Vista à distância, a partir de Fiesole, nas colinas sobre Florença, a campanha eleitoral das autárquicas tem sido pouco mais do que deprimente. Os ecos que chegam de Lisboa mostram uma campanha centrada em duas perguntas: será que Rio sobrevive ao próximo Domingo? Quão fácil será para o PS continuar a dominar as autarquias, as quais, num contexto de distribuição de fundos europeus, são centrais para a capilaridade do controlo do aparelho do Estado que António Costa pretende manter?

1 Sobre Rui Rio e o PSD creio que há duas notas fundamentais a considerar. Em primeiro lugar, Rio nunca teve boa imprensa. Apesar de não haver qualquer evidência empírica nesse sentido, muitos articulistas e fazedores de opinião sempre apontaram Passos Coelho como o salvador da direita. Aparentemente, quem escreve que Passos federaria e rejuvenesceria a direita não percebeu ainda que a governação PàF é percepcionada pelo eleitorado muito negativamente. Fora do núcleo duro da sua área política, a marca Passos Coelho tem muito pouco valor no mercado eleitoral. Rio partiu, pois, de um patamar muito baixo para tentar refazer qualquer ideia de poder à direita.

Em segundo lugar, o resultado de Rio, em 2021, deve ser lido à luz dos resultados autárquicos de 2013. Sim, leu bem. Qualquer pessoa que tenha perdido o mínimo de tempo a ler o trabalho académico sobre ciclos de poder em sistemas com limitações de mandato, assim como as vantagens dos incumbentes, sabe que, agora, estaremos no estertor do ciclo eleitoral inaugurado em 2013. Nessa altura, quando o país se encontrava em pleno mandato da troika, o PSD teve uma derrota tão copiosa como natural, de resto. Iniciou-se, então, um ciclo autárquico de mandatos que terminará apenas em 2025. De resto, o ciclo de poder autárquico iniciado pelo PS em 2013 pôs fim ao ciclo de poder que o PSD inaugurara em 2001, na célebre noite em que Guterres fugiu por causa do pântano. Como mostra Mariana Lopes da Fonseca neste trabalho académico, o incumbente, isto é, o presidente da câmara que concorre a eleição, tem uma vantagem eleitoral de 15 pontos percentuais apenas por o ser. Nestas condições, o ciclo eleitoral autárquico nunca é de apenas quatro anos, mas sim de 12 anos, o equivalente a três mandatos. Em 2025, teremos eleições autárquicas novamente competitivas. Nessa altura, as condições políticas gerais do país determinarão, em grande parte, qual o partido que exercerá o domínio autárquico nos 12 anos seguintes. Julgar Rui Rio com base nos resultados do próximo domingo demonstra apenas ignorância do funcionamento do sistema político.

2 Para além da questão da oposição, leio que António Costa tem vindo a fazer um equilíbrio difícil entre o seu papel enquanto Primeiro-Ministro, responsável pela aplicação do PRR, e de líder do PS, que quer maximizar o seu número de votos. De resto, alguns candidatos autárquicos do PS, como Hugo Pires, candidato a Braga, tiveram a candura de afirmar que os laços estreitos com o Governo ajudá-lo-iam na sua tarefa de presidente da CM a aumentar o pecúlio que o município receberia do PRR. Mais uma vez, convém ir ler quem sabe. Num trabalho publicado há uns anos, Linda Veiga analisa quais os principais determinantes da aplicação dos fundos europeus em Portugal. Numa análise temporal entre 1992 e 2006, a autora sugere vários pontos que podem iluminar a nossa perspectiva sobre a campanha autárquica. Em primeiro lugar, Veiga mostra que municípios nos quais o presidente da câmara seja do mesmo partido do Governo tendem a obter mais fundos europeus. Por outro lado, existe um aumento muito substancial na quantidade de dinheiro aplicado em ano de eleições autárquicas. Por último, a descoberta mais interessante e mais reveladora sobre a política portuguesa. Os governos centrais tendem a distribuir mais dinheiro nos concelhos nos quais tiveram um resultado eleitoral mais marginal, isto é, mais curto, nas eleições legislativas anteriores. Estas três conclusões indicam, portanto, que existem critérios políticos na aplicação dos fundos europeus, o que, de resto, não é de espantar. Seria, no entanto, dispensável o número do Dr. Costa ao afirmar que vai distribuir os fundos do PRR de forma equitativa e justa. Não vai. Ele sabe e nós sabemo-lo.

P.S.: Se tiverem oportunidade comprem o mais recente livro de João Pedro George chamado Chatear o Camões – Inquérito à Vida Cultural Portuguesa. Em 500 páginas, o autor traça um retrato implacável do meio cultural português, desde Mega Ferreira, passando por Pedro Mexia, até Manuel Reis. Não é por acaso que o livro não tem tido quaisquer referências nos jornais. Uma edição da Maldoror.   

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR