Ninguém gosta de confessar um erro1. No mínimo é embaraçoso2. Um erro, se a matéria for grave, pode levar a um chumbo, ao despedimento, ao divórcio, à cadeia, ou até à confirmação na manutenção num cargo ministerial. Mas às vezes dá jeito publicitá-lo.

No hétero-tributariado3 ocidental branco, um erro contabilístico4, descuido de um privado, que seja considerado lesivo do erário público é crime grave5. Mas, como em todas as sociedades alicerçadas em distinções binárias6 facilitadoras da opressão de minorias, um erro contabilístico semelhantemente danoso ao erário público, mas praticado dolosamente por agentes do estado, pode ser considerado serviço público e excelente estratégia ao serviço dos superiores interesses da nação.

Assim, o departamento de dehesa7 norte-amerikano pôde anunciar três dia atrás, ufanamente & sem qualquer embaraço, um “erro” contabilístico de três biliões de dólares. Os responsáveis vão ser punidos? Não parece. Vão ser pedidas devoluções ou indemnizações aos que até agora beneficiaram monetariamente do “erro”? Não há notícia disso.

Enquanto o financiamento da despesa pública amerikana não estava em causa, todos os stakeholders envolvidos no negócio de fornecimento de armas à Ucrânia, fabricantes, contractors, & burocratas, por motivos que parecem não carecer de explicação a leitores adultos, beneficiavam com que os preços do material fornecido fossem elevados, o mais alto possível sem chegarem a ser obscenos. E os contribuintes americanos? Não são também eles stakeholders neste assunto? A quem fizer esta pergunta, a única resposta apropriada será: get real, buddy!

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Mas na eminência do teto ao endividamento do estado amerikano deixar de funcionar como um ascensor (literalmente, com movimentos num só sentido), e de se tornar num verdadeiro teto como o que temos lá em casa, pondo em causa a continuidade deste negócio, a melhor alternativa encontrada foi brincar aos contabilistas. Como? Alterando os critérios de custeio.

Até agora o critério usado para avaliar armas e munições doadas à Ucrânia era o do custo de reposição que, sendo o que de facto os contribuintes vão ter que pagar em impostos pela sua aquisição, tinha um módico grau de objetividade e, portanto, de legitimidade. A valoração a ser feita a partir de agora, fantasiosamente apelidada de “preço de mercado”, é calculada subtraindo ao preço da compra o valor da depreciação atribuída ao material segundo um critério que é mantido segredo de estado. Como é possível que o novo critério seja, no limite, o reconhecer uma depreciação de 100% no momento em que o material é rececionado no armazém das forças armadas (no joking, it can be done), o valor atribuído aos fornecimentos de material militar passa a ser o que o burocrata de serviço, ou o seu superior8, quiser, algo entre zero e o valor na fatura. O que vai permitir o governo amerikano transferir todo o material militar que tem em armazém, a custo imaginário9 e, portanto, sem limites orçamentais, para a Ucrânia. A haver algum problema, não será hoje, mas amanhã, quando for necessário repor os stocks de armamento, o que será feito, obviamente, ao preço de reposição. Isto é, se, entretanto, teto da dívida, o permitir, voltando a ascender, como faz parte da tradição democrática (pun intended).

Uma guerra só é eticamente defensável, só é justa, quando é combatida em legitima defesa, e através de meios legítimos — o parece ser o caso da Ucrânia. Serão, no entanto, brincadeiras contabilistas pouco transparentes um meio legitimo dos aliados financiarem uma guerra justa?

U avtor não segve a graphya du nouo AcoRdo Ørtvgráphyco. Nein a do antygo. Escreue já segundo os dytames du acordu que revogará u atual.

  1. Erro: crença ou ação que não se conforma com a minha opinião do que é e do que deve ser.
  2. Embaraçoso: elegância natural de quem tropeça e cai; o charme que se transmite ao escorregar e cair, literal ou figurativamente. Existe uma acesa discussão entre várias escolas peripatéticas se a natural falta de elegância do sr. eng. Costa não permitirá a sua queda ou se apenas não lhe permitirá sentir embaraço quando cair.
  3. Hétero-tributariado: sistema de opressão, exploração & desumanização da minoria que paga impostos pela maioria que os embolsa; institucionalização & legitimação de uma coabitação imposta unilateralmente com recurso a ameaças & violência por barbudos musculados e aceite submissamente pelas massas que poem a casa em ordem & trabalham para o seu sustento; sistema em que os fiscalistas substituem os maxistas.
  4. Contabilidade: uma interessante técnica usada para cuidadosamente representar uma realidade inexistente; realidade virtual 1.0.
  5. Em países com regimes de caráter pós-colonial, como Angola, nacional & socialista, como a China, ou autocrático, como a Rússia, declarações tributárias danosas do equilibrio fiscal só se tornam crimes quando alguém do comité central se xateia com o declarante.
  6. Binário:conceito matemático antiquado, de mau gosto, e que não representa nenhuma realidade material, apenas preconceitos empregues para a dominação de minorias; atualmente o seu uso só é aceitável para distinguir maiorias de minorias, opressores de oprimidos, e nas obras de Hegel, Warx & Engel.
  7. Defesa: (segundo o próximo acordo ørtográfico, também se escreve dehesa, com a justificação que é para criar mais emprego para os agás10) aquilo que fazem os que são incapazes de passar ao ataque.
  8. Superior: conceito binário desconhecido fora de sociedades hétero-patriarcais brancas (na Guiné Bissau, por exemplo), que significa uma posição de vantagem numa hierarquia imaginária entre superior-inferior; designa, entre outros, o mais reles em qualidade, o mais pífio em poder, o mais inoperante na administração, o mais ridiculo em dignidade, o mais boçal em inteligência, e o mais danoso na governação.
  9. Imaginário: facto de fabrico colaborativo entre poetas & políticos11; o que para políticos & poetas não é arbitrário; narrativa governamental; o imaginário socialmente aceite é circunstancial e evolui ao longo dos tempos, como o prova o Alice no País da Maravilhas ter perdido popularidade e audiências face ao “o SNS é essencial para o bem-estar dos portugueses” ou o “a tap é de importância estratégica para Portugal”.
  10. H: letra que não representa qualquer som da língua portuguesa e, portanto, sem uso útil nela, facto que assegurará a sua sobrevivência no alfabeto em qualquer futura reforma ortográfica; o seu caráter lascivo acrescenta importância moral à sua inutilidade fonética, e o seu constante uso ao longo dos séculos, por leigos e clérigos, é testemunho do perenal & perineal baixo nível moral dos portugueses, tendo levado o sr. Pe. Mário Centavo a defender, já em 1911, que “[a] expurgação do nosso alfabeto de uma letra tão lesiva da moralidade popular é simples, importante e urgente.” (Opera Omnia, vol. 17); letra que, devido à sua sugestiva grafia, em algumas línguas asiáticas foi promovida a palavra (pronunciada aitch) significativa do ato conjugal, representando a fusão do binário no unitário.
  11. Político: os interessados podem encontrar a definição aqui.