Lembra-se da iniciativa #EstudoEmCasa, lançada em Abril de 2020, em resposta à pandemia, com aulas transmitidas na RTP Memória e compiladas num portal digital? Lembra-se de a iniciativa ter sido alargada também ao ensino secundário no ano lectivo 2020/2021 e de o então ministro Tiago Brandão Rodrigues assinalar que a ferramenta seria «um companheiro para o estudo ao longo deste e dos próximos anos letivos»? Sim, é fácil lembrar: a iniciativa teve inquestionável impacto, mérito e mais-valia. Sobretudo se explorada enquanto complemento do trabalho feito com os professores na escola e em reforço da aprendizagem (e não em substituição do ensino presencial).

Entretanto, lembra-se de alguma actualização do #EstudoEmCasa nos anos lectivos 2021-2022 ou 2022-2023? Seria impossível lembrar-se do que não aconteceu. No final do ano lectivo 2020-2021, a iniciativa parou e foi desde então esquecida na prateleira. Quem consultar o site da iniciativa, alojado no portal da Direcção-Geral da Educação (DGE), encontrará um arquivo de vídeo-aulas datado para o ano lectivo 2020-2021, com os últimos conteúdos carregados em Junho de 2021. Dois anos de silêncio.

Porquê este silêncio abrupto? A iniciativa foi um sucesso, teve enorme publicidade e havia entrado nas rotinas domésticas, com muitas famílias a incentivarem os filhos a consultar os videos para revisão da matéria dada na escola. O potencial saltava à vista, ainda mais se tivermos em conta que uma aposta continuada converteria o repositório de vídeos numa espécie de “centro de estudos” digital e gratuito, à disposição de todos os alunos. Isto não é um pormenor: as desigualdades sociais são um flagelo educativo a que as escolas nem sempre conseguem responder, e que é ampliado pelas assimetrias económicas no acesso a explicações pagas. Ter uma oferta gratuita e acessível de aulas/explicações seria uma medida tão útil quanto importante.

Num contexto de recuperação da aprendizagem, este silêncio e este desperdício de potencial ficam ainda mais difíceis de aceitar. Ora, a justificação mais provável para o eclipse do #EstudoEmCasa parece-me ser também a mais óbvia: incompetência. A iniciativa surgiu num contexto de emergência, mas com a promessa de continuidade. E, infelizmente, no governo e/ou nas estruturas do Ministério, quem a liderou não fez a transição para um contexto de funcionamento normal das escolas. O que fez foi, simplesmente, arquivar. Após dois anos de silêncio, nas últimas semanas, os vídeos das aulas reapareceram muito discretamente num novo portal da DGE, intitulado “EstudoEmCasa@”, onde estão confusamente misturados com outros recursos educativos. O alegado objectivo é contribuir para o estudo autónomo, mas o resultado é fraco, pouco apelativo e de difícil navegação (ou seja, muito inferior ao portal original). Sinceramente, parece um arquivo morto para inglês ver. E, nesses termos, estará condenado à irrelevância — com escassa ou nula utilização por parte dos alunos e das famílias.

Trouxe esta semana a curta história do #EstudoEmCasa a esta coluna porque creio que ilustra bem duas faces da política portuguesa. Por um lado, a extraordinária capacidade de trabalhar sob pressão e de se superar nos contextos de emergência — neste caso, de montar uma estrutura eficaz de vídeo-aulas, em parceria com a RTP, em tempo recorde e em pandemia. Por outro lado, a angustiante incapacidade de planear, de se orientar pelo método e de levar a cabo projectos em contextos normais — neste caso, o desperdício do trabalho feito e do potencial do #EstudoEmCasa numa fase pós-pandémica. Felizmente, não vivemos sempre em contextos excepcionais. Infelizmente, isso faz sobressair o que temos de pior: uma cultura de desperdício, capaz de condenar até as boas ideias à irrelevância.

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