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RODRIGO MENDES/OBSERVADOR

RODRIGO MENDES/OBSERVADOR

Uma medida por dia. E se os supermercados forem obrigados a vender "fruta feia"?

No âmbito do combate ao desperdício alimentar, o PAN propõe, no seu programa, tornar obrigatória a venda de fruta e legumes "feios" ou "imperfeitos". O que já se faz em Portugal?

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O que é a “fruta feia”? Quem a consome? Pode ser vendida? E porque é que é tema de campanha eleitoral? O Observador examinou os programas dos principais partidos que vão a votos a 10 de março e até ao domingo das legislativas vai dissecar uma proposta por dia. É logo no primeiro capítulo do programa do PAN, dedicado à “estratégia política para fazer face à crise climática, assegurar a proteção da biodiversidade e atingir a neutralidade carbónica” que surge a proposta dedicada à chamada “fruta feia”.

O que defende o PAN?

O PAN – Pessoas-Animais-Natureza quer “reduzir o desperdício alimentar” de várias formas, sendo uma delas o “estabelecimento da obrigação da existência de secções de vendas para os géneros alimentícios ditos ‘feios’, ‘imperfeitos’ ou ‘inestéticos’ nos supermercados e empresas similares”. A designação aplica-se às frutas e legumes que são demasiado grandes, demasiado pequenos, têm uma forma invulgar ou alguma desconformidade ao nível da cor. “Defeitos” que não alteram o sabor nem as propriedades dos produtos, mas tornam o seu escoamento mais difícil. Acabam por ir para o lixo, contribuindo para os elevados níveis de desperdício alimentar.

Segundo os dados mais recentes do Instituto Nacional de Estatística (INE), relativos a 2021, cada habitante em Portugal desperdiçou nesse ano 180,1 quilos de alimentos. No total, foram desperdiçadas 1,9 milhões de toneladas de alimentos. E bem mais de metade (68%) desse desperdício acontece a nível doméstico. Os valores estão acima da média europeia, de acordo com o Movimento Unidos Contra o Desperdício, que agrega diversas entidades “com ligação ou intervenção ao setor da alimentação”, como a Associação de Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal (AHRESP), a Confederação Empresarial de Portugal (CIP) ou a Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição (APED).

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Portugueses desperdiçam um milhão de toneladas de alimentos por ano, alerta Movimento

Segundo este mesmo movimento, o impacto económico negativo do desperdício alimentar ronda os 3,3 mil milhões de euros anuais.

Qual é o panorama atual?

O problema não é só português. A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), estima que cerca de 14% dos alimentos produzidos em todo o mundo sejam desperdiçados entre a colheita e a chegada aos locais de venda. São cerca de 400 mil milhões de dólares por ano, o equivalente a 370 mil milhões de euros. Refere ainda que entre 8% a 10% dos gases com efeito de estufa são provocados pelo desperdício de alimentos. E que 87 milhões de pessoas em situação de pobreza poderiam ser alimentadas se um quarto dos alimentos fossem aproveitados. Se todos os produtos que vão para o lixo fossem salvos, poderiam contribuir para alimentar 1,26 mil milhões de pessoas.

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Segundo o INE, cada habitante em Portugal desperdiçou nesse ano 180,1 quilos de alimentos.

AFP via Getty Images

Poder-se-ia pensar, pelo menos no caso da União Europeia, que as regras comunitárias obrigam a um descarte deste tipo de produtos. Mas desde 2009 que não é assim. Foi nesse ano que a UE decidiu, precisamente em nome do combate ao desperdício, aliviar as restrições que vigoravam desde o final dos anos 80. Nessa altura era, sim, proibida a venda de 26 tipos de frutas e legumes que não cumpriam com certos padrões estéticos. Mas, em 2008, os Estados membros votaram a favor da iniciativa da Comissão Europeia que pretendia ver em prática um relaxamento das restrições. A votação não foi exatamente unânime, porque alguns dos maiores produtores de frutas e legumes do continente, como Espanha, França e Itália, alegavam que, com as novas regras, a qualidade dos produtos iria piorar e os preços baixariam.

[Já saiu o primeiro episódio de “Operação Papagaio”, o novo podcast plus do Observador com o plano mais louco para derrubar Salazar e que esteve escondido nos arquivos da PIDE 64 anos. Pode ouvir também o trailer aqui.]

Mas as novas regras entraram mesmo em vigor e, desde 2009, o que existe é uma Norma Específica de Comercialização aplicada a dez tipos de produtos, que representavam na altura, em valor, 75% das trocas comerciais da UE: maçãs, citrinos, kiwis, alfaces, chicórias frisadas e escarolas, pêssegos e nectarinas, peras, morangos, pimentos doces ou pimentões, uvas de mesa e tomate. Estes produtos, como refere o Gabinete de Planeamento, Políticas e Administração Central (GPP) do Ministério de Agricultura, “devem cumprir as características mínimas definidas e devem estar classificados ao longo da cadeia de comercialização” numa de três categorias:

  • Categoria Extra – Produto de excelente qualidade e com apresentação especial
  • Categoria I – Produto de boa qualidade sem defeitos importantes;
  • Categoria II – Produto de qualidade razoável, são, embora com alguns defeitos ao nível da forma, coloração, pequenas manchas e marcas.

O que explica, então, que toneladas de frutas e legumes “feios” acabem todos os anos no lixo? É mesmo o funcionamento do mercado, explicam responsáveis do setor. “É o próprio consumidor que, muitas vezes, põe de lado a fruta feia ou fruta descalibrada. O consumidor é muito exigente e prefere levar outra para casa e pôr essa de lado”, diz ao Observador Gonçalo Lobo Xavier, diretor-geral da APED.

A ideia é corroborada por Francisco Melo e Castro, responsável pelo Movimento Unidos Contra o Desperdício. “Não tenho ideia de que haja imposições europeias, o que há é uma oposição do mercado. Um consumidor escolhe primeiro a maçã bonita e brilhante do que a maçã amolgada ou com uma parte mais madura ou deformada. Nós vivemos numa sociedade de consumo em que a estética é muito importante, o próprio consumidor tem de mudar a forma como olha para a fruta feia, porque os supermercados põem à disposição dos clientes o que eles querem”, sintetiza.

Já a cooperativa Fruta Feia, uma das responsáveis por este conceito não ser totalmente estranho aos portugueses, também aponta à distribuição. Desde 2013 que a cooperativa, premiada a nível internacional, se dedica a fazer chegar aos consumidores frutas e legumes que não cumprem com os requisitos estéticos exigidos nas superfícies comerciais. O projeto arrancou no bairro do Intendente, em Lisboa, e espalhou-se entretanto por todo o país, com delegações nas zonas de Lisboa e Porto e produtores um pouco por todo o território nacional.

O que a cooperativa faz é recolher os produtos diretamente nas hortas e pomares de cada região, nomeadamente “frutas e hortaliças pequenas, grandes ou disformes que estes não conseguem escoar”. Os produtos são depois distribuídos em cestas e vendidos aos consumidores espalhados pelo país, que os recolhem nos pontos de entrega definidos. Cada consumidor paga ainda uma quota anual de cinco euros. É preciso uma inscrição prévia na cooperativa e não é incomum ficar-se em lista de espera durante algumas semanas ou até meses.

Apesar do interesse dos consumidores, a “norma” vigente no mercado é outra, explicam. “As exigências dos grandes canais de distribuição por frutas e hortícolas perfeitos resultam num desperdício em média de 30% do que é produzido pelos agricultores na Europa. Este desperdício é um grave problema ambiental, uma vez que envolve o gasto desnecessário dos recursos utilizados na sua produção (água, energia e solo) e a emissão de GEEs (gases com efeito de estufa) para a atmosfera resultante da decomposição dos produtos que não são consumidos. É também um problema socio-económico grave a montante da cadeia agroalimentar (no campo), uma vez que os agricultores não encontram retorno do mercado para uma parte grande da sua produção”, refere a equipa da cooperativa Fruta Feia em resposta escrita ao Observador.

Desde 2009 existe uma Norma Específica de Comercialização aplicada a dez tipos de produtos

JOSÉ COELHO/LUSA

Um estudo da Universidade de Edimburgo, de 2018, concluiu isto mesmo. Segundo os investigadores, um terço das frutas e vegetais colhidos na Europa são considerados “demasiado feios para serem vendidos”. Dezenas de milhões de toneladas de produtos vão para o lixo por não cumprirem, precisamente, os padrões dos supermercados e dos consumidores. Por toda a Europa, é comum que os agricultores que têm a sua produção contratualizada com supermercados produzam uma quantidade maior do que aquela que estão obrigados a fornecer, já a contar que uma parte seja demasiado “feia” para agradar aos últimos elos da cadeia.

“Ainda que uma possível opção para este tipo de produtos seja a indústria (sumos, compotas, molhos), esta não representa uma solução economicamente viável para o agricultor uma vez que o preço pago pelos produtos é tão baixo que às vezes nem cobre o custo de produção”, refere a página oficial da Fruta Feia.

Os investigadores da Universidade de Edimburgo referem que a solução pode estar na sensibilização dos consumidores para o desperdício. É aqui que pode entrar a lei?

O que diz o setor?

Para a cooperativa Fruta Feia, é “importante estabelecer medidas que contrariem esta tendência” de desperdício. Os responsáveis da plataforma sublinham que “a qualidade não se mede pela aparência e, portanto, estas medidas devem ter em atenção atribuir o mesmo valor económico às frutas esteticamente perfeitas e às imperfeitas, em lugar de perpetuar uma separação e consequente desvalorização económica com base na aparência”.

A cooperativa, que se apresenta como um “canal de escoamento sem preconceitos estéticos e sem fins lucrativos, praticando um preço justo para o agricultor e consumidor”, diz não conhecer “outros exemplos de medidas em termos de legislação que promovam a venda destes produtos” mas que “existem por vezes algumas iniciativas nas grandes cadeias de distribuição, mas que se resumem a campanhas pontuais com vista à maximização de clientes/lucro e não à efetiva resolução do problema”.

Do lado da distribuição, a visão é diferente. Para o setor, a proposta do PAN, de tornar obrigatória a venda de produtos “‘feios’, ‘imperfeitos’ ou ‘inestéticos'” nos supermercados não iria contribuir para o combate ao desperdício. Essa luta, garante o responsável da APED, que representa o setor da distribuição, está “intrínseca a todo o retalho alimentar” em Portugal. “Todos os retalhistas têm sido bastante criativos nas formas de evitar o desperdício de hortofrutículas, e têm-se manifestado em diversas ações”. Incluindo na venda de fruta feia, assegura.

“Os retalhistas, para evitar o desperdício alimentar, têm implementado várias soluções que são transversais a quase todos, seja colocar essa fruta a um preço mais baixo, a fazer um sortido dessa fruta e vendê-la a uma conjugação de preços ou a pegar nessa fruta e utilizá-la para outros fins, como saladas ou sopas que são também vendidas”, refere Gonçalo Lobo Xavier. Nesse sentido, tornar esta venda obrigatória poderia ser contraproducente, defende.

"Vivemos numa sociedade de consumo em que a estética é muito importante, o próprio consumidor tem de mudar a forma como olha para a fruta feia, porque os supermercados põem à disposição dos clientes o que eles querem."
Francisco Melo e Castro, Movimento Unidos Contra o Desperdício

Francisco Melo e Castro, do Movimento Unidos Contra o Desperdício, também “desconfia” de tudo o que é obrigatório. “Achamos que o combate ao desperdício alimentar tem de ser feito de forma ativa e positiva, mas nunca com algum tipo de penalização ou obrigatoriedade, porque isso acaba por resolver o problema a curto prazo mas no longo prazo não muda comportamentos”, argumenta. “As próprias cadeias de distribuição alimentar, que hoje estão muito preocupadas com este tema, já fazem várias coisas sobre o assunto”. Além da fruta feia, dá o exemplo das “etiquetas encarnadas” dos iogurtes em fim de vida, vendidos mais baratos.

Quatro organizações pedem a partidos prioridade ao desperdício alimentar

“Obviamente que, na teoria, ter uma zona dedicada à fruta feia é interessante, porque é uma boa medida para combater o desperdício. Mas vejo as coisas por outro ponto de vista: porque é que não se tenta perceber se, em vez de uma obrigação ou penalização, não seria mais eficaz haver um incentivo fiscal, ou de outro tipo, aos supermercados para criarem e investirem nessas zonas? Ir pelo lado positivo, porque isso traz mais força a este movimento”, sugere Francisco Melo e Castro.

Para os retalhistas, o tema é “crítico”, refere a APED. “Os operadores económicos estão organizados no exercício da sua iniciativa privada e de acordo com as suas circunstâncias espaciais específicas. Os layouts das lojas são desenhados em função dos requisitos técnicos — de natureza muito diferenciada — da operacionalização da atividade, do conceito de cada insígnia, das circunstâncias logísticas e, acima de tudo, da conveniência, do conforto e da ‘lógica’ do cliente. Assim, presume-se que a introdução de outros critérios na definição dos layouts das lojas, como seja a criação de locais específicos para venda destes produtos, possa ter um efeito contrário ao da redução do desperdício alimentar”,

Se a obrigação por via da lei não convence quem está no mercado, já a ação do Estado pelo lado da sensibilização dos consumidores é mais agregadora. “Uma coisa é sensibilizar para esta matéria, outra coisa é a imposição de, em loja, num determinado espaço, obrigando a custos, a uma gestão diferente. É mais produtivo deixar o mercado funcionar e continuar a sensibilizar, porque os retalhistas já o fazem por si, não precisam que o Estado venha meter-se em algo que eles já fazem bem”, reitera o porta-voz da APED. “Sobre este assunto, o Estado deve investir mais na literacia dos cidadãos e na informação e ajudar em campanhas de sensibilização de combate ao desperdício”, conclui.

“É um caminho que tem de se fazer dos dois lados”, acrescenta Francisco Melo e Castro. “O tema da fruta feia tem de ser desmistificado. Muitas vezes são estes produtos que têm mais força nutritiva e mais qualidades do que as frutas bonitas e luzidias. Enquanto consumidores, o que os supermercados colocam à disposição é o que nós exigimos, portanto há uma mudança de paradigma que o consumidor tem de acompanhar”.

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