Para perceber o que é o mundo ocidental é preciso recuar à Grécia Antiga. Para compreender o que pode ser Pedro Nuno Santos como primeiro-ministro é preciso recuar à Grécia assistida, de 2015. Alexis Tsipras começou por escolher um ministro das finanças radical, namorou Putin, pediu indemnizações pela ocupação nazi a Berlim, mas acabou quase só a governar com a troika e sempre em austeridade. Com a chegada ao poder, a realpolitik ganha sempre à ideologia e Pedro Nuno, já bem mais moderado que o Syriza, está condenado, mesmo em geringonça, a um aggiornamento que o aproximará mais do centro. Esse processo já começou. E tem precedentes.

Num mês, numa manhã, o mundo mudou. O Pedro I, rebelde, deu lugar a um Pedro II, ponderado. Sobre a localização do Novo Aeroporto de Lisboa, o antigo ministro defendia, a 9 de outubro, a solução Portela+Montijo e até disse que “o país já estudou tudo o que havia para estudar”. A 13 de novembro, o Pedro ponderado já defendia que é preciso “olhar para o trabalho da comissão técnica” antes de tomar decisões e concluía com um “temos que ver”.

Num voo rasante à privatização da TAP, o Pedro rebelde defendia que o Governo não era “obrigado” por Bruxelas a privatizar, nem sequer parcialmente. Um mês depois, o Pedro ponderado continuava a querer que a companhia ficasse nas mãos do Estado, mas deixava uma aberta: “Temos de fazer uma avaliação sobre o que podemos perder, se perdermos a maioria do capital da empresa.”

O Pedro de outubro disse que teria feito um “orçamento diferente”, que utilizaria o excedente orçamental para aumentar médicos e professores e que reduziria a dívida a ritmo mais lento, já o Pedro de novembro promete executar o orçamento tal como Fernando Medina o desenhou e só fazer diferente em 2025.

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No auto-retrato ideológico, o novo Pedro não teve uma única referência à palavra “socialismo” no discurso de apresentação da candidatura no Largo do Rato e apressou-se a dizer frases como “eu não sou a esquerda” (em entrevista à SIC, na mesma noite) ou “sou um social-democrata” (após um almoço com Álvaro Beleza). Anda ainda de mão dada com Francisco Assis, para que os eleitores moderados acreditem no adágio popular “diz-me com quem andas, dir-te-ei quem és”.

A moderação nem sequer é original. O Pedro de novembro tem parecenças com o já testado Pedro no poder. Como ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos validou o despedimento coletivo da TAP em 2021 (que o Tribunal do Trabalho arrasou), já para não falar da indemnização semi-milionária a Alexandra Reis e — só depois de deixar o cargo — o Governo avançou com o arrendamento coercivo na habitação.

Pedro Nuno Santos é muito mais filho de empresário do que neto de sapateiro. E não há qualquer problema em um político, mesmo de esquerda, ser rico. Mesmo que se esforce por mostrar que não é, na forma envergonhada como vende um Porsche ou compra um Defender ainda mais caro. Condição de político-rico que, porventura, só a ele importa e a meia-dúzia de grupos de chalupas numa página das redes sociais de apoio um juiz qualquer.

É compreensível que Luís Montenegro queira vender a ideia de que o “camarada Pedro” é o novo “companheiro Vasco” — para assustar o eleitorado com um papão marxista –, mas há muito que Pedro Nuno Santos teve a sua personal perestroika. O candidato à liderança do PS é mais das mesas do Procópio e do Foxtrot do que da mesa da Voz do Operário. Mais do Darwin’s do que da casa do Alentejo. E, definitivamente, mais Burberrys do que Varoufakis.

Contra o que ele próprio pensa, o Pedro primeiro-ministro, se algum dia lá chegar, será muito mais um António Costa do que outra coisa qualquer. Tentará, como o original, meter a esquerda no bolso com cedências em dossiers-símbolo como a TAP, a Palestina e mais uma ou outra prestação social. No fim do dia, vai acabar — bem comportado, europeu e até atlanticista — à mesma mesa que Scholz e Macron a decidir o que Lagarde deixar. E os banqueiros alemães vão adorar.

Nota: Apesar das novas funções de Rui Tavares como provedor nacional da semântica, optei por utilizar o termo “camarada” — utilizado por Luís Montenegro no Congresso do PSD — tendo sido preterido o uso da palavra “companheiro”, termo pelo qual Vasco Gonçalves era referido pela propaganda revolucionária do MFA, do PC e de outros.