Não alinho nas críticas a Carlos Costa. Vejo o governador do Banco de Portugal como uma pessoa com um percurso invulgar, muito conhecedor, competente e sensato. Por isso, mesmo fiquei muito surpreendido com as suas declarações no início da semana, num encontro público. São palavras, certamente muito pensadas, que revelam uma situação grave da banca portuguesa. Fiquei igualmente espantado com a pouca atenção dada às palavras de Carlos Costa. Parece que o país se encontra distraído com questões menores e anestesiado com a propaganda vazia e mentirosa do governo. Neste momento, em Portugal, não há nada mais importante do que o sistema financeiro. Pode provocar uma crise muito séria na economia portuguesa e levar mesmo a um segundo resgate europeu.

O que disse então Carlos Costa? Em primeiro lugar, há um problema “sistémico” com o crédito mau nos bancos portugueses. Não há problemas com um banco, com dois ou com três, mas com todo o sistema financeiro (“sistémico”). Em segundo lugar, individualmente, os bancos não conseguem resolver os seus problemas, em grande medida por causa de dificuldades de financiamento nos mercados internacionais. Por isso, continuou Carlos Costa, os bancos portugueses necessitam de ajuda pública. Se for através de financiamento do Estado português, será necessário que a Comissão Europeia (DG Concorrência) aceite a natureza excepcional das ajudas de Estado. Se o apoio vier das instituições europeias, será fundamental que não se aplique as novas regras europeias de resolução bancária. Não consigo lembrar-me da última vez que ouvi declarações públicas tão significativas como estas.

Não faço a mínima ideia do que levou Carlos Costa – habitualmente muito prudente – a fazer estas declarações. Encontro duas explicações possíveis. O programa de financiamento do Banco Central Europeu não é suficiente para resolver os problemas dos bancos portugueses a curto prazo. Ou – segunda explicação possível – existem problemas sérios de comunicação entre o Banco de Portugal e o governo (sobretudo com o ministério das Finanças) e o governador foi forçado a enviar avisos sérios em público (terá também aproveitado para enviar mensagens às autoridades europeias presentes na conferência).

A sucessão de declarações a defender a criação de um “banco mau” não ajuda nada a melhorar a percepção dos mercados sobre os bancos portugueses. Os investidores financeiros ficam confusos, levantam questões preocupantes e perdem confiança no sistema financeiro português. Por exemplo, a referência ao “modelo italiano” aumenta a confusão nos mercados. Em Itália os maiores bancos privados é que financiam o “banco mau”. Mas os investidores financeiros sabem o que disse esta semana Teodora Cardoso: “Não há em Portugal bancos bons que poderiam substituir o Estado para financiar o banco mau.” Ao contrário de Itália, em Portugal, o maior banco, a Caixa Geral de Depósitos, deverá ser o que neste momento terá os maiores problemas. Segundo notícias recentes, precisará de cerca de 4 mil milhões de Euros para se recapitalizar. Aliás, é extraordinário como António Costa continua a dizer que a CGD é uma referência de estabilidade no sistema financeiro. Se isto é estabilidade, o que será instabilidade?

Curiosamente (e ironicamente) a aplicação do “modelo italiano” a Portugal poderia reforçar a “espanholização” do sistema financeiro. Dito de outro modo, só no plano ibérico é que há bancos grandes e bons para salvar bancos mais pequenos e maus (modelo italiano). Talvez não seja boa ideia levar Bruxelas e Frankfurt a tratar a Península Ibérica, no plano financeiro, como se fosse a Itália.

Seria muito importante que, no caso de as autoridades nacionais decidirem criar um “banco mau”, o anunciassem quando a decisão estiver tomada e explicassem muito bem a sua natureza. Não há nada pior do que especulações e dúvidas sobre uma matéria tão sensível. O Presidente da República poderia desempenhar um papel crucial de articulação entre o governo e o Banco de Portugal. Não será talvez o trabalho mais feliz de todos, mas seria certamente um dos mais importante para os portugueses.

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