Fomos confrontados esta semana com a derrocada do império Oliver. Jamie Oliver era, e é, um chef que mudou o pensamento e a forma de fazer cozinha durante uns anos. Procurou nos ingredientes naturais e orgânicos a base para o seu desenvolvimento e sucesso. Ruiu, porém, uma parte do império. Verdade. Mas ficam marcas. Muitas marcas e bem positivas. Perante os acontecimentos fomos fazer 3 perguntas* a Jamie Oliver sobre a passagem da operação do Reino Unido para as mãos da KPMG. E Oliver respondeu.

1 – O seu modelo de negócio foi baseado num portfolio de produtos, sentido lato, que passavam pelo Barbecoa (steak house), pelo Jamie’s Italian, pelo Fifteen e pelo Jamie Oliver’s Diner. O primeiro baseado em cozinha grelhada tradicional, o segundo assente no desenvolvimento de produto através da cozinha italiana, o terceiro baseado em cozinha presumivelmente alternativa e nova e o Jamie Oliver Diner que é sustentado pelos hambúrgueres, batidos, cachorros e outros clássicos intemporais. Além disto era evidente a sua projeção televisiva e a publicação de vários livros. Ascensão e queda de um império para já, e só, no Reino Unido. Tem explicação para este desfecho?

Hoje tenho. Olhando para trás, o modelo conheceu belíssimos dias e tinha tudo para crescer. E cresceu. Cresceu à volta de uma pessoa e um nome e, em cozinha, isso pode ser fundamental.

Porém, no final do dia um restaurante é um restaurante e se não tem por perto o seu dono tende a degradar serviço, a ser arrogante na aproximação aos clientes, a espalhar a fórmula como de sucesso permanente, tornando rígida a aproximação essencial à flexibilidade.

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Talvez uma das grandes aprendizagens desta viagem seja precisamente a de que neste setor há duas verdades que continuam universais: small is beatiful (pelo menos q.b.), em cadeias de autor, continua a ser fundamental; talvez também o crescimento associado a um nome, o meu, possa ter sido demasiado auto-centrada e sempre híper dependente do mesmo. E esse nome, em pessoa, não aparecia no final da refeição a agradecer aos clientes.

Faltou, diria, músculo empresarial e boas primeiras linhas. Faltou robustez na liderança. E a própria fórmula não era, nunca é em restauração, universal.

Vencido o ciclo de vida e entrando a fórmula casual dining em declínio, ficaram para a história os preços altos e a fuga dos clientes para novos conceitos. É sempre assim em restauração. Mas quando o tamanho da nau é grande, a tormenta é maior. O desfecho é duro. Mas, hoje, reconheço que talvez difícil de controlar.

2 – Então a diversificação e o crescimento acabaram por ferir de morte o modelo de negócio? Não será uma contradição a uma lição de gestão fundamental?

Bom, nem sempre é bom diversificar. E a diversificação talvez tenha sido excessiva na dependência de um nome. Excessiva em formatos, quatro, a que se associaram muitos livros e muita televisão. Estes últimos acabaram por ser as ancoras que permitiram atrasar o desfecho a que se chegou.

Afinal a diversificação foi (semi)concêntrica mas nem por isso ganhou em economias de escala, nem por isso o músculo de gestão cresceu, nem por isso se conseguiu combater o inexorável ciclo de vida.

Demasiada dispersão, perda de foco, incapacidade de chegar a todo o lado.

Ou tínhamos comida de autor num estilo clássico intemporal e com inovação contida e segura, alargando pouco o território e a dispersão geográfica, ou talvez o resultado só pudesse ser este quando o casual dining entrou em declínio.

No final do dia ficaram os preços altos, como disse, face às propostas de valor que entretanto nasceram no mercado. A moda, em restauração, é central. Ou isso ou uma fórmula imbatível em preço e mass customization, que não era o caso.

3 – Mas só tem 43 anos de idade e muito para fazer pela frente. Que lições? O que vai fazer? Lisboa, ao Príncipe Real, é para continuar?

Certamente que não me vou sentar a chorar o resto da vida sobre o desfecho negativo do que aconteceu. Isso é para vocês, portugueses. Esta foi uma experiência e uma aprendizagem essenciais na componente empresarial. Os trabalhadores saíram prejudicados e a eles posso pedir desculpa.

Serei, de futuro, talvez mais chef e menos empresário. Os dois mundos nem sempre são mundos compatíveis. É como dizer que um bom piloto é um bom construtor de carros. Pode ser. Como pode não ser. Na maioria das vezes talvez não seja.

O Príncipe Real, para já, mantém-se. Mas este desfecho no UK permite reequacionar tudo.

Será que se devem manter tantos restaurantes com tanta dispersão geográfica, sem grandes economias de escala, sem baixo preço e com um modelo de negócio que está já, em algumas geografias, obsoleto? A pensar.

Para mim, porém, aprendi uma lição para a vida: grande não é sinónimo de bom. Assinatura não é sinónimo de sucesso. Crescimento acentuado sem preço, em restauração, dá que pensar. Muita cautela é o que recomendo a todos os meus colegas chefs. Contrariar o ciclo de vida, idem, idem, aspas, aspas.

Mas Lisboa, e respondendo à sua questão, para já e para os lisboetas e visitantes, mantém-se. O restaurante de Lisboa é um sucesso.

(*Questões e respostas fictícias)

Professor Catedrático, ISCTE-IUL. Presidente, Comissão Executiva, INDEG-ISCTE Executive Education