Em plena crise inflacionista, a fé do PS está toda no crescimento da economia e no que surgirá mais à frente, conforme os fundos do Plano de Recuperação e Resiliência forem sendo executados e desbloqueados. Depois de um primeiro ano de turbulência política no máximo e da tentativa de controlar danos que a direção pôs em marcha, o discurso do partido da maioria concentra-se nos resultados da economia, na convicção de que isso ajuda sempre quem está no poder. E que o PSD de Luís Montenegro não tem o caminho tão aberto assim.

Já passaram seis anos daquela tarde no Porto em que o Presidente Marcelo cravou no livro da história política nacional o termo “otimista irritante”, atribuindo-o ao primeiro-ministro em funções. O estilo de António Costa não se alterou desde então e o PS tenta replicá-lo, voltando a pôr os pés no terreno político com os olhos postos no que a economia trará e no que isso significará para o que mais conta: o bolso dos portugueses.

A convicção é que há um eixo que dará frutos: a execução do PRR, os sinais ténues de descida da inflação e o Acordo de médio prazo para a melhoria dos rendimentos, dos salários e da competitividade, firmado com os parceiros sociais mesmo à porta do último Orçamento do Estado.

Aí ficou inscrita uma espécie de sagrada união “Inflação + Produtividade + Adicional Salarial”, que vai marcar o passo da política de valorização dos rendimentos até 2026, e no PS e no Governo é nesta base que se fazem as contas para o futuro. A expectativa é que a inflação possa manter a tendência de descida (desceu em janeiro, para 8,3%, e pelo terceiro mês consecutivo) e embora os preços não voltem atrás, no Executivo acredita-se na melhoria do ambiente económico e na evolução gradual dos salários nos próximos anos. Foi isso que ficou firmado num documento — assinado também pelas confederações patronais, sublinha-se no Executivo.

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O acordo faz a ligação direta entre os ganhos de produtividade das empresas e a evolução dos rendimentos e é precisamente nisso que se sustenta a tese socialista da melhoria das condições salariais. “Para se alcançar o objetivo proposto, estima-se ser necessário um Adicional Salarial de 1,3 pontos percentuais – traduzindo-se numa valorização nominal das remunerações por trabalhador de 4,8%, em média, nos anos 2023 a 2026”, refere o documento.

Isto além do que dita sobre medidas ao nível fiscal, outra forma com que o PS conta para criar impacto no rendimento das famílias. “Paralelamente”, diz o Acordo, é “necessário concretizar medidas que atribuam, de forma transversal, mais liquidez aos trabalhadores e às famílias portuguesas, designadamente por via fiscal”.

Pelo meio, o Plano de Recuperação e Resiliência, que Costa tem colocado como um motor que pode trazer uma economia “estruturalmente transformada” — e que tem precisamente prazo último para execução o ano eleitoral de 2026. Ainda no início desta semana, apontando sobretudo a necessidade de dinamizar a economia. Pelo meio vai sempre acenando com os indicadores económicos de 2022, como por exemplo “um crescimento da economia de 6,7%, e níveis máximos de exportações” que, diz, “dão confiança para encarar o futuro.” Na entrevista à RTP antecipou mesmo que os dados de 2022 deverão ficar “acima das previsões iniciais.”

Um dirigente socialista confia que “o Governo está mais concentrado” e aponta que, numa fase em que “os casinhos estão a passar de moda”, “os resultados são simpáticos e a economia porta-se bem“. “Na altura do voto o que conta é o ciclo económico“, acredita um deputado da maioria. Além disso, “quem está no poder beneficia do bom desempenho da economia”, quando os eleitores são chamado a alguma decisão, aponta ainda outra fonte do partido ouvida pelo Observador.

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E quando o assunto é o calendário eleitoral — com as Europeias a meio caminho, em 2024 — o tema económico ganha especial relevo. Além disso, no topo socialista afasta-se a ideia de uma leitura nacional do resultado que vier das eleições ao Parlamento Europeu, tal como o Observador já escreveu. Por agora, vai existindo a convicção de que Marcelo Rebelo de Sousa não tem interesse em avançar para eleições antecipadas, mesmo que o Presidente tenha alertado para o risco de uma “maioria morta” na sua fase final, ferida por um mau resultado precisamente numas eleições Europeias — tal como aconteceu em 1994, no fim do cavaquismo. E por dois motivos: a falta de convicção na alternativa social-democrata e, mais uma vez, a economia.

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O adversário no PSD é Luís Montenegro, mas em conversas com vários socialistas não há quem não provoque: “Será que chega às Europeias?”, ou então “sobreviverá às eleições?”, ou ainda “veremos quem é o líder do PSD quando for decidida a localização do novo aeroporto…” (que se prevê que aconteça no fim deste ano). É uma perspetiva que se vai alimentando no PS na tentativa de fragilizar as ambições sociais-democratas, fazendo-se até contas a quem pode estar interessado em roubar a liderança a Montenegro quando chegar a altura certa para o assalto ao poder. E aqui a congeminação socialista divide-se: Pedro Passos Coelho? Carlos Moedas?

A intenção é clara: atirar confusão para o lado de lá, contrapondo uma narrativa de estabilidade — sobretudo quando ela tem faltado. António Costa tem, aliás, usado todas as plataformas para disparar com a ideia de que está para ficar — até 2026 e se calhar até para lá disso. De uma assentada afasta a ideia de uma saída à Barroso, rumo a Bruxelas, e sossega calendários de sucessão. Em Viseu, no comício de um ano da maioria, vincou que o que está a correr é “uma maratona” e que conta “chegar à meta” em 2026. E já tinha dito, numa entrevista a Francisco Pinto Balsemão, que nessa altura verá o que fará a seguir.

Até lá correrão quase quatro anos (as eleições legislativas de 2026 só se realizam em outubro desse ano) e a verdade é que não havia socialista que, há um ano e com a maioria recém-conquistada, previsse a erosão que aconteceu no Executivo durante este ano. Muito menos uma baixa política como a de Pedro Nuno Santos, por exemplo. Assim, há questões antecipadas no caminho como mais problemáticas. À cabeça uma crise social que não esteja prevista — e que iria contra todo o desenho de recuperação económica da pandemia com que o Governo está a contar. Sendo que, por agora, a contestação dos professores — já na rua — não preocupa.

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O outro receio é de que algum caso de justiça possa voltar a abalar estruturas — com o partido a ter ainda muito à flor da pele o trauma dos últimos meses. Não é por acaso que o primeiro-ministro tem feito a defesa acérrima do seu ministro das Finanças Fernando Medina no caso de Alexandra Reis, ilibando-o sempre que é questionado sobre o conhecimento que teria da elevada indemnização recebida pela sua secretária-de-Estado-relâmpago (saiu 25 dias depois de tomar posse).

E ainda na semana passada, na entrevista à RTP, disse que “Fernando Medina não foi ouvido, nem constituído arguido quanto mais acusado”. “A questão fundamental é saber se as pessoas mantêm capacidade para exercício da função ou não. As pessoas têm a noção que ser arguido é ser pré-condenado, mas não é, é o que pode acontecer a qualquer um de nós. Eu já fui arguido duas vezes e nada limitou a minha atividade”, explicou o primeiro-ministro na altura, sublinhando que “não é preciso haver suspeição para ser arguido”. Mas pode ser suficiente para mais uma vaga de caos político no Governo.