O dia 4 de março de 2018 representa uma revisitação do Dia D. Só que, desta vez, não haverá forças aliadas. A questão será dirimida a nível interno. Mais exatamente no interior do primeiro e do terceiro países em termos económicos da União Europeia.

Em Itália, o presidente do Parlamento Europeu, António Tajani, aceitou o convite de Silvio Berlusconi para ser o candidato da Força Itália a primeiro-ministro. Força Itália que concorrerá coligada com duas forças populistas e ultradireitistas: a Liga do Norte de Matteo Salvini e os Irmãos de Itália de Giorgia Melon.

Uma coligação que celebrou um pacto pré-eleitoral nos termos do qual, em caso de vitória, o partido mais votado terá direito a propor o primeiro-ministro. Por isso, se a Liga do Norte obtiver uma votação superior à Força Itália, será Salvini e não Tajani a liderar o próximo Governo.

Uma vitória que não está garantida. Basta ter em conta as intenções de voto que são recolhidas por outras forças partidárias, como o Movimento 5 Stelle de Beppe Grillo e o Partido Democrático que lidera atualmente a Itália. Sendo certo que a coligação de centro-direita ultrapassará em muito a cláusula-barreira de 10% imposta pela nova lei eleitoral – a lei Rosatellum – não é seguro que atinja a maioria absoluta. Há que ter em conta que só 61% dos deputados serão eleitos de acordo com o sistema proporcional. Nas circunscrições uninominais o peso local do candidato vale mais do que o símbolo do partido ou da coligação.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Do ponto de vista da União Europeia, a vitória da coligação de centro-direita será o resultado mais desejado, sobretudo se a Força Itália for o elemento mais representativo da coligação. A UE conviverá melhor com a perda do presidente do Parlamento Europeu do que com qualquer outro cenário que não passe pela nomeação de Tajani como líder do próximo Governo.

Razão assistia a Ortega y Gasset quando enfatizava o peso da circunstância na vida do homem. Em 2011, a UE apeou Berlusconi e substituiu-o por alguém que não tinha ido a votos, Mario Monti. Uma estratégia em que a mão invisível falava alemão. Em 2018, a UE, ainda a braços com o Brexit, vê na vitória da coligação que integra o partido de Berlusconi uma espécie de tábua de salvação para a manutenção da comunidade.

Por falar na Alemanha, nesse mesmo dia ficará a saber-se se os militantes do SPD aceitam ou não que o partido volte a integrar a grande coligação liderada por Angela Merkel. Uma decisão que terá impacto a nível interno e externo.

De facto, se o SPD integrar o novo Governo de Merkel, estarão reunidas as condições para a Alemanha continuar a dirigir a política europeia. Por outro lado, com o SPD no Governo a populista Alternativa para a Alemanha (AfD) disporá da possibilidade de liderar a oposição com tudo o que isso representa para o crescimento do populismo e do nacionalismo exacerbado. Fenómenos de que a Europa guarda as piores recordações.

Face ao exposto, o dia 4 de março de 2018 representa um dado importante no processo de integração europeia e na forma como evolucionará o populismo.

A eleição do substituto de Berlusconi, impossibilitado judicialmente de exercer cargos políticos até 2019, na Itália, e a repetição da grande coligação na Alemanha constituirão o garante de que o centro decisório – Alemanha e França – e o centro económico – os dois países anteriores mais a Itália e a Espanha – manterão efetividade. Uma versão revisitada da ideia de diretório.

A derrota de Tajani ou a recusa do SPD constituirão um revés para a manutenção do status quo. A primeira mais problemática do que a segunda. Aliás, já há quem defenda que a situação na Alemanha pode ter uma saída que sirva melhor os interesses comunitários e controle os avanços populistas.

Passa pelo apoio do SPD ao Governo minoritário de Merkel, mas sem aceitar fazer parte do mesmo. Uma forma de condicionar – interna e externamente – a ação da chanceler. Em casa, porque obrigada a negociar as medidas uma a uma com o SPD a liderar a oposição. Na União, porque essa circunstância também implicará uma perda da autoridade central. Uma situação que servirá os interesses da semiperiferia de que Portugal faz parte.

Como se constata, ao contrário do que aconteceu aquando do desembarque aliado na Normandia, o atual Dia D permite leituras muito díspares.

Quando à urgência da definição de um modelo que privilegie a solidariedade comunitária, será assunto para o dia seguinte.