Assisti por estes dias na TV a uma transmissão em direto a partir do novo Hospital do Algarve. Teve a curiosidade de mostrar um hospital, construído de raiz, que tem um enorme relvado no qual correm, em calções, os assistentes técnicos e operacionais, os técnicos de meios complementares de diagnóstico, os farmacêuticos e outros técnicos superiores de saúde, os enfermeiros e os médicos. Parecia que estavam a divertir-se muito, a correr atrás de uma bola, com o conselho de administração sentado nuns cadeirões à beira da relva e uma multidão sentada em bancos à volta do jardim onde o pessoal de saúde fazia o seu exercício promotor de saúde. Estavam a dar o exemplo, só pode, aos doentes e acompanhantes que aguardam, alguns deles há meses ou anos, por uma consulta ou operação. Estavam lá muitos, ordeiramente sentados, entoando cânticos e mostrando o que resta da sua saúde com movimentos ritmados de braços e pernas, levantando-se e sentando-se como se de uma onda se tratasse, o movimento circular e perpétuo das listas de espera. Autêntica fisioterapia. Coitados, bem merecem que o pessoal do hospital, garridamente vestido de vermelho ou azul, os mantivesse entretidos para não desesperarem. Também percebi que uma das maneiras mais rápidas de ser internado é cair no campo deste hospital. Vêm logo uns homens com uma maca e levam o ferido para a sala de tratamentos que, curiosamente, é ao ar livre, ao lado do jardim. Logo ali, é se entrapado a preceito e tão bem tratado que se pode voltar para os exercícios. O tratamento nem sempre resulta por muito tempo, mas a vida é assim mesmo.

Moderníssimo este hospital. Julgo ter entendido que parte do pessoal, dada a escassez de médicos no Algarve, vinha da Croácia. Simpáticos, não foi? Enfim, não terá sido a solução ideal mas é preciso entender que este Hospital do Algarve, tal como os novos Hospitais de Leiria, de Aveiro e de Coimbra, correspondem a um conceito socrático de investimento em saúde, muito socialista, de substituição dos velhos e anacrónicos espaços com telhado, com enfermarias, salas de tratamento e de operações, por umas coisas que parecem estádios de futebol mas que, já que pouco futebol se joga nessas construções, são os cripto-hospitais de que precisamos e os socialistas nos deram. Também há uns centros de saúde que parecem rotundas, uns serviços de urgência em forma de estradas onde ninguém circula e, infelizmente, só ainda não se fez o novo centro de excelência médica com aspeto de linha de TGV. Suponho que “novo aeroporto” também deve querer dizer, em jargão de político, um qualquer novo centro oncológico de alta diferenciação. Tudo indica que vem a caminho mas não há certeza sobre onde vai ser. Falou-se na Ota, no Sahara a sul do Tejo, no Parque da Bela Vista e, com sorte, ainda poderá ficar em Palhavã. No entanto, também já constou que há quem queira “novos aeroportos” em Coimbra, Fátima, e, pois claro, no Porto, embora no Norte aceitem ficar com o INFARMED.

São estas as escolhas que as pessoas que estavam sentadas na bancada têm de fazer. Afinal, o que nos mostraram na televisão era mesmo um jogo de futebol num estádio que custou milhões e apenas serve para uns jogos ocasionais de futebol e umas corridas de carros de rally. Sempre melhor do que o de Leiria que é usado para casamentos, segundo li num jornal. E é nesta linha de escolhas que os Portugueses têm de saber se preferem aumentos para os funcionários públicos – eu sou um deles – ou investimento no serviço nacional de saúde, INFARMED deslocalizado ou medicamentos mais baratos, menos IVA na energia ou mais médicos de família. Mas estas escolhas só são possíveis se os cidadãos acreditarem que pagam taxas e impostos para terem serviços públicos melhores. Caso contrário, cobrar sem nada dar, é furto.

O que não podemos aceitar é que o ministro das finanças continue a mentir quando afirma que há mais investimento em saúde e os acréscimos das verbas no SNS nem chegam para pagar as dívidas acumuladas. E também não é aceitável ouvir a mentira, mais uma, de que as progressões nas carreiras, diferidas e incompletas, serão o aumento salarial da função pública. Aumentos, seriam para todos os funcionários. Progressões de carreira, só serão para quem delas possa beneficiar. E neste grupo de potenciais beneficiários não se incluem os médicos que passaram do regime de 35 para 40h. Espantoso, não é? Os que aceitaram trabalhar mais, contrariando a decisão governamental de implementar 35h na função pública, mesmo que já tenham direito a progredir por força de mais de 10 anos na mesma posição, não avançam porque, diz o ministério, já foram aumentados quando decidiram aceitar trabalhar mais. Sobre isto, ainda não se ouviu uma palavra dos sindicatos, habitualmente tão lestos a reclamar. Imagino que nenhum dos dirigentes sindicais tenha sido prejudicado pela decisão de manter congelados os mais trabalhadores dos médicos. Só isso explica a ausência de reacção a esta clamorosa injustiça.

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Tudo tem um custo a que os economistas chamam “de oportunidade”. Pontes, estradas, rotundas e estádios custam o que tiverem de custar mais o custo do que não foi feito, ou seja, o custo da perda pelo que não foi feito. Logo, quando se planeiam investimentos, em particular os públicos que são feitos com o dinheiro de todos, é preciso saber escolher. É mais importante uma autoestrada nova, com um determinado custo e ganho potencial, ou um hospital, com outro custo e ganho potencial? Em ambos os casos há ganhos que podem traduzir-se em melhor saúde. Obras públicas, não exclusivamente de instituições de saúde, podem estar associadas a aumento da duração de sobrevivência e diminuição de carga de doença. Uma auto-estrada pode determinar maior facilidade em chegar a cuidados de saúde ou contribuir para a redução da mortalidade rodoviária, em especial se houver aplicação de limites de velocidade. Todo o investimento pode ter um impacto positivo, ou negativo, na saúde das pessoas. Esse impacto pode e deve ser medido. Equipamentos desportivos são um investimento essencial para a saúde das pessoas, mas o mesmo não acontecerá com grandes estádios onde nem desporto se pratica. É este tipo de impactos que têm de ser considerados nas decisões sobre obras públicas ou outras medidas.

No caso da redução do preço dos transportes públicos, que todos teremos de pagar através de verba do OE, interessa saber se o aumento de uso de transportes públicos tem um impacto favorável para a saúde das pessoas. É indiscutível e amplamente corroborado por estudos internacionais que há vantagens para a saúde de uma população quando há maior uso de transportes públicos. E esses ganhos, dada a sua importância e magnitude, interessam a todos e não apenas à população local. Logo, a defesa de que só deve contribuir, financiando o desconto nos passes sociais, quem é beneficiário imediato, não faz sentido. O OE suporta toda a participação do Estado na saúde pública, em todo o território nacional, e não poderia ser de outra forma. Mas o mais importante é saber que o aumento de uso de transportes não depende apenas da baixa de preços. Está muito mais dependente da qualidade dos meios de transporte e dos seus percursos e horários. Baixar preço sem melhorar a qualidade é compensação, não é benefício. Logo, antes de anunciar que se pretende reduzir o peço dos passes sociais – medida sempre de louvar – seria importante conhecer se o investimento alternativo em material circulante não seria melhor opção ou se não existirão outras prioridades de investimento com maior ganho potencial de bem-estar. É isso que o governo tem de transparentemente explicar.

O Eng. Fernando Medina, é justo reconhecê-lo, tem dado apoio e relevo aos problemas da saúde dos seus munícipes. Lembro-me como ele tentou desbloquear, com espírito pragmático, a construção de um centro de saúde no Martim Moniz, matéria que ele tinha herdado, ainda por tratar, do seu antecessor na CML, o que é agora primeiro-ministro. Mas também foi ele quem mandou construir um largo conjunto de ciclovias, a priori úteis para estimular o exercício físico, sem nunca nos ter apresentado um estudo de impacto na saúde. Agora temos ciclovias, quase sempre sem bicicletas, vias de circulação automóvel mais estreitas e com mais engarrafamentos – logo, com maior potencial de poluição – e ainda não sabemos quanto custaram as pistas de ciclismo urbano e o que já ganhámos ou perdemos com elas. Os stands de bicicletas camarárias, outra “boa” ideia, estão sempre vazios porque nunca tiveram bicicletas e não porque as pedaleiras estejam sempre a ser usadas. Alguém ganha com isto?

A degradação do SNS já chegou a um jornal de Espanha, ao ABC segundo li. Há uns dias, uma pessoa que regressou a Portugal, depois de longos anos imigrado, disse-me que ia voltar para o País de onde tinha vindo. Explicou-me porquê. Em 3 anos, depois de regressado, tinha tido 6 médicos de família diferentes e nenhum deles lhe tinha diagnosticado o problema de saúde que agora o apoquenta. Em inglês corrente, que ele usa com maior mestria do que a língua de Camões, disse-me com clareza cristalina. “O vosso serviço de saúde está completamente screwed”. Duvido que existam muitos que estejam dispostos a tentar voltar para usufruir de  uma baixa de IRS e prescindirem dos serviços de saúde dos Países para onde imigraram. Talvez não sejam melhores, mas alguns têm muito melhor aspeto e, em saúde tal como em qualquer outro serviço, as pessoas gostam mais do que parece limpo, moderno, arrumado, confortável e acessível. Apreciam serviços que lhes resolvam os problemas com a celeridade devida. Só mesmo os Portugueses de cá, este notável povo, é que podem continuar a aceitar a decrepitude dos nossos hospitais onde, esforçadamente e com muito sacrifício, ainda se vai fazendo medicina de ponta. Até quando? Até quando durará a nossa paciência? A qualidade do SNS, essa, não durará muito mais.

Ouvir que “o dinheiro não chega para tudo” só se aceita quando ele chega ao que é preciso e não se assiste a desperdício sistemático e contínuo de recursos escassos e preciosos. Em tempo de orçamento exige-se que haja maior atenção às necessidades de saúde e de bem-estar de todos os Portugueses, não apenas dos que trabalham para o Estado, e que a planificação da despesa e de toda a receita – os impostos podem promover saúde – seja feita em função de ganhos qualitativos e quantitativos que sejam mais do que a expectativa de receber votos nas urnas. Mas isso seria com outros políticos, com outra maioria.

Médico, ex-ministro da Saúde