Com a temperatura política e social a disparar em Cuba nos últimos dias, multiplicaram-se no Twitter publicações sobre a posição que os eurodeputados socialistas assumiram, no início de junho, a propósito de uma resolução “sobre a situação política e dos direitos humanos em Cuba”. A resolução foi apresentada por três grupos políticos da direita europeia — o Partido Popular Europeu (PPE), o Renovar a Europa e os Conservadores e Reformistas Europeus (ECR) — e, de facto, foi aprovada com os votos contra da Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas (S&D, a que pertencem os eurodeputados do PS).

Mas será rigoroso afirmar que os socialistas de Bruxelas votaram “contra a resolução do Parlamento Europeu sobre a situação política e dos direitos humanos em Cuba”, como faz Tiago Moreira de Sá, professor da Universidade Nova e presidente da Comissão de Relações Internacionais do PSD?

Para avaliar este argumento, é útil olhar para o que esteve em cima da mesa na votação de 10 de junho (na página 47 do link).

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Antes de mais, importa dizer que, a par da resolução conjunta dos três grupos políticos da direita europeia, foram apresentadas outras duas resoluções: uma pelo grupo A Esquerda (que junta deputados do Bloco de Esquerda e do PCP) e outra pelo próprio S&D. Por força as regras do Parlamento Europeu, as propostas da esquerda e do centro-esquerda europeus caíram antes de serem votadas, devido à aprovação da resolução conjunta dos partidos de direita e centro-direita.

Além disso, a votação vencedora desdobrou-se, na verdade, em duas votações. A pedido do S&D, o primeiro parágrafo dessa resolução foi votado isoladamente do resto da resolução. Isso mesmo pode ser visível nas informações relativas às votações desse dia, onde constam dois resultados distintos para o mesmo documento. Esse parágrafo inicial (número 1) contou com 613 votos a favor, 31 contra e 39 abstenções. Depois, o documento completo obteve 386 votos a favor, 236 contra e 59 abstenções.

O documento que Tiago Moreira de Sá (e vários eurodeputados do PSD) partilharam no Twitter, e do qual constam os nomes de eurodeputados do PS, diz respeito apenas à votação do documento completo. Não se identificam ali quaisquer referências à votação isolada do primeiro parágrafo e que, de resto, contou com o voto a favor de todos os socialistas portugueses no Parlamento Europeu (a votação consta da página 157 do link).

Tudo isto são questões processuais da votação das resoluções. A par destas, existe questões relacionadas com o conteúdo. E, aí, importa olhar para a resolução aprovada (a da direita) e a resolução que não chegou a ir a votos, do S&D.

O primeiro parágrafo da resolução aprovada “condena veementemente a existência de prisioneiros políticos, a perseguição política persistente e permanente, os atos de assédio e as detenções arbitrárias de dissidentes em Cuba”. E também “condena” aquilo que é descrito como “os atuais ataques contra artistas do Movimento San Isidro, dissidentes pacíficos, jornalistas independentes, defensores dos direitos humanos e membros da oposição política”, deixando ainda um apelo a “uma cessação imediata destas ações”.

Esse longo ponto “exorta” também as autoridades cubanas a “libertarem imediatamente todos os presos políticos e as pessoas detidas arbitrariamente apenas por exercerem o seu direito à liberdade de expressão e de reunião” e “condena com veemência a detenção arbitrária de Aymara Nieto Muñoz, Mitzael Díaz Paseiro, Iván Amaro Hidalgo, Edilberto Ronal Arzuaga Alcalá, Yandier García Labrada, Denis Solís González, Luis Robles Elizástegui e dos 77 prisioneiros de consciência”. Por fim, ainda nesse primeiro parágrafo da resolução aprovada com os votos dos Socialistas e Democratas europeus, manifesta-se “solidariedade para com os membros do Movimento San Isidro e todos os ativistas e defensores dos direitos humanos pelos esforços envidados para promover a liberdade de expressão em Cuba”.

Essas ideias podem ser encontradas, ainda que com uma formulação diferente, na proposta apresentada pelo S&D. Mas, na substância, há diferenças claras entre os dois documentos.

Por exemplo, no que diz respeito às posições abertamente assumidas em relação ao regime cubano (e às críticas que lhe estão subjacentes). A resolução aprovada defende, por exemplo, “o direito a um julgamento justo e à independência do poder judicial”; “lamenta profundamente a falta de empenho e vontade do regime cubano em procurar o progresso, ainda que mínimo, no sentido da mudança ou da abertura de canais que permitam a reforma do regime”; afirma “o direito do povo cubano de exigir a democratização” de Cuba e sublinha a importância de dar voz à “oposição política” do país.

Há posições coincidentes entre as duas propostas — como a exigência de respeito pelos direitos humanos e pelos ativistas que se batem pela defesa desses direitos; o respeito da liberdade política, da liberdade de imprensa, dos ativistas políticos, etc. Mas só na proposta do S&D é possível encontrar uma menção de apoio “aos progressos realizados até à data por Cuba no sentido de um maior reconhecimento dos direitos fundamentais”; ou a defesa do “levantamento do bloqueio económico, comercial e financeiro imposto a Cuba pelos Estados Unidos da América”; ou, ainda, uma palavra aos EUA, para que “retirem Cuba da lista dos Estados que apoiam o terrorismo”.

Ou seja, na proposta que os socialistas portugueses apoiaram (e que foi elaborada, em co-autoria, por Pedro Marques), é possível encontrar referências à necessidade de serem respeitados os direitos humanos em Cuba. Além disso, os nove eurodeputados do PS votaram a favor de parte da proposta do Partido Popular Europeu (PPE), Renovar a Europa e ECR onde se inscrevem duras críticas ao regime cubano.

Conclusão

É verdade que os deputados portugueses do PS no Parlamento Europeu votaram contra a versão global da proposta apresentada pelos partidos da direita e centro-direita de Bruxelas. Mas também é verdade que, a pedido do próprio S&D, esses nove eurodeputados socialistas votaram a favor de um parágrafo dessa resolução em que se condena “a existência de prisioneiros políticos, a perseguição política persistente e permanente, os atos de assédio e as detenções arbitrárias de dissidentes em Cuba”.

A mesma alínea “condena os atuais ataques contra artistas do Movimento San Isidro, dissidentes pacíficos, jornalistas independentes, defensores dos direitos humanos e membros da oposição política” no país sul-americano.

Defender simplesmente, como fazem várias publicações no Twitter, que os socialistas votaram contra a resolução é ignorar uma parte relevante do processo que decorreu a 10 de junho no Parlamento Europeu.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ENGANADOR

No sistema de classificação do Facebook este conteúdo é:

PARCIALMENTE FALSO: as alegações dos conteúdos são uma mistura de factos precisos e imprecisos ou a principal alegação é enganadora ou está incompleta.

Nota: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.

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