Bons alunos nem sempre são quem mais entende as aulas. Isso aconteceu com Jesus: uma vez, quando ensinava na sinagoga, a reacção mais formidável veio do aluno que pior se comportava (em Marcos 1:21-27). Naquele caso, era um endiabrado literal porque tinha mesmo o Diabo no corpo. A reacção do ouvinte daquela aula foi única e imediatamente se colocou no lugar de quem não estava ali para receber ensino, mas para dispensar expulsão. Naquele momento, aquela era uma escola em que quem tinha de ser mandado para a rua não era o estudante mas o professor. Precisamente por estar a entender o que o Mestre dizia, quis vê-lo pelas costas.

Jesus foi um professor que foi posto na rua e que antes teve de ouvir: “que temos nós contigo?” Imaginem o ambiente depois de uma coisa destas ser dita. Mas Cristo não se intimidou e disse: “Cala-te e sai desse homem.” Não é fácil manter a presença de espírito diante de uma sala de aula em ebulição mas o Messias sabia que antes de ele mesmo sair, sairiam os demónios daquele homem. Procuraria outra colocação, é certo, mas a escola também não ficaria na mesma. Por vezes os maiores mestres não são os que consolidam o prestígio da academia mas os que o colocam em causa.

Há uma ironia fantástica no Evangelho de Marcos (exploro este assunto num livro que escrevi  acerca dele, chamado “Milagres no Coração” e publicado pela Quetzal): a primeira manifestação de compreensão de quem Jesus é chega-nos de uma boca comandada por demónios. É como se o Inferno, por falta de vergonha em assumir o que espiritualmente é do que não é, se antecipasse à Terra na tarefa de reconhecer o Filho de Deus. Quem está contra Deus, não está necessariamente por burrice; geralmente está até por conta de uma vontade cheia de agilidade intelectual.

Também por isso, são os bons, os que seguem Jesus, os lerdos. É com os discípulos que o ritmo de aprendizagem é desesperante. Jesus farta-se de se queixar da equipa que lhe foi dada. Um dos pontos altos é, em Marcos 8:17-18, quando lhes diz: “Ainda não considerastes, nem compreendestes? Tendes o coração endurecido? Tendo olhos, não vedes? E, tendo ouvidos, não ouvis?” Esta é uma lição difícil mas preciosa para os cristãos: geralmente os burros seremos nós, não os outros. Porquê? Porque vamos entender, à medida que seguimos Jesus, que muita da nossa falta de inteligência é uma questão da vontade, que ainda não é completa em nós, de ir atrás dele—não é só o que a nossa cabeça não entende; é também o que o nosso coração ainda não quer.

Ninguém é cristão por compreender assim tão bem o que Deus pede de nós. A Bíblia mostra que essa é uma habilidade até mais de quem não quer nada com ele. Por isso, e uma vez mais, se justifica que o crente tenha muito a aprender com as doses de antecipação superiores que encontra em quem não crê. Para ser sincero, uma das coisas que mais me desmotiva na ideia de abandonar a minha fé, é a vida de elevada previsão que me esperaria. As pessoas que rejeitam Jesus com grande consciência vivem num xadrez mental constante em que antecipam as jogadas, sabendo o que teriam deixar de ser ou fazer caso o seguissem. Por vezes, é mais fácil segui-lo precisamente por não saber o que vai dar. O que será, será.

Os demónios entenderam Jesus na mesma medida em que o temeram—foram razoavelmente racionais. Esse medinho mostrou-os alunos atentos, ainda que mal comportados. Quando ando demasiado atinado com o que me ensinam, recordo-me deste episódio e faço uma oração: Senhor, dá-me um pouco da energia daqueles que fogem de ti para não não me entediar ao desconhecer o poder que tens.

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