Em 2021, emigraram 66 mil portugueses, dos quais 25 mil de forma permanente. Em 2019, ainda antes da pandemia que condicionou a mobilidade da população, foram 77 mil emigrantes (28 mil permanentes). São, obviamente, números inferiores aos dos períodos de crise económica e do ajustamento financeiro (2011-2014), onde o máximo anual alcançou os 134 mil emigrantes (2014). Mas são, também, números muito superiores aos da década anterior: em 2001, emigraram 20 mil — em 2011 foram 101 mil e em 2021 os referidos 66 mil. Mesmo em anos recentes, como 2018, os números chegaram aos 82 mil emigrantes.

Mais interessante é observar as qualificações dos que emigram. Em 2014, 53% dos emigrantes tinham apenas ensino básico e 29% tinham ensino superior. Em 2019, o ano pré-pandemia para comparação, 42% dos emigrantes tinham ensino superior (e 28% tinham baixas qualificações). Ou seja, apesar de os números da emigração terem diminuído desde os anos de crise financeira, mas mantendo-se superiores aos de anos anteriores, a emigração teve uma alteração estrutural nos últimos anos: passou a ser maioritariamente mais qualificada.

Este facto tem duas leituras. Primeiro, a ausência de surpresa: a crescente qualificação da população jovem (que é a que mais emigra) teria inevitavelmente de fazer aumentar o nível médio das qualificações dos emigrantes. Segundo, a constatação de um desafio estrutural: esta oscilação não é apenas explicada pelas melhorias da qualificação da população, significando que, hoje, são sobretudo os jovens mais qualificados que não encontram, em Portugal, oportunidades profissionais que correspondam às suas formações e expectativas. Numa frase: a desconfiança no futuro surge, cada vez mais, entre jovens mais qualificados.

O discurso político está a milhas de abordar este assunto com um mínimo de seriedade, fixando-se em narrativas redondas. Há dias, o primeiro-ministro pediu-nos que tenhamos “confiança no futuro”, na sua Mensagem de Natal, na qual afirmou que Portugal está no “pelotão da frente para vencer os desafios do futuro”. Já o havia feito, por exemplo, em 2016, data em que a sua Mensagem de Natal foi filmada num jardim-de-infância, onde assinalou a aposta nas qualificações e “nos empregos de qualidade”, de modo que a geração mais qualificada de sempre não fosse “forçada a emigrar”. Aliás, podemos recuar mais ainda: em 2015, o mote da sua campanha eleitoral havia sido “é tempo de confiança”, em nome de uma “alternativa de confiança”. Toda a retórica de António Costa está alicerçada neste conceito: o PS é factor de confiança no futuro, contribuindo para o desenvolvimento social e económico do país — e, do lado oposto, a direita representa um regresso ao passado, um retrocesso e um bloqueio às aspirações de ascensão social das famílias portuguesas.

Os dados da emigração são apenas um exemplo de como este discurso político vai colidindo com a realidade. Basta olhar à volta: numa economia em perda competitiva, numa educação em que se alegam milagres durante a pandemia, numa saúde onde colapsam os serviços públicos. Enfim, já o tenho escrito tantas vezes que me escuso a repetições. O meu ponto agora é este: se estas narrativas persistem e se ainda tantos optam por acreditar nelas, validando nas sondagens um governo com inúmeras provas de incompetência, a principal conclusão a extrair daqui é a incompetência da oposição — neste caso, do PSD, maior responsável por mobilizar os eleitores para uma alternativa. É certo que a herança de Rui Rio é pesadíssima. Mas as coisas são como são: ou 2023 é o ano de afirmação do PSD no papel de líder da oposição, ou 2023 será mais um ano penoso de discursos oficiais em que nos pedirão para confiar num Portugal de futuro cada vez mais improvável.

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