Eu vou começar de novo. Vou acordar todas as manhãs – inclusive naquelas mais cinzentas em que me levantar pareça uma violência atroz às minhas verdadeiras vontades – e vou começar outra vez. Vou lavar meu rosto, comer uma fruta e vou dizer bom dia, mesmo que ainda não tenha lá muita certeza se o dia poderá ser verdadeiramente bom.

Eu vou trabalhar sem me queixar. Num mundo no qual o desemprego cresce de forma galopante, eu não vou reclamar por ter aquilo que tantos queriam ter. Sim, em alguns dias pode ser que eu resmungue. Em outros, posso não estar lá muito produtiva. Mas eu vou trabalhar sem me mostrar contrariada como uma criança mimada, que reclama por ter que comer um peito de frango no almoço de terça-feira, porque na verdade queria uma pizza.

E eu vou cuidar de alguma planta. De preferência  alguma que não morra muito facilmente em minhas mãos. Talvez um cacto. Talvez um bonsai. Talvez uma orquídea. Não sei qual, não entendo do assunto, nem levo jeito, nunca levei. Mas eu vou começar a tentar ter alguma paciência para elas. Dizem que é bom e eu estou precisando de coisas boas.

Eu vou ouvir música prestando atenção nas letras. Vou ouvir músicas que eu escolha, em vez de deixar algoritmos ou programações de terceiros fazerem isso por mim. Eu vou ouvir mais Chico e mais Gil e mais Caetano e mais Milton. Eu vou ouvir mais música francesa, mais música latina, mais música africana. Eu não quero mais ouvir as 50 mais tocadas, ensinando meus ouvidos a serem quem não sou, como uma espécie de adestramento de cães, mas com pessoas.

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Eu vou cuidar de mim. Vou me deitar um pouco mais cedo, sem me deixar engolir pela tela do celular. Vou acordar antes do horário do costume. Vou ler mais romances. Vou comer mais coisas saudáveis – inclusive para poder comer as porcarias que adoro sem grande culpa. Sei que esse parece o papo furado de todos os anos. Mas esse ano, por tudo o que houve, acho que eu quero isso de forma bem genuína.

Eu vou amar de forma leve. Vou falar de forma mais calma, vou ouvir com mais paciência. Sei que nem sempre vai ser fácil. Sei que, como em todos os anos, eu vou querer berrar em alguns momentos. Mas eu vou respirar fundo e me controlar. Eu não vou deixar que o amor ganhe os contornos burocráticos que o dia-a-dia insiste em sugerir. Eu não vou esperar receber mais do que dou, nem vou insistir em dar mais do que os outros precisam. Eu vou amar devagar.

Eu vou gastar mais tempo rindo do que me queixando. Vou pensar duas vezes na minha forma de falar com as pessoas. Vou ler mais poesia do que legendas de fotos do instagram. Vou prestar mais atenção na minha respiração do que na roupa dos outros. Nem sempre vai ser fácil, hábitos ruins gostam muito de falar alto. Mas eu quero ser diferente. Eu vou acordar e me lembrar do quão abençoada sou, com meus lençóis limpos e minha água encanada. Eu vou me sentar na cama e ser grata. E vou recomeçar. Vou recomeçar todos os dias.