No início do debate com André Ventura na RTP, o jornalista José Adelino Faria começou por colocar a Luís Montenegro a questão de saber se, em caso de vitória do PS sem maioria absoluta, o PSD viabilizará um governo minoritário socialista. Perante a incómoda mas pertinente pergunta do moderador, Montenegro optou por evitar responder. Preferiu, em alternativa, proferir uma longa exposição sobre as razões que o levam a rejeitar qualquer possibilidade de entendimento com o… Chega. Apesar de reafirmar uma vez mais o “não é não” face ao CH, Montenegro não excluiu a possibilidade de viabilizar um governo liderado por Pedro Nuno Santos refugiando-se na ideia de que está focado numa vitória da AD e recordando que só governará se vencer as eleições.

 

A resposta de Montenegro foi sintomática do jogo do empurra em que PS, PSD e CH se encontram actualmente envolvidos. De facto, depois das eleições regionais nos Açores e no caminho para as legislativas nacionais de 10 de Março, Pedro Nuno Santos, Luís Montenegro e André Ventura parecem cada vez mais protagonizar um jogo em que cada um procura desresponsabilizar-se de possíveis cenários de instabilidade e ingovernabilidade ao mesmo tempo que tenta passar para os seus adversários políticos essas mesmas responsabilidades.

O problema é que nenhum dos três tem condições para apresentar uma narrativa perfeitamente consistente. Senão vejamos: o PS tem um óbvio problema de coerência quando simultaneamente agita o papão do Chega mas não se dispõe a viabilizar sequer a entrada em funções de um governo minoritário liderado pelo PSD. Se o argumento de que qualquer aproximação do CH ao poder constitui uma grave ameaça à democracia e ao regime é para levar a sério, então não se percebe como, perante tal ameaça, as diferenças programáticas entre PS e PSD servem para justificar a inviabilização da possibilidade de um governo minoritário, empurrando objectivamente o PSD para os braços do CH. É verdade que qualquer entendimento entre PS e PSD se arriscará a potenciar ainda mais o crescimento do CH mas, se a ameaça que o partido liderado por André Ventura representa é tão dramática como o PS a apresenta, então é simplesmente incompreensível que o PS não faça tudo o que for democraticamente possível para afastar o CH da esfera da governação.

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Relativamente ao PSD, há também um problema de coerência de muito difícil – ou mesmo impossível – resolução. Desde que cedeu ao clamor conjunto das esquerdas e de uma parte da direita para rejeitar em absoluto qualquer possibilidade de negociação com o CH (o célebre “não é não”) que Montenegro ficou dependente, para poder governar, de que a AD consiga uma maioria absoluta (sozinha ou com IL) ou, em alternativa, que CH ou PS viabilizem um governo minoritário por ele liderado. Ora, por um lado, não parece muito razoável contar com a viabilização de um partido – o CH – com quem se rejeita qualquer possibilidade de conversação ou entendimento. Mas, por outro lado, também não será coerente pretender que o PS viabilize um governo minoritário liderado pelo PSD sem se dispor a viabilizar um governo minoritário liderado pelo PS. O que por sua vez coloca a Montenegro o risco paradoxal de um voto na AD poder ser percepcionado como um voto potencialmente utilizado para viabilizar a continuação do PS no poder.

Por último, também o Chega enfrenta potencialmente um problema grave de coerência. André Ventura apresenta-se como o maior inimigo do “sistema” e afirma como prioridade retirar o PS do poder mas o crescimento do CH poderá, paradoxalmente, ser o seguro de vida do PS para continuar a governar. Num cenário de governo minoritário liderado pelo PSD, se as linhas vermelhas estabelecidas por Montenegro se mantiverem, restará ao CH escolher entre duas opções muito difíceis: viabilizar de forma humilhante um governo minoritário ou aliar-se objectivamente ao PS para impedir o PSD de governar.

Perante este panorama, cada um dos três partidos procura construir e fazer passar a narrativa que mais lhe convém e apresentar as restantes alternativas como implausíveis. Os adeptos mais entusiastas em cada campo – assim como os analistas e comentadores mais alinhados – batem palmas e reforçam a respectiva narrativa num misto de wishful thinking e de negação da plausibilidade de leituras alternativas. O resultado é que acabam os três a falar para as respectivas audiências cativas, com perspectivas bastante limitadas de persuasão fora das respectivas esferas. Terá melhores resultados partidários quem conseguir ter melhor desempenho nesta batalha de narrativas mas talvez o resultado mais certo para o país perante a proliferação de linhas vermelhas seja que a instabilidade política está para durar.