Este texto foi inicialmente publicado a 15 de dezembro de 2023 e agora republicado a 16 de fevereiro de 2024 devido à morte de Alexei Navalyn.
A candidatura de Vladimir Putin às próximas presidenciais, marcadas para meados de março de 2024, era quase certa. Mas faltava o anúncio oficial, que chegou no passado dia 8 de dezembro. Foi numa cerimónia de entrega de prémios a veteranos de guerra que o atual Chefe de Estado, no poder desde 2001, desvendava oficialmente um dos segredos mais mal guardados nos corredores no Kremlin. “Tinha de ser tomada uma decisão. Vou concorrer ao cargo de Presidente da Federação Russa”, afirmou o antigo diretor dos serviços de informações russos, que, vencendo as próximas eleições, poderá comandar os destinos da Rússia até 2030.
No mesmo dia do anúncio da candidatura presidencial de Vladimir Putin, surgiram notícias preocupantes sobre o seu principal rival político. Preso desde 2021, Alexei Navalny foi dado como desaparecido há alguns dias. Maria Pevchikh, diretora da Fundação Anti-Corrupção — criada pelo ativista —, recorria às redes sociais para alertar que não sabia do paradeiro do antigo advogado. Segundo a responsável da organização abertamente antirregime, a equipa legal de Alexei Navalny tentou visitá-lo na colónia penal IK-6, onde estava detido desde junho de 2022, mas não conseguiu.
Para além de ninguém saber onde estava o rival político do atual Presidente russo, Maria Pevchikh adiantava que Alexei Navalny tinha sofrido um “grave problema de saúde”, frisando que podia estar em “risco de vida”. As preocupações sobre o paradeiro do opositor russo mantiveram-se durante dias, sendo que, pelo meio, o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, assegurava que a presidência russa não “sabia” da sua localização nem “tinha capacidade” para descobri-la. Porém, esta sexta-feira, o sistema prisional russo dava pela primeira vez detalhes sobre onde poderá estar o líder da oposição.
‼️???????? The official confirmation!
????????Vladimir #Putin confirmed he will run for reelection in 2024 #Russia pic.twitter.com/RNvpi4RJ1g
— Maimunka News (@MaimunkaNews) December 8, 2023
“Alexei Navalny foi transferido da instituição penitenciária localizada no território da região de Vladimir”, lê-se num relatório dos serviços penitenciários russos, em que se explica ainda que o opositor de Putin deixou a colónia penal IK-6 “em virtude da decisão proferida pelo tribunal da Cidade de Moscovo a 4 de agosto“, que implicava uma pena de 19 anos de prisão por extremismo. Não foi divulgada, contudo, a prisão para onde foi transferido Navalny — e os seus advogados ainda não conseguiram entrar em contacto com ele, algo que se mantém desde dia 5 de dezembro.
“Estamos muito preocupados com ele. Está nas mãos das mesmas pessoas que o tentaram matar antes”, lamentou Maria Pevchikh, em declarações ao jornal britânico The Times, aludindo às tentativas de assassinato de que Alexei Navalny foi alvo nos últimos anos. “A vida dele está constantemente sob risco. Mas, em algumas situações, este risco atinge um nível extremo. Agora é um desses momentos”, reforçou a responsável.
Em clima de campanha pré-eleitoral, e numa altura em que a tensão entre o regime russo e o Ocidente está num ponto crítico, como pode ser interpretado o desaparecimento do principal rival de Vladimir Putin? Os aliados do dissidente não têm dúvidas de que foi tudo premeditado. “É 0% coincidência e 100% uma tática política do Kremlin. Não é segredo para Putin quem é o principal adversário nestas eleições”, denunciou o antigo diretor da campanha de Alexei Navalny em 2018, Leonid Volkov, numa publicação na sua conta pessoal do Telegram.
Os cartazes e o “contar a verdade”: o que poderá ter motivado uma reação de Putin?
Na mesma publicação nas redes sociais, Leonid Volkov enumerava dois motivos que poderão explicar o desaparecimento de Alexei Navalny neste momento. A primeira prendia-se com a data das “eleições” russas, que tinha sido recentemente “anunciada”; a segunda estava relacionada com o facto de a equipa do opositor russo ter lançado “a campanha Rússia sem Putin”.
Ganhando um novo ímpeto nas últimas semanas, a campanha “Rússia sem Putin” tentava mobilizar os movimentos cívicos na Rússia, apesar das inúmeras dificuldades. Num país em que existe uma malha muito apertada para os movimentos contra o regime, os opositores do Presidente russo tiveram de usar formas disruptivas para ultrapassar a censura — e utilizaram cartazes que passavam despercebidos.
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Colocados nas principais ruas russas dias antes de Alexei Navalny desaparecer e de Vladimir Putin anunciar a sua candidatura presidencial, os cartazes tinham mensagens genéricas, tais como “Feliz Ano Novo” ou apenas a palavra “Rússia”. Porém, havia um QR Code nos anúncios que redirecionava para o site com o domínio “Rússia sem Putin”, que continha informações críticas contra o regime e contra o Presidente russo. Neste momento, já está indisponível em território russo.
Allies of Russian opposition leader Navalny post billboards asking citizens to vote against Putin – ABC News
Is this why Navalny hasn’t been heard from ???? https://t.co/W8JwQ0Zeqs
— trishinpa (@trishinpa2) December 12, 2023
À Associated Press, Ivan Zhdanov, membro do partido Rússia do Futuro, que foi fundado por Alexei Navalny, confirmou que foi a Fundação Anticorrupção que colocou os cartazes. Lamentando que não podem ser celebradas “eleições livres e justas como em outros países europeus civilizados”, o político reconheceu que “nada vai mudar no dia das eleições” e que a oposição não tem meios para desafiar politicamente Vladimir Putin.
“99% das figuras da oposição que se opõem a Putin estão ou na prisão ou no estrangeiro”, constatou Ivan Zhdanov, que explicou o objetivo dos cartazes, que foram sendo retirados ao longo dos dias seguintes pelas autoridades russas. A ação pretendia “convencer o número máximo de pessoas possíveis” para se envolveram na vida política. E para contribuir para que tenham a consciência, prosseguiu o membro do Rússia para o Futuro, de que “todos os problemas estão relacionados com a guerra [na Ucrânia], com a mobilização, com a morte de soldados na linha da frente, com o aumento de preços e com o isolamento diplomático da Rússia”. “Tudo isto foi causado por Vladimir Putin”, concluiu.
Devido às restrições aplicadas pelo Kremlin, o movimento político de Alexei Navalny já assegurou que não reúne condições para apresentar um rosto alternativo para concorrer às presidenciais, uma vez que não só poderia correr risco de vida — tal como acontece com o líder de oposição russo — como também seria muito provavelmente impedido de participar nas eleições.
Mas nem isso descansa Vladimir Putin. Leonid Volkov disse à Reuters que considera que o Presidente russo se sente “vulnerável” por causa do conflito na Ucrânia. “Ele não sabe dar as resposta às questões que realmente preocupam as pessoas. E essas são questões que se prendem essencialmente com a estratégia por detrás do fim da guerra”, expôs o político.
Sobre o que classifica como “operação militar especial”, Vladimir Putin já assegurou que não vai ceder. Na conferência de imprensa de balanço do ano, que teve lugar esta quinta-feira, o Chefe de Estado russo indicou que o conflito apenas terminará quando os “objetivos forem atingidos” — ou seja, quando a Ucrânia for “desnazificada” e “desmilitarizada”. Mas não se sabe quando (nem como) é que esses propósitos vão ser alcançados, o que gera preocupação ao povo russo, segundo acredita Leonid Volkov.
Além de a guerra na Ucrânia poder criar descontentamento na população russa, o conflito também gerou indiretamente, em junho de 2023, a maior afronta ao poder de Vladimir Putin. O antigo líder do grupo Wagner, Yevgeny Prigozhin, levou a cabo uma “marcha pela justiça” em finais de junho e — juntamente com alguns mercenários — começou uma revolta militar que ficou a 200 quilómetros de Moscovo. Ainda que o objetivo de Yevgeny Prigozhin, que acabou por morrer em agosto de 2023, não fosse remover o Presidente russo do poder, certo é que as fundações do regime russo tremeram.
Todos estes cenários são de evitar para o Presidente russo; contudo, a oposição não lhe vai fazer a vontade. “A tarefa de Putin é garantir que estas eleições acontecem de forma mais ordeira e calma possível, sem ficar nervoso. A nossa tarefa é o oposto”, desafiou, em declarações à Reuters, Lyubov Sobol, pertencente ao núcleo duro de Alexei Navalny. “Queremos criar mais pontos de tensão. Queremos criar problemas para ele e para o seu regime: agitar, fazer contrapropaganda e dizer a verdade.”
Navalny já tinha desaparecido em junho de 2022
Esta não foi a primeira vez que Alexei Navalny desapareceu da colónia penal onde estava. Em junho de 2022, aconteceu algo idêntico — mas o seu paradeiro foi conhecido horas depois. Na altura, os aliados do opositor político denunciaram igualmente nas redes sociais que não sabiam onde é que ele estava.
Cerca de 24 horas depois do seu desaparecimento, era o próprio Alexei Navalny que revelava, numa publicação nas redes sociais, que tinha sido transferido para a colónia penal IK-6, conhecida pelos maus-tratos impostos aos reclusos ali detidos. Mas a sua vida ia piorar. Condenado em agosto de 2023 a 19 anos de prisão por extremismo, o opositor russo foi enviado, no final de setembro deste ano, para uma cadeia de alta segurança, num momento em que a sua equipa legal tentava apresentar um recurso contra a sua condenação.
Segundo denuncia a equipa legal do opositor, os tribunais russos não gostaram de que tivesse sido interposto um recurso e enviaram, como forma de represália, o opositor para aquilo que é considerado um dos maiores castigos para um preso na Rússia, e para onde são encaminhados todos os prisioneiros considerados “incorrigíveis”. Em declarações tornadas públicas através dos seus advogados, Alexei Navalny confessou sentir-se como uma “estrela do rock exausta e à beira da depressão”. “Consegui chegar ao topo do sucesso e não aspiro a mais nada. Por outro lado, não subi ao topo, mas caí no fundo. E aí, como se sabe, podemos sempre cair ainda mais”, lamentou, após ter sido enviado para esta cela.
Foi nessas condições que passou os últimos dois meses, uma vez que a Justiça russa determinou que Alexei Navalny deveria ficar naquela cadeia de alta segurança durante um ano. Para além da acusação de extremismo, que os seus advogados alegam ter sido politicamente motivada, o dissidente russo também foi acusado de financiar e instigar atividades extremistas, criar uma organização que violou os direitos dos cidadãos e envolver menores em ações perigosas.
Prisão russa pune opositor Navalny por ter apresentado recurso de sentença
Em dezembro de 2023, ainda que os serviços prisionais russos tenham dado uma pista sobre o paradeiro de Alexei Navalny, os seus aliados não sabem, por agora, onde é que ele está. Segundo a lógica dos últimos desenvolvimentos da vida do opositor russo e as dicas do regime, especula-se que esteja numa cadeia de alta segurança no oblast de Vladimir, perto de Moscovo, devendo estar a ser atentamente monitorizado pelo Kremlin.