Década de sessenta do século XX. Um alfacinha transformado em latifundiário alentejano ia casar uma das filhas na capela da herdade. Porém, os cinco quilómetros de estrada de terra que ligavam a propriedade à estrada nova estavam cheios de buracos. Uma realidade que não condizia com as viaturas dos convidados. Máquinas habituadas a pisos bem tratados. Era preciso disfarçar as imperfeições de um caminho onde o rodado das carroças ainda ditava a lei.

Os pedreiros, serventes e demais trabalhadores da herdade foram mobilizados. Tarefa demorada e penosa e que ocupou toda a semana. O tempo estava de chuva e a terra deitada nos buracos teimava em transformar-se em lama. Havia que calibrar a mistura de terra e pedrisco.

Chuva que passou a descer dos olhos já a noite de sábado tinha caído. O pagamento semanal seria o último para muitos daqueles que tinham pavimentado a estrada. Decisão do latifundiário comunicada pelo encarregado. Uma designação bem escolhida. Comunicou aos trabalhadores a ordem do patrão e registou mentalmente, para posterior comunicação, os nomes de quem ousou mostrar indignação.

Mês de outubro do ano de 2018. António Costa reuniu o seu Conselho de Ministros. Em discussão o orçamento. Havia que revisitar o milagre bíblico. Aquele em que Cristo multiplicou o pão e os peixes. Uma tarefa ciclópica. Valeu o sorriso costista e a serenidade centenal. Foi graças a ambos que os mesmos pães e os mesmíssimos peixes foram distribuídos por uma crescente multidão de eleitores. Quanto ao quinhão que calhou a cada um é conversa que não interessa. O importante será o retorno eleitoral.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Séculos atrás, Malthus tinha inventado a parábola do banquete para provar que os recursos não iriam chegar para todos. António Costa reescreveu a previsão. Os recursos podem chegar a muitos se cada um receber pouco. Mesmo que aquilo que recebe não sacie a fome.

Também neste caso já a noite ia alta quando o patrão governamental deu a novidade. Quatro dos ministros não tinham acabado apenas a maratona orçamental. Tinham chegado ao fim da linha governamental. Estavam demitidos. Adalberto Campos Fernandes, Caldeira Cabral e Castro Mendes iriam juntar-se a Azeredo Lopes na lista de dispensados. Para o último era Tancos a fazer-se presente. Para os restantes era um tanque – e não um balde – de água fria.

Uma desconsideração ainda maior do que aquela que tinham sofrido os trabalhadores da – ou na – herdade alentejana. Esses, pelo menos, sabiam que não estavam convidados para a boda. Os ministros, pelo contrário, não sabiam que estavam a aprovar um orçamento que não iriam aplicar. Afinal, também eles tinham passado o dia a tapar os buracos da estrada orçamental, mas em proveito alheio.

Para que conste, o casamento da filha mais nova do latifundiário alfacinho-alentejano durou pouco. Culpa da incompatibilidade de feitios do casal, embora muito bem acompanhada pelo novo-riquismo do pai da noiva.

Quanto ao Governo de António Costa parece estar para durar. Demérito de uma oposição fragmentada que, desde o início, não captou a essência da geringonça. Uma oposição que desvalorizou a estratégia costista e não se soube assumir como alternativa credível.

Camões, referindo-se a Dom Fernando, afirmou que um fraco rei faz fraca a forte gente. No tempo presente, uma fraca oposição serve para tornar forte um fraco líder. Mesmo que os fogos consumam o país. Para Costa, basta recuperar a frase célebre de Pinheiro de Azevedo: é só fumaça!

Portugal não precisa de uma oposição a lembrar a destruição do furacão Leslie, mas é inquestionável que necessita de uma real oposição. O país e a democracia agradecem.

Professor de Ciência Política