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Não foi José Sócrates, nem a arrogância de pedir maioria, nem o fim da geringonça. O ativo mais tóxico da vitoriosa campanha de António Costa nas eleições legislativas de 2022 escreve-se com “três letrinhas apenas”: “TAP”. A confissão é de Luís Paixão Martins, o grande responsável pela comunicação da campanha do PS, que revela em livro que a “TAP era a mãe das maiores dificuldades narrativas”, já que “os eleitores e as eleitoras não nutrem nenhum afeto pela companhia aérea nacional.”
De acordo com o testemunho de Luís Paixão Martins, a TAP era, na frieza dos estudos de opinião e focus group, dos temas que mais trazia “avaliações desfavoráveis à candidatura do PS”. Curiosamente, e nem de propósito, menos de um ano depois, é também a companhia que está na origem de uma das maiores crises do Governo.
Luís Paixão Martins foi o “mago” da comunicação de três maiorias absolutas (de José Sócrates, em 2005, de Cavaco Silva, em 2006, e de António Costa, em 2022) e lança agora um livro com um título que vai em sentido contrário ao manual que apresenta: Como perder uma eleição (Zigurate, 2022). Na verdade, o que “LPM” — nome da sua agência e como é referido na gíria político-comunicacional — quer mostrar é como ganhou três eleições (ou melhor, como não as perdeu).
Há um excerto no livro em que Luís Paixão Martins ficciona uma situação-anedota para mostrar como são diferentes os três candidatos das três campanhas que acompanhou. “José Sócrates, Aníbal Cavaco Silva e António Costa entram num bar e o empregado olha para eles e diz: O que é isto?É uma piada? Bom, suspeito que, se os três assomassem ao mesmo tempo ao bar do Ritz, cada um iria para seu lado. Sócrates, modernaço, para o terraço. Cavaco, institucional, para o salão Almada Negreiros. Costa, prático, para uma das mesas próximas do piano!”, escreve LPM.
Comecemos, então, por pragmatismo e por atualidade pela última destas campanhas de Luís Paixão Martins que acabou em maioria: a de António Costa, em janeiro de 2022.
TAP: o maior problema na campanha do PS
Como se dizia, um dos elementos que Luís Paixão Martins elegeu como mais desfavoráveis durante a campanha eleitoral foi a TAP. O consultor de comunicação Luís Paixão Martins escreve que a “companhia aérea portuguesa goza de má reputação entre os nossos concidadãos, conseguindo ter nota negativa quer no serviço que presta (ou não presta a algumas regiões), quer como sorvedouro de dinheiros públicos”. “A culpa é, naturalmente, daquele Governo que está ali à mão, neste caso, culpa maior porque o executivo de António Costa reverteu a privatização da companhia”, reflete LPM.
Os adversários ter-se-ão apercebido e, segundo relata o autor, “usaram repetidamente a TAP para embaraçar a candidatura”. Pior: “A onda TAP engrossou até ao debate televisivo com todos os candidatos, realizado exatamente à distância de duas semanas do ato eleitoral (…) Criou-se assim a inevitabilidade do seu agendamento num dos eventos de campanha com maior número de espetadores — o difícil debate todos contra um. Os adversários de António Costa, em particular o mais direto, Rui Rio, estavam muito bem preparados e apresentaram argumentos de difícil oposição. A nossa candidatura não levantou voo“, conta o consultor.
Luís Paixão Martins queixa-se ainda que, na mesma altura, “alguém mobilizou” (sem concretizar quem foi) um “antigo acionista ressabiado” (não nomeou, mas é David Neeleman) naquilo que o consultor de Costa chama de “evidente esforço de prolongar o efeito TAP na campanha”.
No livro, o consultor acrescenta: “O debate foi na segunda-feira e na quarta-feira à noite o horário nobre da SIC Notícias estava — agora já orgulhosamente só — a acrescentar mais uma escala a este voo. Felizmente, faltavam dez dias de campanha — uma eternidade.”
A 18 de janeiro de 2022, David Neeleman acusaria António Costa de “faltar à verdade” no debate com Rui Rio. Em entrevista ao Observador, três dias depois, o socialista tentava esvaziar o balão e garantia: “Logo que seja possível nós iremos alienar, seguramente, 50% do capital da TAP — ou até pode ser que consigamos alienar um pouco mais do que os 50% do capital da TAP”. Era o esforço do “incumbente” para se livrar de um ativo tóxico.
A gravata verde de Costa (e a relação com os “olhos verdes” de Sócrates)
Ao contrário do que é hábito pensar, a cor do PS não é o vermelho do velho símbolo ou o rosa. Nada disso. Para Luís Paixão Martins, a cor do PS, em particular das suas maiorias absolutas, é outra: o verde. Na obra, o consultor de comunicação lembra que “o PS obteve o maior número de votos — 2,5 milhões de votos — em 2005 com a candidatura de José Sócrates”.
Ora, insiste LPM, “a imagem de marca do PS nessa campanha baseava-se na cor verde“. “O objetivo era ressoar a notoriedade que o candidato obtivera enquanto ministro do Ambiente, corajoso e determinado, do Governo de António Guterres. Nos cartazes, até os olhos de Sócrates brilhavam de verde”, explica.
Aliás, Luís Paixão Martins conta como o jornalista da SIC José Manuel Mestre investigou se a cor dos olhos de José Sócrates no cartaz tinha sido adulterada (sem spoiler, a resposta fica para quem avançar para a leitura do livro).
Nesta última campanha legislativa, a mesma que deu a maioria absoluta, António Costa, candidato do PS e primeiro-ministro, levou sempre a mesma gravata verde para todos os debates televisivos, o que até se tornou num tema (ainda que lateral) de campanha. Costa nunca respondeu o porquê de ter optado pelo verde aos jornalistas.
O seu consultor fá-lo agora. Sem o dizer diretamente, Luís Paixão Martins sugere que a influência do verde da gravata vem dessa campanha de Sócrates, que acabou em maioria absoluta. “No momento em que um maior número de portugueses e portuguesas foi atraído pela marca PS, esta estava associada àquela cor”, recorda.
Com alguma ironia à mistura, a teoria de Paixão Martins avança: “Aposto que foi esta constatação que levou o PS de 2022, já liderado por António Costa, a adotar a mesma cor, incluindo aquela gravata que foi o talismã dos debates na televisão. E como resultado foi uma nova maioria absoluta”. E acrescenta, triunfante: “Daqui para a frente ninguém discutirá qual a cor da comunicação eleitoral deste partido”.
Poupando-se a grandes pormenores sobre a forma como os candidatos foram interpretando os seus conselhos, Luís Paixão Martins aponta uma dificuldade acrescida decorrente do perfil de António Costa: “António Costa é um político à antiga. Está habituado a responder às perguntas que os jornalistas lhe fazem. Os políticos mais modernos, que cresceram já num quadro de hostilidade sem contemplações dos media, têm incorporado uma espécie de chip que os habilita a nunca responder.”
Zé Albino foi preocupação, mas nunca uma ameaça
Luís Paixão Martins descreve o aparecimento de Zé Albino, o gato de Rui Rio, na campanha como um “episódio fofinho“. Quando Rui Rio fez um tweet a dizer que “O Zé Albino anda desolado com esta aproximação do PAN ao PS”, a coisa fez mossa. Mas por pouco tempo.
Luís Paixão Martins reconhece a publicação gerou “junto dos media, uma onda de impacto comparável com as do canhão da Nazaré, a qual aumenta, quando chega a maré alta, com declarações do próprio candidato”. Com sarcasmo à mistura, o autor acrescenta acrescenta:
“Para se ter uma noção da dimensão do fenómeno que ameaça alterar os princípios constitucionais da nossa República, o próprio António Costa é capturado, em Podence (Bragança), por uma delegação de alguns repórteres dos mais famosos do nosso mercado, os quais ameaçam não o libertar enquanto ele não comentar o gato.”
O autor lamenta, de forma espirituosa q.b., que a “declaração obtida sob tortura” tenha acabado por ser “reproduzida nos horários nobres de todas as estações nacionais.” E que declaração foi essa? “O gato do dr. Rui Rio? Da última vez que vi uma foto dele, estava deprimido”.
António Costa diria ainda mais: “Estou certo e confiante de que, com uma vitória do PS, o Zé Albino vai sentir-se menos só, porque o dr. Rui Rio vai ter mais tempo para estar em casa”. Apesar da tirada espirituosa, o bate-boca gerou alguma preocupação.
“Nos quartéis-generais das candidaturas estudavam-se as motivações do spin do PSD, na expectativa (fantasista, como o tempo revelará) de que se esteja perante uma manobra genial dos seus consultores de marketing”, assume LPM. O consultor chega a contar que ouviu “algures” que a candidatura de Rui Rio tinha conseguido “conquistar a centralidade mediática“. O episódio fofinho acabou por não se tornar numa ameaça real.
“Para frustração da bolha mediática, Zé Albino acabou por ter de sair de cena devido à falta de conteúdos. Não há mais? É só aquilo? Um par de fotografias estáticas, mesmo se fossem de uma miss bumbum a sair do chuveiro no Guarujá, é ração insuficiente para mais do que uma refeição dos media”, elabora o consultor.
Problema resolvido para António Costa. Afinal, concluiu então Luís Paixão Martins, aquela tinha sido apenas uma “liberalidade comunicacional de Rui Rio” e “não fora produzida com intenções políticas de nenhum tipo, muito menos a de valorizar a sua candidatura ou a de prejudicar as dos concorrentes”.
O Zé Albino anda desolado com esta aproximação do PAN ao PS. pic.twitter.com/lJpvywkzD4
— Rui Rio (@RuiRioPT) January 19, 2022
PAN e um problema Alegre
Como a narrativa de António Costa de campanha era a de que tinha um Orçamento pronto a executar (que até exibiu em papel num debate televisivo), a certa altura decidiu testar o tema PAN no discurso. Então, durante um dos debates televisivos, o então candidato do PS disse o seguinte: “Não me esqueço de que o PAN não contribuiu para esta crise.”
Esta simples afirmação, conta agora Luís Paixão Martins, fez “estremecer a base eleitoral do PS“, aquilo a que tecnicamente chama ao longo da obra de “fãs”. O consultor de comunicação nunca esperou, mas a “reação das bases rurais e rural-saudosistas do PS foi muito viva — o PAN tem uma notoriedade muito negativa como inimigo da agricultura, da pecuária, da caça, da pesca (são guerras demais para uma organização tão pequena)”.
Pior, a indignação até teve rosto. E não um qualquer. “Manuel Alegre, figura histórica dos socialistas, sintetizou a revolta: quem vota no PS não o faz para que dois ou três deputados acabem com a pecuária, a caça e a pesca desportiva e outros seculares costumes e tradições do povo português”, sublinha Luís Paixão Martins. A referência ao PAN foi um dos erros assumidos pelo “mago” da comunicação. “Afinal, foi a muleta que pôs a campanha a coxear”, admite.
Cavaco. O apelo a Zeca Mendonça que Mendes não seguiu
Luís Paixão Martins aborda ainda outras duas campanhas no livro Como perder uma eleição: a de José Sócrates, em 2005, e a de Cavaco Silva, em 2006. Começando pela do antigo líder do PSD, o consultor de comunicação lembra que as candidaturas presidenciais são por princípio “independentes e não recorrem aos aparelhos dos partidos que as apoiam”, mas “há exceções a esta regra e consequências”.
É então que recorda que “na penúltima semana de campanha, a candidatura decidiu agendar três eventos com visibilidade para os partidos que a apoiavam: um jantar-comício com líder e militantes do PSD (era presidente Luís Marques Mendes); um evento com o CDS (era presidente José Ribeiro e Castro) e uma iniciativa com notáveis do velho PSD cavaquista (em Cascais, evidentemente)”. Não houve nada que prejudicasse tanto a campanha.
Luís Paixão Martins recorda que, “na sequência das transmissões televisivas das reportagens destes três eventos, a tracking poll da candidatura registou a maior queda de intenções de voto de toda a campanha. Se a eleição tivesse sido no domingo a seguir a estes raros eventos de comunhão entre candidato e partidos, a “probabilidade de Cavaco Silva disputar uma segunda volta aumentaria“.
O homem da comunicação tentou então limitar ao máximo as ligações partidárias. Luís Paixão Martins conta então que, a 14 de janeiro (as eleições foram a 22), passou a “tarde a chagar ao telefone o assessor de todos os presidentes do PSD, Zeca Mendonça, procurando arrastar o aparecimento de Marques Mendes para depois das 20h30″. A ideia é que Marques Mendes não aparecesse logo na abertura dos telejornais, associando a candidatura de Cavaco Silva ao PSD.
Tratava-se de um jantar comício em Pombal, um dos eventos mais importantes da campanha, com mais de quatro mil pagantes. A pressão “baixa” sobre Zeca Mendonça, confessa, “não teve êxito”. E Marques Mendes não quis saber: “Fez uma entrada triunfal exatamente às 20h00 e esteve meia dúzia de minutos a prestar declarações na abertura dos telejornais dos três canais.”
A comunicação da campanha não conseguiu, nessa ocasião, afastar Cavaco Silva do PSD, o seu partido e com o qual já tinha ganho três eleições e duas maiorias absolutas. Mais eficaz tinha sido Maria Cavaco Silva, que, nesse mesmo dia, tinha dito que a campanha era um “one man show“. A declaração foi pensada e tinha um objetivo político: mostrar que só Cavaco Silva prestava declarações, só ele era candidato. Não o PSD.
No livro, sobre esta campanha presidencial, Luís Paixão Martins conta ainda como o uso da palavra “pátria” por Manuel Alegre foi um problema para a equipa de Cavaco Silva. O facto do principal opositor não ser Mário Soares, mas sim Alegre, também levou a dificuldades acrescidas para a candidatura.
A não-resposta ao rumor sobre a homossexualidade de Sócrates
Sobre a campanha de José Sócrates, Luís Paixão Martins aborda também vários episódios. Nessa ocasião, surgiu “um rumor concertado acerca da vida sexual de José Sócrates” que “talvez por ter sido em 2005 — e não em 2022” — acabou por não passar na “triagem do gatekeeper“. O que quer dizer que, num primeiro momento, não passou para os jornais mais conhecidos, desde os de referência aos tabloides.
Como lembra o consultor de comunicação, “ainda não havia a parafernália de redes sociais da atualidade e o engenheiro das fakes não tinha entrado em cena”. Mas, ainda assim, veria a luz do dia: “A dada altura, o rumor é impresso. Por exótico que possa parecer, a publicação sai num obscuro jornal brasileiro. E é retomada por um pasquim português na sua primeira página. Por um acaso também extraordinário, essa primeira página é mostrada, pela primeira e última vez, na revista de imprensa matinal da RTP”.
Na campanha, recorda Paixão Martins, o assunto foi abordado “apenas superficialmente, enquanto tomávamos a bica no café da esquina”, mas Sócrates passou a manhã tenso. Santana Lopes não resistiria a pegar no tema quando, perante uma plateia de mulheres num comício em Braga.
Disse o então primeiro-ministro e recandidato: “O outro candidato [José Sócrates] tem outros colos. Estes colos sabem bem”, atirou Santana. Como relata o consultor, uma apoiante de Santana diria no palco: “Ele ainda é do tempo em que os homens escolhiam as mulheres para suas companheiras (…) Bem-haja os homens que amam as mulheres!”.
A campanha negra não surtiria efeito, mas a estratégia, neste caso, foi nunca responder. A atitude foi diferente, por exemplo, no caso Freeport. “Neste caso, a candidatura de Sócrates reagiu por escrito, num apontamento que visava desacreditar o rumores que circulavam alegando que se estava perante a tentativa de criar um caso político em período de campanha eleitoral”.