Exmo. Dr. André Ventura, ilustre líder do Partido Chega

Todos sabemos que o seu partido representa uma enorme franja do eleitorado mais descontente com o rumo que a política portuguesa tem seguido.

Também todos sabemos que o seu partido tem neste momento um pesado grau de importância no próximo acto eleitoral.

Tanto assim é que o seu “sucesso” não provém especificamente da qualidade das propostas apresentadas mas sim da sua capacidade intelectual e política para comunicar com um específico grupo de eleitores.

É conhecida a sua retórica parlamentar, e se muitos podem ficar agradados com a forma, grande parte da direita não se revê no seu discurso. Porém, há um facto que politicamente é inegável: a sua capacidade de comunicação às vezes é invejável. Não politicamente é certo, na medida que ela é vista somente como um acto de enorme coragem em dizer “coisas”  que até aqui não eram habituais no discurso parlamentar. Este é o seu único sucesso. A arte de discurso sem substância e sem soluções mas recheado de “verdades” que ninguém diz tão bem com V. Exa.

Nas várias sondagens que por ai proliferam, o seu partido está bem posicionado, no entanto parece certo que ninguém que se quer aliar a ele, sugerindo que existe por aí alguma doença contagiosa. É entendível que assim seja na medida que essa percepção é resultado da sua performance política que ao longo dos tempos se foi tornando, para além de desconhecido do eleitorado, num discurso de um manifesto abuso na linguagem parlamentar, mostrando a sua excessiva radicalização.

Foi uma escolha, uma táctica que pode estar a dar resultado.

Não discuto, aqui, nem a forma nem a substância da sua própria dimensão e desejo político, mas chegou o momento de lhe dar a importância devida.

Não a importância influenciadora de participação no próprio executivo, mas sim a necessidade que o eleitorado terá de saber – caso uma maioria de direita seja a escolha dos portugueses nas próximas eleições – se V. Exa., não sendo convidado para integrar um qualquer putativo executivo, deixa passar no parlamento um governo liderado por Montenegro. O futuro de um possível afastamento por ora do Partido Socialista do palco da política portuguesa também depende de si e do seu sério compromisso em ser claro.

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Repito a pergunta não vá dar-se o caso de não ter percebido ou de eu mesmo não ter formulado corretamente a questão: viabilizará ou não o Chega um governo liderado pelo PSD num quadro de minoria parlamentar?

É evidente que, ao invés talvez daquilo que muitos possam pensar, o PSD não precisará de falar com V.Exa, caso venha a sair vencedor.  É exatamente o contrário.

É o Chega que deve tomar uma posição, de preferência antes do acto eleitoral, em sossegar o eleitorado de direita e o seu próprio, dizendo-lhes que tudo fará para não se continuar de crise em crise. Está nas suas mãos.

Também é certo que se poderá pensar que o Chega possa ficar com um resultado acima do PSD e aí esta carta não faz sentido algum. Todas as hipóteses são válidas, seja à direita, seja à esquerda. Mas o cenário mais provável é outro.

A responsabilidade de não tornar Portugal ingovernável é neste momento também sua e por certo – estou convicto – V. Exa. não pretenderá correr o risco de ser o responsável por entregar de novo o destino do país nas mãos dos socialistas.

É impossível ignorar a sua presença no actual quadro político e é facto que as próximas eleições são um presente de Natal antecipado para o seu partido, sendo quem mais ganha com a actual crise.

Mas a questão a debater é só uma: que fazer com esse ganho?

Há “ganhos” momentâneos que nos aparecem na vida como se fosse o destino a querer mostrar-nos que o caminho não é por aí.

Vejamos se o presente que todos os dias os socialistas lhe dão não são um presente eventualmente envenenado para futuro.

Poderá caber-lhe a si, deitar abaixo um governo de direita sem maioria ou criar um clima desejável de governabilidade.

Fá-lo-á?

É essencial ser-se cristalino na resposta e ela só pode ter duas vias: ou o sim ou o não.

De facto, como muitos afirmam, o Chega é o principal beneficiário do próximo acto eleitoral, podendo continuar a aliciar um eleitorado não habitual e voltar a crescer como no passado.

A evolução do seu partido é resultado do descontentamento e de uma certa intolerância popular do qual o Chega tira um elevado proveito político para o qual em grande parte o socialismo contribuiu e continua a contribuir. Dir-se-á que o seu partido de pouca campanha precisará porque o PS fará o seu trabalho, e V. Exa dá todos os dias sinais do seu aproveitamento.

Propostas e discussão séria na verdade não é consigo. A sua preferência para crescer politicamente é outra. Se é a mais correta ou não, o futuro próximo dar-nos-á a resposta.

Mas ao contrário daquilo que muitos dizem, ou por outra, daquilo que muitos poucos afirmam, o momento crucial do Chega está por meses. A verdade da essência do seu partido é aguardada no mês de março.

É aí que ficaremos a saber ao que vem.

Pode ser muito positivo o crescimento do seu partido, mas também pode muito bem ser o seu fim político caso diga “não” a uma maioria de direita que se possa formar vinda da vontade popular de março sem exigências e sem dramas.

Porém, sou com V. Exa. o mais sincero possível; o ideal de facto seria não precisar do seu partido, mas como aceito a democracia e o estado de direito já que V. Exa. cá está não o posso ignorar.

O que na verdade receio é que V. Exa. ignore a vontade do povo português em dar ao parlamento uma maioria de direita para depois ser o ilustre Doutor a estragar tudo.