferidos para o trabalho. Isto significava o quê? Significava que o conjunto das empresas ia ter, no ano 2022, se pudéssemos aplicar esta fórmula de forma simples…

Que não pode…
Porquê?

Porque, como acabou de dizer, uma parte substancial desses lucros é num número reduzido de empresas.
Não há nenhuma contradição. Estou a falar do conjunto das empresas no nosso país. Se transferir 15 mil milhões para os salários, ainda sobram 30 mil euros de lucros.

Mas desses 45 mil milhões, só a Galp tem mil milhões. Assim só favorecia os funcionários da Galp. Não há uma transferência direta.
Chegou onde eu queria chegar. Então, qual é a dificuldade da Galp para aumentar salários? Nenhuma.

Mas isso limitaria muito os trabalhadores que vão ser aumentados.
No nosso tecido empresarial, 99% são micro, pequenas e médias empresas. E é por isso que o Estado tem que ter uma política dirigida para aliviar os custos, os outros custos de produção. Ou seja, em média, os custos das empresas com salários são 14%. Isto significa que há 86% de outros custos sobre os quais o Estado não tem, sobre todos, capacidade de intervir. Mas há outros onde pode intervir. Fixe os preços da energia. Fixe os preços dos combustíveis. Acabe-se com as portagens. Ataque-se as comissões bancárias. Aperte-se os custos com as seguradoras. E se o fizermos vai-se libertar valor para fazer o investimento de que as micro, pequenas e médias empresas precisam, que é aumentar os salários. Porque as pessoas sem o dinheiro no bolso não estão em condições de alimentar as micro, pequenas e médias empresas. E o caminho é o encerramento, não é outro.

A promessa do PS de recuperar o tempo de serviço em quatro anos é suficiente? Qual é que é o calendário que o PCP defende?
Acompanhamos a reivindicação da FENPROF e, portanto, achamos que em três anos é possível recuperar o tempo de serviço perdido. Roubado…

"É claro, quando nós dizemos "fixe-se o preço da energia", isto tem consequências nos lucros da EDP. Está bem, e qual é o problema?"

Baixas dos polícias não são forma de luta “legítima”

Tem defendido a atribuição de um subsídio de risco à PSP, um tema que tem provocado grande contestação recentemente. Acredita mesmo que quarenta polícias ficaram subitamente doentes no dia do jogo de futebol para o qual estavam destacados?
Já vimos tudo, já vimos tudo…

Mas tendo em conta o contexto em que estamos…
Fora de brincadeiras, acho que isso é tão visível para todos que nem sequer tem discussão.

Visível o quê? Que foi uma forma de protesto e não  uma doença súbita?
Foi uma daquelas coincidências que raramente acontecem.

É uma forma de luta legítima?
Não, acho que não. Não acompanho isso. Não acompanho essas soluções. Pode ter acontecido, mas é difícil ter acontecido.

Sobre baixas dos polícias: "Não acompanho essas soluções. Pode ter acontecido, mas é difícil ter acontecido"

“O euro não serviu nem serve à nossa economia”

No programa eleitoral, o PCP defende que a moeda única não é um escudo para as crises. Acha que Portugal está mais bem preparado para enfrentar dificuldades com ou sem moeda única?
Não lhe consigo responder isso. Agora, há uma coisa que eu lhe consigo responder. É que temos vinte anos de euro, vinte anos de estagnação económica. Esta é uma evidência.

Podemos depreender daí que estaria melhor preparado fora do euro.
Não, o que podemos depreender é que nestes vinte anos demonstrou-se que o país não estava em condições de aderir ao euro, como afirmámos na altura. No fim disto tudo nós temos a vida boa para o BCE e para a banca e a vida apertada para as pessoas em toda a zona euro e no nosso país também.

No programa eleitoral também defendem a criação de um mecanismo negociado de saída do euro. Portugal devia depois usar esse mecanismo e sair da moeda única?
Há uma coisa que não fazemos. Perante a realidade, perante a constatação de que o euro, na nossa opinião, não serviu nem serve à nossa economia, não enterramos a cabeça na areia. Aquilo que propomos é que se abra a discussão sobre esta matéria com toda a gente que estiver interessada em discutir esta questão. Há muita gente, até alguma gente afastada de nós, do ponto de vista político e ideológico, que hoje questiona a situação a que chegámos, da nossa dependência e de uma economia que não está em condições de aguentar esta solução.

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

Devíamos regressar ao escudo, então.
Não sei, logo veríamos. Quem acha que temos os planos todos debaixo da mesa está enganado. Estamos a construir soluções. E não fugimos a este debate. Até podemos concluir o contrário, mas não fugimos a este debate.

Seria difícil, tendo em conta o que nos disse aqui, concluir o contrário, ou não? Concluir que estamos bem no euro e na moeda única. O que admitiriam era reconhecer ou defender que a moeda única é prejudicial para a nossa economia, mas que a alternativa não é viável?
Ou fazemos caricaturas ou enfrentamos os problemas que temos de enfrentar. Nós temos um problema de facto. Não temos economia para aguentar isto.

Mas querem sair do euro ou ficar?
Queremos enfrentar essa discussão perante a realidade, perante a pressão, perante as amarras, perante uma subordinação da economia portuguesa, com alguns critérios até completamente esdrúxulos. E o nosso papel é dar início a esse processo de discussão.

Acabou agora de participar em sete debates. Foi uma longa maratona e também uma estreia. Ficou com a ideia de que, como escreveu um membro do Comitê Central do PCP no Avante, na última edição, de que há pivôs dos debates que “são meros provocadores contra os comunistas”?
Temos debates que são debates a três. Acho que não há dúvida. Está bem, o modelo é aquele. Naturalmente há intervenientes mais interventivos e outros menos interventivos. Eu próprio tive debates onde foi mais interventivo e outro onde foi menos interventivo. Desde que nós não nos iludamos sobre o modelo, que é aquele e há debates a três, tudo bem. É esse o esquema.

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