O resultado  das eleições italianas deve preocupar sobremaneira os italianos, a União Europeia (UE) e também os Portugueses. O impacto na EU, na zona euro e na credibilidade da democracia será provavelmente muito mais forte que os resultados do referendo britânico. Felizmente que, à boa maneira europeia, as ondas de choque deste pequeno tsunami eleitoral chegarão em doses espaçadas no tempo. No próximo dia 23 tomarão posse os novos deputados e senadores e só depois o presidente Mattarella começará a ronda de contactos com os partidos políticos para saber quem tem condições de formar uma maioria política parlamentar e que programa político pretende implementar.

O facto de os grandes vencedores (5 estrelas e Liga), que juntos representam a maioria dos deputados e senadores, serem partidos anti-sistema, populistas, e eurocépticos mostra sobretudo duas coisas: o declíneo económico de Itália e a sua estrutural incapacidade de reformar as suas instituições.  Em vários indicadores económicos relevantes (peso da dívida no produto, emprego, desemprego jovem, crescimento económico, etc.) o desempenho de Itália não só é mau como do ponto de vista relativo está a agravar-se o seu ranking no contexto europeu. OPIB real (per capita) em 2018 estará ainda cerca de 9% abaixo do de 2007! Na taxa de desemprego em 2017, pior só mesmo a Grécia, a Espanha e eventualmente a Croácia. O peso da dívida pública é a segunda maior da Europa. Não admira que os italianos estejam desiludidos com este mau desempenho económico, que sobretudo é positivo nas contas externas (mas estas não têm reflexos no dia a dia da generalidade dos cidadãos). A Europa é um bom e conveniente bode expiatório para estes problemas.

O declíneo italiano é também visível na incapacidade de reformar as instituições o que não deixa de ser algo paradoxal num país de tão argutos e diversos cientistas políticos desde Nicholà Machiavelli a Norberto Bobbio. Matteo Renzi (do partido democrático) teve razão nas propostas de alteração  da constituição para implementar as reformas de que o país necessita. Acontece que a própria Constituição italiana está “blindada” a alterações, pois para além de propostas de alteração terem de ser aprovadas nas duas câmaras, caso sejam aprovadas com maioria absoluta mas não qualificada (como aconteceu), podem ter de  passar também o crivo de um referendo. A derrota do referendo de revisão constitucional não foi apenas a de Matteo Renzi foi simbolicamente a demonstração da incapacidade de reformar em processo democrático ordinário as instituições italianas.

A razão porque estou pessimista em relação ao futuro de Itália é que não vejo nenhuma solução plausível de governo que, na eventualidade de ser formado, consiga aprovar o primeiro orçamento de Estado.  Os líderes dos dois partidos mais votados  Luigi de Maio (5 estrelas) e Matteo Salvini (Liga), poderão conversar e têm algo em comum (crítica à globalização, contra as reformas do mercado de trabalho de Renzi/Gentiloni, contra as regras europeias).  Mas quando chegasse ao Orçamento de Estado a Liga (direita) quer um imposto sobre rendimento de taxa única, o 5 estrelas  (híbrido, mas com eleitorado mais à esquerda) opõe-se firmemente. Como aprovariam um orçamento? Uma eventual aliança Liga/5 estrelas, não duraria um ano no governo e seria um pesadelo para a Europa. Do mesmo modo, uma coligação 5 estrelas com Partido Democrático (PD), não só seria extremamente instável como levaria provavelmente à irrelevância do PD que provavelmente a recusaria.

Nada de bom ou simples resultou destas eleições e se a Itália é grande demais para falhar, ou resgatar, não resulta daqui que o final desta história política não acabe mal.

PS. A partir de hoje o Autor escreve quinzenalmente ao Domingo.

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