Faz hoje quarenta anos que PSD, CDS e PPM formaram a Aliança Democrática. Não é possível exagerar o papel da AD entre 1979 e 1983. Com a AD, a democracia portuguesa sacudiu finalmente a tutela militar e afirmou, contra ambiguidades terceiro-mundistas, a opção por um “modelo europeu de sociedade”. Foi a segunda parte que faltava ao 25 de Abril.

No Verão de 1979, tinham passado quatro anos desde a revolução e um ano desde a primeira intervenção do FMI. Portugal já pedira a adesão à CEE, mas o processo pouco avançara. A governação continuava limitada pelo Conselho da Revolução e a iniciativa dos cidadãos restringida em nome do “socialismo”. Falava-se de “reformas estruturais”, mas ninguém sabia como as fazer. O PS,  o maior partido, oscilava entre a direita e a esquerda. O presidente da república, também. Havia um novo governo a cada oito meses. À sombra deste equilibrismo e instabilidade, o PCP mantinha no Alentejo e na cintura industrial de Lisboa uma Festa do Avante permanente e ruinosa. Num regime sem decisão, os governos usavam a inflação para diluírem os compromissos do Estado e salvaguardarem alguma competitividade. Era como se o 25 de Abril, de um ponto de vista social, tivesse servido sobretudo para impor um sistema de salários baixos. Muita gente desconfiava da viabilidade da democracia em Portugal.

Só o PSD e o CDS propunham sem equívocos uma sociedade de tipo europeu ocidental. Mas pareciam preferir chegar lá gradualmente, através de entendimentos com o PS e com o presidente da república. O fundador do PSD, Francisco Sá Carneiro, discordava. Não por feitio, mas porque percebera que o PS, para preservar a sua posição de “charneira”, nunca mudaria nada de fundamental. A alternativa era uma “nova maioria”: “a democracia portuguesa pode e deve salvar-se sem o PS e, se necessário, contra o PS”. O CDS, o PPM de Gonçalo Ribeiro Teles, e até dissidentes do PS, como António Barreto e Medeiros Ferreira, acabaram por juntar-se a Sá Carneiro.

A AD inspirou o maior movimento popular desde a revolução. Encheu praças e ruas, ganhou a maior parte das câmaras municipais e uma maioria absoluta na Assembleia da República. A esquerda denunciou-a logo como uma “ameaça à democracia” e tratou Sá Carneiro e também Freitas do Amaral como hoje trata Trump ou Bolsonaro (“fascistas”, etc.). De facto, o que o governo da AD fez foi reconciliar muita gente com a democracia: primeiro, por demonstrar que não era só a esquerda que podia governar; depois, por provar que outras políticas eram possíveis: no ministério das finanças, Cavaco Silva enfrentou a inflação e propiciou o primeiro aumento real do poder de compra desde a revolução. Foi também, numa coincidência simbólica, o ano em que começou a televisão a cores em Portugal.

A AD foi uma fórmula arrebatadora, mas instável. Sá Carneiro estava determinado em eleger um novo presidente e disposto a referendar a constituição. A ousadia assustou muitos dos seus colegas. Depois da morte de Sá Carneiro e da reeleição de Eanes, a AD, sob Pinto Balsemão, optou pela revisão constitucional negociada com o PS. Mário Soares, com contas a ajustar com Eanes, esteve disponível para rever o “sistema político”, mas não o “sistema económico”. Mas sem a maioria da AD não teria havido a revisão constitucional de 1982, tal como sem a maioria de Cavaco Silva não teria havido a de 1989.

A AD mostrou para que servia a direita democrática: por um lado, para aumentar a representatividade do regime, através da alternância no poder; por outro lado, para mobilizar uma opinião reformista dentro do país, como factor interno de adaptação do sistema, de modo a que nem tudo dependesse só de empurrões internacionais em situações de ruptura iminente. Quarenta anos passados, o que será do regime, com uma direita que agora ultrapassa o PS na luta contra a independência da justiça e se junta ao PCP e à extrema-esquerda no apoio aos sindicatos comunistas do ensino? A crise da direita vai ser a grande crise do regime.

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