O turismo nasceu logo mal: aproveitando os períodos de paz a partir dos finais do século XVII, os aristocratas começaram a passear-se pela Europa, contactando com as classes exploradoras dos países vizinhos. Infelizmente a guilhotina não extirpou estes hábitos elitistas e o costume de viajar generalizou-se. Na lamechice atual, consideramos o conhecimento de outras paragens e povos como uma forma de enriquecimento pessoal.

Urge, assim, acabar com essa atividade burguesa de ir de férias para outro país. Felizmente, as luzes esquerdistas que se têm acendido no firmamento europeu começaram já essa luta hercúlea contra o grande capital das multinacionais de turismo (que desviam incontáveis trabalhadores europeus do subsídio de desemprego e de uma vida de ócio).

No magnífico Syriza, uma das promessas eleitorais foi a luta incansável contra as estâncias turísticas que vendiam férias em regime tudo incluído. Tragicamente – e porque as forças capitalistas são tão cruéis como Orestes para Clitemnestra – o Syriza foi obrigado a prescindir desta política. E por estes dias os encantados com Tsipras & Varoufakis promovem uma campanha na net pedindo aos europeus que escolham a Grécia como destino turístico em 2015 como forma de apoio ao Syriza contra os maldosos credores. Se escolherem hotéis com tudo incluído, o Syriza agradece penhoradamente na mesma.

Desejamos maior sucesso nesta luta à nova autarca de Barcelona, eleita por uma coligação que contém o Podemos. Quer a senhora limitar o número de turistas de Barcelona, porque está fora de questão tornar Barcelona numa Veneza (diz).

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Sem entrar no insuflado ego turístico de Ada Colau ou lhe fazer notar a escassez (em Barcelona) de canais, de palácios renascentistas, da coleção Peggy Guggenheim e de outras peculiaridades que tornam Veneza única, louvemos o desassombro com que a senhora declara querer eliminar a liberdade de circulação existente em qualquer país decente e que é, por acaso, um dos pilares da União Europeia.

E por cá, que nunca queremos ficar atrás de ninguém, o Movimento Lisboeta de Libertação do Turismo iniciou-se com uma notícia no Público de 1 de junho informando que ‘lisboetas sentem-se cada vez mais acossados pelos turistas’.

Em primeiro lugar permitam-me sossegar os corações pesarosos e em cuidados dos que a leram. Moro no centro de Lisboa e ainda não reparei uma única vez num desfalecimento de algum conterrâneo provocado pelo avistamento de um temível turista. Confesso que ando desde segunda feira esforçando-me por me sentir acossada e assustada com os ‘magotes’ de turistas, mas infelizmente nenhum saxão arrogante se dignou a vir enegrecer a minha rotina quotidiana. E estou em condições de garantir que nenhum lisboeta me confidenciou sofrer de stress pós-traumático devido a ter perdido a reserva do seu restaurante preferido para um germânico amante de cerveja.

O teor da peça jornalística era tal que – esse sim um fenómeno capaz de perigar a nossa saúde cardíaca, de tão espantosamente raro – as únicas palavras com réstia de senso eram as de Fernando Medina (porventura beneficiando da frase citada ser curta).

Fenómenos com décadas – o despovoamento das zonas históricas e centrais da cidade, por exemplo – foram apontados como resultado da ‘invasão’ de turistas. Evidentemente que a fuga dos habitantes de Lisboa não tem nada a ver com os preços das casas. Ou com a perseguição que é feita pela CML – eu sou uma sobrevivente, e ainda carrego algumas cicatrizes para o provar – a qualquer doidivanas que ouse tentar reabilitar casas numa zona antiga. Ou com a inexistência de comodidades como estacionamento. A culpa é toda dos turistas.

Li até quem sugerisse que se estabelecesse um limite máximo de arrendamentos temporários em cada freguesia, mostrando que considera que é o estado que deve determinar a quem e quanto tempo um proprietário arrenda a sua propriedade. O amor pela liberdade – de circulação e económica – transbordou em todas as moléculas do papel e os pixéis dos ecrãs no Público de dia 1. Podemos dizer, orgulhosos, que foi para isto que se fez o 25 de abril.

Mesmo, mesmo bom era antes da ‘invasão’ dos ‘magotes’ de turistas. Lojas fechadas nas zonas históricas de Lisboa porque, quando não estão a competir com os turistas, os lisboetas preferem os centros comerciais em vez do comércio tradicional – que definha há décadas. Prédios devolutos e a cair aos bocados – já que com as rendas da habitação permanente os proprietários não tinham fundos para fazer obras. As pessoas que agora guiam os tuktuk que se ‘acotovelam’ pela cidade, ou que criaram os seus pequenos negócios de animação turística, todas nas filas dos centros de emprego.

Presumo que os ‘acossados’ sejam cidadãos coerentes e entendam os malefícios que os turistas lisboetas levam a outros países, onde já foram avistados comprando souvenirs e dormindo em hostels. Por isso fico a aguardar que se organizem de modo a exigir a retirada dos guias turísticos dos outros países das prateleiras das livrarias de Lisboa. Nestas prateleiras devem ser colocados cartazes dizendo ‘Cidadão consciencioso: vá para casa. Não viaje. Os outros povos também não gostam de ser incomodados’.