Procurar uma “alma gémea” é um exercício de vaidade. É querer alguém que seja, de certa forma, o nosso reflexo. Ou presumir que só quem for igual a nós nos conseguirá decifrar e entender. É pressupor que só uma pessoa com uma experiência “igual” à nossa nos descobre e nos conhece. Não tanto porque nos intua, claro. Mas porque aquilo que reconhece em nós e aquilo que projecta de si acaba por ser a mesma coisa.

Quem anseia por uma “alma gémea” não procura ser feliz. Procura, isso sim, em presença de alguém “igual a si”, quem lhe permita não ter contradições nem ter diferenças. Procura um espelho! Sem ganhos que resultem da diversidade. E sem interpelações que o virem do avesso. Quem procura uma “alma gémea” quer ser dois e estar sozinho. Ao mesmo tempo.

A uma “alma gémea” chega-se quando alguém prescinde de si. E se anula. E, porventura movido por um amor que  viva com intensidade e com sentido, renega quase tudo o que, de si, faria toda a diferença. Os pontos de vista e as convicções. A família e os amigos. Ou os sonhos, simplesmente. Coloca-se na sombra; mas nunca de olhos nos olhos. Porque sente que “não existir” é a contrapartida para que gostem de si. Ou o que lhe “exigem” para que não se separe.

Quem procura um “alma gémea” confunde adorar com amar. “Ama” a forma como o “amam”. Não tanto a pessoa por quem se sinta “amado”. Quem procura uma “alma gémea” não gosta de ninguém. Para além de si.

Eu acho que confundimos, muitas vezes, o entendimento íntimo que resulta de dois mundos — fervilhantes de diferenças — que, sem prescindirem de nenhuma das suas singularidades, se sintonizam numa harmonia “perfeita”, com alguém que pensa “igual a nós”. Ora, o amor é uma ponte. Uma alma gémea é, mais, um poço. O amor é gratidão. “Alma gémea” é confusão. Vendo bem, quem procura uma “alma gémea” não procura o amor. Foge do medo de o encontrar.

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