“A maioria absoluta que nos foi concedida não significa poder absoluto. (…) Só comprometendo-nos com o diálogo social, mobilizando a sociedade civil e acolhendo os contributos positivos dos outros partidos políticos poderemos continuar a avançar. Por isso, saberemos ser uma maioria de diálogo. De diálogo parlamentar, político e social.”

António Costa, 30 de março, discurso na tomada de posse do XXIII Governo Constitucional

1 Quem me lê regularmente, sabe que faço parte do grupo que não pode estar surpreendido com a personalidade política que o primeiro-ministro tem mostrado nos últimos meses. A arrogância, a soberba e o autoritarismo são cada vez mais notórios para os mais distraídos mas este é o António Costa que eu conheço dos tempos em que acompanhava profissionalmente o PS.

Se a explicação para o comportamento de Costa residisse no cansaço ou até na falta de sono (a acreditar na explicação ataboalhada do próprio primeiro-ministro), tudo se resolveria com umas férias, uns Xanax ou até mesmo com uns simples e naturais Valdispert. Infelizmente, o problema é estrutural. O António Costa que temos visto é o verdadeiro Costa.

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É claro que @realantoniocosta será agora escondido com o Natal e a passagem do ano. Mas, acredite caro leitor, ele regressará rapidamente.

2 A entrevista que António Costa deu à revista Visão é um documento extraordinário e deve ser guardado por muitos e bons anos. Nas universidades de verão dos partidos e nos cursos de comunicação política deve ser distribuída aos alunos como um exemplo de tudo aquilo que um primeiro-ministro não deve fazer. Pelo menos, um chefe de Governo de um país da União Europeia.

O primeiro statement de António Costa é simples: ele é o único que consegue perceber a real vontade dos cidadãos portugueses. Porquê? Porque tem uma espécie de ligação direta aos eleitores que lhe permite perceber os seus anseios. Não será certamente através do famoso focus group do Largo do Rato mas sim através de algum poder sobrenatural só ao dispor do super-herói socialista.

Todos os outros — a oposição, a comunicação social que o escrutina (porque há outra que não o faz) ou alguém que ouse criticar ou escrutinar a excelência, o senhor primeiro-ministro — vivem numa “bolha”.

Os tipos do PSD “falharam em tudo” (“estão furiosos e ainda não digeriram a fúria”), os da Iniciativa Liberal são uns “queques, quando tentam guinchar, ficam ridículos perante o vozeirão popular que o Ventura consegue fazer” e a comunicação social (a “bolha mediática”) segue o que é produzido pela “central de produção de soundbites da direita” — que deve ser uma espécie de fenómeno do Entroncamento — e só dá trabalho, imagine-se!, aos fabulosos assessores de imprensa do Governo do dr. António Costa.

Está claro que Costa não perde “um segundo” com os “casos e casinhos” dos jornalistas que perturbam durante “duas horas” os assessores de imprensa do Governo e os impedem de fazer “outros trabalhos” — o que me deixou na dúvida sobre que “outros trabalhos” seriam esses. Certamente que algo muito produtivo e sempre em defesa do interesse nacional.

3 O único personagem político que se safa nesta espetacular auto-avaliação é, claro, o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa — com quem tem uma relação “impecável” mas, acrescenta, os “Presidentes não existem para criar problemas mas para criar a unidade nacional”. Em redor da maioria do PS, entenda-se.

É por tudo isto que o dr. Costa proclama para todos (incluindo o Presidente Marcelo) com a maior humildade possível: “Habituem-se! Vão ser quatro anos (…)!. A democracia é isso: respeitar os resultados e a vontade dos portugueses.”

Não está mau para quem tem apenas nove meses de maioria absoluta — mas tem sete anos como primeiro-ministro. Como tem poderes sobrenaturais, deve ser assim que Costa interpreta o exercício da “maioria de diálogo parlamentar, político e social” que prometeu no discurso de tomada de posse do seu Governo a 30 de março de 2022.

Mais: é assim, atuando com um primeiro-ministro que está acima de tudo e de todos, que se constrói uma maioria absoluta que “não significa poder absoluto.”

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Mais do que a evidente arrogância e soberba — que Ricardo Araújo Pereira tão bem evidenciou este domingo —, e as contradições entre aquilo que diz e o que faz arrogância e a soberba, é a queda de António Costa para o autoritarismo que é seriamente preocupante quando este Executivo ainda tem quatro anos para governar.

Se há questão que me surpreendeu foi o facto de terem sido necessários apenas alguns dias para se comprovar pela boca do próprio Costa tudo o que escrevi há oito dias nesta coluna: será a questão ética a derrubar a maioria absoluta do PS.

Se os insultos que dirige a tudo e a todos já são mais do que uma prova suficiente disso mesmo, há, contudo, outros exemplos a mostrar.

Desde logo, o facto de o país não ter absolutamente problema algum. É uma espécie de país cor-de-rosa que viu a luz quando elegeu António Costa em 2019 e em 2022 e concordou em a Geringonça em 2015.

É que não há mesmo nenhum problema no Serviço Nacional de Saúde, na execução do Programa de Recuperação e Resiliência e a famosa ausência reformas estruturais.

Pelo contrário, Costa já fez coisas incríveis ao fim de sete anos que mudaram o país de alto a baixo: uma descentralização (que ninguém vê), um aumento de 53% do orçamento do SNS face a 2015 e o abandono escolar que passou de 13,7% em 2015 para 6% em 2021.

Basta nos concentrarmos nas duas últimas para percebermos a forma utilitária como António Costa vê a política: despejou dinheiro em cima do SNS, aumentou o orçamento para quase 13 mil milhões de euros anuais e os resultados continuam a ser muito escassos ou quase nenhuns.

O abandono escolar melhorou também devido às políticas da educação seguidas por outros governos anteriores — lamento mas o PS não criou o país. Tal como muitos professores abandonaram as escolas por causa de aposentações previsíveis e o Governo Costa não conseguiu organizar uma substituição geracional e organizada. Resultado: há crianças e jovens que não têm professores, logo não podem ter aulaas

5 Acresce a tudo isto outro ponto relevante. António Costa desvaloriza a preocupação de muitos com a expetativa da Roménia ultrapassar Portugal em 2024 no ranking dos países da UE em termos de PIB per capita.

O primeiro-ministro prefere comparar-se com a comparação com a Alemanha para desvalorizar os crescimentos dos países de leste europeu, esquecendo-se de uma questão básica: se os países de leste continuarem a crescer o dobro ou o triplo de nós, vão chegar mais depressa perto da Alemanha.

Preparem-se: será esse @realantoniocosta que vamos ver cada vez mais vezes até ao final do seu tempo de primeiro-ministro.

Nada é eterno — muito menos em política. E se o @realantoniocosta persistir em desonrar o mandato que os portugueses lhe deram, com atitudes impróprias de um primeiro-ministro de um governo da União Europeia, mais curto será o seu mandato.

Até o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa será obrigado a fazer alguma coisa. Por alguma razão avisou António Costa no dia sua tomada de posse que em democracia não há lugar para “poderes absolutos”.