O PS estava absolutamente convencido que o próximo Presidente seria socialista. Guterres resolveu continuar por Genebra e, talvez, tentar Nova Iorque, e os socialistas entraram em pânico. Perceberam que afinal o próximo inquilino de Belém poderá vir de novo do PSD. E estão há duas semanas a mostrar o estado de pânico a todo o país.

As causas do descontrolo não foram a má gestão de António Costa ou a divisão do partido em relação aos candidatos (o PSD também está dividido em relação ao candidato a apoiar). As causas são outras e mais graves. Por que está o PS tão nervoso com as eleições presidenciais, quando as legislativas são mais cedo e mais importantes?

O nervosismo resulta, antes de mais, do entendimento que o PS tem dos poderes presidenciais. A maioria dos socialistas acredita que o curso dos mandatos parlamentares dependem em grande medida do Presidente da República. Se prestarmos atenção ao que dizem muitos dirigentes socialistas sobre os últimos quatro anos da vida política portuguesa, percebemos o seu pensamento sobre os poderes presidenciais. Estão absolutamente convencidos que Cavaco Silva foi determinante para a queda do segundo governo de Sócrates. A natureza minoritária do governo socrático e a necessidade de um resgate financeiro externo são detalhes. O verdadeiro problema estava em Belém.

Com o governo PSD-CDS, o problema continua a estar em Belém. Quase todos os socialistas estão convencidos que o actual governo só vai terminar a legislatura porque Cavaco Silva é o Presidente da República. Embora Cavaco se tenha limitado a cumprir a sua função, mesmo quando resolveu garantir a estabilidade política em Julho de 2012 (no pior momento da coligação), os socialistas de certo modo têm razão. Se estivesse um socialista em Belém, este governo dificilmente teria chegado ao fim. Os socialistas também sabem muito bem o que Jorge Sampaio fez para derrubar o governo de Santana Lopes em 2004. Tal como não se esqueceram da oposição aos governos de Cavaco, liderada a partir de Belém por Mário Soares.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

À experiência democrática dos poderes presidenciais, os socialistas juntam uma visão histórica do papel central do PS na República portuguesa. Para muitos dirigentes socialistas, o PS é o verdadeiro partido republicano português. Nas cabeças socialistas, a ideia de ‘república’ está associada ao progresso socialista. Por isso, o símbolo máximo da República, o Presidente, deve ser naturalmente um socialista. Daí, o esforço tremendo feito nos últimos dez anos para retirar legitimidade política ao Presidente Cavaco Silva.

Um novo Presidente da área do PSD significa para o PS alguém que ajudará os governos de direita a terminarem os seus mandatos – e os socialistas descobrem sempre boas razões para esses governos serem afastados a meio da legislatura. E, pior ainda, seria o fim da narrativa histórica que concede aos socialistas um direito natural à Presidência da República.

Mas há uma segunda razão que levou ao pânico socialista a propósito dos candidatos presidenciais. Sem o admitir, o PS já percebeu que não será capaz de governar a partir de Outubro. Os socialistas assistem ao que se está a passar com a Grécia e entendem que a zona Euro, no essencial, não vai mudar de políticas. E também perceberam que a política da zona Euro não é apenas a política da “Senhora Merkel”. Sabem que o SPD (o PS alemão) está no poder com Merkel. E ouviram no fim da semana o que o PM francês disse em Lisboa. A Grécia tem que cumprir o programa e acabar com os jogos políticos. Ou seja, o governo socialista francês está ao lado do governo alemão. Aliás, a experiência grega tornou a vida ainda mais difícil a quem deseja uma mudança de políticas na zona Euro, como certamente Valls terá explicado a António Costa.

O PS sabe muito bem que se chegar ao poder terá que continuar, no que conta, as políticas do actual governo. Não poderá cumprir as promessas eleitorais, terá que continuar a reduzir a despesa pública, não terá dinheiro para grandes investimentos públicos e será obrigado a privatizar e a liberalizar a economia. E, como qualquer dirigente socialista sabe, um governo do PS não garantiria um crescimento mais acelerado da economia ou uma diminuição mais rápida do desemprego. Duvido que a unidade do PS sobrevivesse ao embate com a realidade económica do país. Seria penoso para um executivo socialista governar o país nas actuais circunstâncias. Seria além disso dramático para o país porque um governo minoritário socialista dificilmente chegaria ao fim do seu mandato.

O PS sabe que não é capaz de governar num contexto de escassos recursos financeiros, com a necessidade de reduzir a despesa pública e de fazer reformas que contrariam o discurso da maioria dos seus dirigentes. Para o fazer o PS teria que deixar de ser o PS e tornar-se num partido social-democrata. Mas a tendência dos últimos quatro anos é a oposta. Em vez de se posicionar ao centro, o PS virou para a esquerda. E Costa está refém desse discurso e da experiência recente de oposição radical ao governo, e não será capaz de mudar. A distração do PS com as presidenciais também é um sintoma das dificuldades do partido em apresentar um discurso de governo adequado aos tempos em que vivemos.