Senhora Ministra, não peço que me desculpe a ousadia de escrever estas singelas linhas porque, enquanto cidadão, não abdico do direito à indignação. E não é pela circunstância de «cidadão» rimar com «indignação». É pelo respeito que quero continuar a ter nos órgãos que tutelam a vida coletiva.

Por isso, não poderia deixar passar em claro as suas palavras no México. Aliás, por conta dessas palavras até me senti tentado a chamar-lhe ministra das touradas. Com minúsculas. Porém, pelas razões já aduzidas, não quis ser desrespeitoso. Daí a opção pelo título.

Disse a Senhora Ministra que uma coisa ótima de estar em Guadalajara há quatro dias era que não via jornais portugueses. Uma frase que merece reflexão, uma vez que na qualidade de Ministra da Cultura “exerce as competências que lhe são atribuídas por lei sobre as entidades do setor empresarial do Estado no domínio da comunicação social”.

Sendo verdade que a Senhora Ministra não disse que não via a RTP ou não lia ou ouvia as notícias que têm como fonte a Lusa, permita-me que inclua uma e outra na designação genérica de órgãos de comunicação social ou naquilo a que V.ª Ex.ª chamou «jornais».

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Sei que poderá parecer abusivo, mas recordo que a Senhora Ministra disse que não «via» jornais. Se tivesse dito que não «lia» jornais, a interpretação seria, obviamente, diferente.

Voltando às suas palavras, assumo a pretensão de perceber o respetivo alcance. Na minha ótica, significam tão simplesmente que há quatro dias que não se vê confrontada com a tourada que desencadeou. Uma lide na qual, permita-me que lhe diga, revelou uma enorme inépcia. Aliás, se a exemplo dos toureiros, estivesse a tirar a alternativa para Ministra da Cultura, tenho fundadas dúvidas que a distinção lhe fosse concedida.

Continuando no universo tauromáquico, é caso para dizer que bem poderia o padrinho – bem como o apoderado, no caso de existir – louvar os seus méritos. O público e o diretor da corrida, a quem por algum motivo chamam inteligente, não lhe reconheceriam capacidade de lide.

Tem graça – não é em vão que se chama Graça –, que V.ª Exª tenha acrescentado à frase anterior, mais uma espetacular tirada linguístico-tauromáquica. Tal como se de um diestro se tratasse, afirmou: “a minha tourada hoje vai ser aqui na feira de Guadalajara”.

Não é difícil perceber que não se estava a referir à corrida de touros, mas talvez não tivesse tomado em boa conta que a cidade é famosa não apenas pelos seus Mariachi. É que no México, país que julgo ter a maior praça de touros do Mundo, a tauromaquia faz parte da cultura. Tal como a música, a dança, a literatura…

Como não represento nenhum lobby taurino – que, obviamente, existem – volto a concentrar-me na questão dos jornais portugueses.

Julgava que um ministro quando está fora do país fazia o mesmo que faço quando estou no estrangeiro, ou seja, que procurasse estar a par do que se passa em Portugal. Tarefa que, diga-se, não é fácil. Até porque os jornais portugueses não moram na quase totalidade das bancas.

Ora, ao ouvir a Senhora Ministra reconheço a minha ingénua ignorância. Estamos sempre a aprender. Já prometi não voltar a padronizar os outros pela minha forma de me sentir português.

Senhora Ministra, não quero terminar esta minha breve missiva sem um aviso. Fique descansada que não é aquele sinal sonoro que o Diretor da corrida manda dar aos toureiros quando a lide está a arrastar-se em demasia. Até porque V.ª Ex.ª está com sorte. A legislatura está a encerrar. Levará a pasta até final. Mesmo estando longe de sair em ombros e pela porta grande.

Queria apenas avisá-la de que, quando regressar de Guadalajara, a tourada que desencadeou ainda estará na praça pública. E, já agora, nos jornais portugueses. A liberdade, felizmente, tem destas coisas.

Professor de Ciência Política