Portugal tem uma economia estagnada há 20 anos. A sua dívida pública é colossal — a 3ª maior em percentagem do PIB na UE. Em PIB per capita, Portugal foi perdendo posições no contexto europeu, consecutivamente ultrapassado por países do Leste — era, em 2000, a 15ª economia europeia em PIB per capita, passando agora para a 19ª posição, com expectativa de cair ainda mais nos próximos anos. Sofre de baixa produtividade: a produtividade por hora trabalhada em Portugal (24 euros) é inferior à média europeia (36 euros) e aproxima-se da cauda da UE. O país enfrenta um desafio demográfico imenso: o envelhecimento da população portuguesa é dos mais acentuados no contexto europeu (pior só em Itália), sobrecarregando as gerações mais novas de impostos para cobrir as despesas do Estado. Na população activa, persistem graves lacunas de qualificações e um gap geracional muito penalizador para os mais velhos (muito menos qualificados que os mais novos), ameaçando a sua empregabilidade (por exemplo, temos das populações europeias com maior iliteracia digital).

Poderia continuar: nas desigualdades sociais, na Educação, na Saúde, na Cultura, na Justiça, na transparência e no combate à corrupção, os desafios da modernização do nosso país são cada vez mais exigentes, porque sucessivamente adiados. Ou, se se preferir olhar apenas ao imediato, há que reconstruir o que a contenção da pandemia destruiu: o dano na aprendizagem e desenvolvimento das crianças (que passaram demasiado tempo fora da escola), os problemas de saúde mental na população, o ruir de vários sectores económicos cuja actividade ficou inviabilizada.

Com eleições legislativas a 30 de Janeiro, seria de esperar que os partidos usassem os debates televisivos para confrontar diferentes propostas de soluções para estes desafios — no fundo, para contrastar visões de desenvolvimento do país. Que explorassem as entrevistas ou as suas iniciativas partidárias para colocar reformas na agenda. Ou, no mínimo, que expusessem esses desafios — como quem alerta para a necessidade de chamar os bombeiros, não vá algum cidadão distraído não reparar no edifício em chamas. Não é o que está a acontecer.

Salvo excepções muito pontuais, a campanha eleitoral arrancou com dois passos em falso. Primeiro, com discussões focadas na intriga do acesso ao poder. Nos duelos televisivos, os líderes partidários ocupam o (pouco) tempo a elaborar sobre apoios parlamentares e coligações — quem apoiaria quem, quem rompeu com quem, quem aceitaria o quê, ao que se junta um PS a alimentar ilusões de uma maioria absoluta. Dúvida que nunca se esclarece verdadeiramente nos frente-a-frente: a esquerda e a direita ambicionam formar maiorias para levar a cabo que projecto político?

A dúvida leva-nos ao segundo passo em falso. Todas as discussões sobre medidas concretas e políticas públicas têm sido de uma demagogia arrepiante. À direita, por exemplo, Rui Rio e André Ventura discutiram a pena de prisão perpétua ou a diminuição do número de deputados na Assembleia da República. À esquerda, o PS lançou um manifesto eleitoral que promete mundos e fundos: aumento do salário mínimo, aumento do salário médio, semanas de trabalho de 4 dias e mais crescimento económico, mas que tem um problema indisfarçável — nunca concretiza e muito menos explica como tais medidas seriam viáveis numa economia tão fragilizada como a portuguesa. Num país com tantos desafios estruturais, a opção dos partidos tem sido discutir irrelevâncias e ilusões.

Ouvi, há semanas, uma criança pedir ao Pai Natal que lhe trouxesse um unicórnio verdadeiro ou, em alternativa, cem prendas. Tanto quanto sei, na noite de Natal ganhou três livros e uma lição para a vida: os unicórnios não existem, cem prendas é financeiramente insustentável e quem pede o que não pode ter sujeita-se a receber o que lhe quiserem dar. O episódio daria um bom resumo desta campanha eleitoral: é sobre um país que não existe (porque ninguém olha para os desafios estruturais), sobre medidas irrealistas ou irrelevantes (em vez de reformas) e sobre cenários eleitorais implausíveis. O mais certo é acabarmos, também, a receber, em vez do que queremos, o que nos quiserem dar.

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