Era uma vez uma geração que vivia em tempos de liberdade quase plena. Ainda que com oportunidades muito desiguais entre seus membros, era uma geração que usufruía muito do tal direito de ir e vir e de tantas outras liberdades civis. Essa geração trabalhava bastante, vivia suas angústias e sua sobrecarga, mas planejava suas cervejas noturnas, seus churrascos nos finais de semana e alguns, mais privilegiados, também suas viagens nas férias.

Tudo isso parecia direito adquirido. Um raciocínio simples: se eu trabalho e recebo meu dinheiro, é claro que tenho a possibilidade de celebrar e de viver momentos de prazer.  Éramos uma geração que entendia muito pouco a palavra “privação”. Quando muito, enxergávamos o termo apenas pelo viés financeiro, no ato de se privar de uma compra ou de uma experiência em fases em que as economias não andavam lá muito bem. Mas, de fato, nossa geração não foi habituada a ser privada da sua liberdade e, consequentemente, da sua sede de sempre ir além.

No início da pandemia, quase todos nós tratamos o assunto com um ar sereno de provisoriedade. “Mês que vem isso já passou”, “daqui uns meses isso acaba”, “já já vem a vacina”. Mas já ultrapassamos a marca de um ano aprendendo o que são as verdadeiras privações. Não dá para ir ao bar. Não dá para encontrar os amigos. Não dá para dançar madrugada adentro. Não dá para beijar desconhecidos. Não dá para pegar um voo para um lugar qualquer.

Ainda insistimos, durante em período, em fazer planos a médio prazo. Planejar o aniversário em maio. Planejar as férias de julho. Planejar a remarcação de uma viagem para outubro. E esses planos também falharam. Não nos foi subtraída só a alegria presente, mas até a esperança numa alegria futura. Parecia uma série de falsas esperanças, nas quais insistíamos, sedentos, em acreditar.

Foi preciso aprender a ter mais paciência. A entender que o destino tem seu próprio tempo e que talvez as nossas celebrações tenham que acontecer de forma alternativa. As festas terão que esperar. As viagens terão que esperar. Os abraços terão que esperar. Até quando? Não sabemos. Mas certamente não é a semana que vem, nem o mês que vem.

Paramos de fazer planos – pelo menos da forma como estávamos habituados a planejar. E isso é frustrante. Mas, pela primeira vez, sentimos na pele o que sentiram gerações que viveram em períodos de guerra e de outras doenças epidêmicas. Talvez isso faça de nós uma geração melhor – ou pelo menos um pouco mais humilde, consciente de que não estamos no controle de tudo.

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