1. Lentamente, mas de forma segura, o PS António Costa vai aumentando a sua influência sobre o aparelho do Estado e sobre a sociedade civil. Com o Presidente Marcelo concentradíssimo nas suas taxas de popularidade, os socialistas vão atacando tudo o que mexe que não seja do seu agrado. Ora atacando a independência das entidades reguladoras, ora controlando órgãos incómodos como o Conselho de Finanças Públicas, ou preparando a nomeação de um fiel compagnon de route ou até mesmo de uma camarada do PS para o Banco de Portugal.
Uma boa prova dessa atração por um regresso ao passado do tenebroso consulado José Sócrates é o veto que o Governo fez à presença de Álvaro Santos Pereira em Portugal para apresentar, enquanto diretor da OCDE responsável por essa área, o relatório sobre a economia nacional.
Esse veto é, aliás, uma típica manobra socrática:
- Pela intolerância. Vetar alguém, e logo um português que é titular de um alto cargo internacional, só porque não é da cor política do Governo e porque fala de temas incómodos como a corrupção, revela intolerância.
- Pelo autoritarismo. É uma espécie de quero, posso e mando de António Costa. Já que o tema da corrupção foi escolhido pela OCDE ao arrepio da vontade do Governo, há esta manifestação de força para que sirva de exemplo para o futuro.
- Pela censura. Se Sócrates tinha um especial gosto em controlar a comunicação social, escolhendo direções editoriais, financiando administrações de jornais e interferindo ativamente nas respetivas linhas editoriais, António Costa começa pelos relatórios das instituições internacionais. É um caminho que, no futuro, poderá ter intersecções com aquele que foi feito por José Sócrates.
É caso para perguntar: se fazem isto em minoria e em aliança com a extrema-esquerda, o que fariam com maioria absoluta — ou em aliança com Rui Rio?
2. É difícil imaginar um erro tão crasso deste Governo como esta manobra de censura do relatório da OCDE sobre o tema da corrupção. Compreende-se que o PS não queira ouvir falar do assunto mas pressionar publicamente a OCDE, como o ministro Santos Silva fez no início de janeiro ou como o seu colega Pedro Siza Vieira repetiu mais recentemente, prejudica politicamente o Governo. Sem que nenhum partido político possa dizer que está imune ao fenómeno da corrupção, o PS é, porventura, o partido que tem mais a perder com a entrada do tema da corrupção na agenda da Opinião Pública Quanto mais se falar de corrupção, mais se falará de José Sócrates e de Armando Vara, logo mais se falará dos Governos do PS.
Certo é que os socialistas não podem fazer de conta que a acusação devastadora de corrupção feita ao ex-primeiro-ministro do seu partido não existe, que o encarceramento de um ex-administrador da Caixa Geral de Depósitos e ex-ministro do PS não se verificou, que os buracos na Caixa se devem única e exclusivamente à incompetência dos gestores ou que a prisão do ex-ministro Isaltino Morais (PSD) por fraude fiscal qualificada e a prisão iminente de um ex-líder parlamentar do PSD (Duarte Lima) sejam matérias de uma série brasileira de ficção da Netflix. Ou como se os imensos casos de investigações a titulares de cargos políticos nos últimos fosse uma teoria da conspiração saída da cabeça do ‘vice-primeiro-ministro’ Rui Rio.
Realmente, o ministro Pedro Siza Vieira tem razão: é chato quando comparam Portugal com o Iraque e a Nigéria. Mesmo que isso nunca tenha sido escrito no relatório da OCDE, vale a pena enfatizar a criatividade literária (ramo ficção de cordel) de Siza Vieira para percebemos como este Governo funciona em termos de comunicação: com recurso frequente à omissão e ao engano, constrói uma espécie de realidade paralela.
3. Se a censura ao relatório da OCDE se concretizou sem surpresas, o mesmo aconteceu com a remodelação anunciada este domingo. Trata-se de uma remodelação que revela bem como o Governo está esgotado. Além de escolher jovens turcos que lhe devem o poder político que têm (Pedro Nuno Santos e Duarte Cordeiro) e técnicos que conhece da Câmara de Lisboa (Nelson de Souza), o primeiro-ministro tem também bastante atenção à família Vieira da Silva, tal como já tinha tido ao casal Ana Paula Vitorino e Eduardo Cabrita.
É deveras estranho que um partido que está confortavelmente no poder, a oito meses de umas eleições legislativas que deverá ganhar de forma folgada, não seja capaz de se reinventar, de ousar e de surpreender. Pior: que não tenha uma base de recrutamento que vá além do aparelho partidário e do círculo social do seu líder.
Este é mais um indício que vêm aí tempos difíceis. Com a economia a desacelerar claramente, como poderá António Costa ter capacidade para enfrentar tempos económicos mais difíceis quando perdeu quatro anos a distribuir rendimentos sem mudar nada de estrutural no país? Quantos anos vamos perder até vermos o óbvio sobre este Governo?
Uma última palavra para o Conselho de Família em que se transformaram as reuniões do Conselho de Ministros. É claro que, com o PS no poder, nada disto é problemático para a maioria dos analistas políticos. É que a incapacidade de contratar fora do aparelho partidário ou do círculo pessoal só se verifica, obviamente, com os incompetentes da Direita. Já o nepotismo não é uma questão de incompetência — é mesmo uma condição natural da Direita à qual a Esquerda é imune por obra do Espírito Santo.
Escrevia eu há umas semanas que a falta de pluralismo é um dos grandes problemas sociedade portuguesa — e é. Mas tenho de acrescentar os double standards (vulgo dois pesos e duas medidas) sobre as exigências divergentes que se fazem à esquerda e à direita. Imagine-se, por exemplo, que Bagão Félix (ministro da Segurança Social como Viera da Silva) ‘levava’ a sua filha para o Governo de Durão Barroso — ou que Teresa Leal Coelho era nomeada por Passos Coelho como ministra do seu Governo, ao mesmo tempo que o seu marido Francisco Menezes era ministro dos Negócios Estrangeiros? O que não diriam os bem pensantes da esquerda nacional?
Algo que me diz que “nepotismo” era capaz de ser a acusação mais suave.
Texto alterado às 10h09m
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