Quando Miguel Faria e Castro, o economista português que trabalha na Reserva Federal dos EUA, previu que com a pandemia o desemprego nos EUA pode atingir os 32% o mundo parou para escutá-lo. Em Portugal, onde se pretende que os factos comprovem os argumentos mais que os argumentos clarifiquem os factos, viu-se nesta eventual subida do desemprego uma nova prova da desumanidade do capitalismo. Poucos ligaram à estimativa que o mesmo economista fez para Portugal a partir dos mesmos critérios. Nessa adaptação, e num cenário tão desastroso quanto o dos EUA, a taxa de desemprego em Portugal atingiria os 35,3%. Com a diferença que (esta conhecemos bem) a economia norte-americana é muito mais dinâmica que a portuguesa e a taxa de desemprego costuma levar menos tempo a descer que cá. Ou seja, as pessoas que perdem o emprego nos EUA ficam desempregadas muitos mesmo tempo que em Portugal. A razão para a diferença também é simples: nos EUA a liberdade económica é mais forte, logo mais eficiente.

O desemprego é um dos problemas que vai marcar os tempos mais próximos. Dependendo da resposta que for dada, ou desaparece rapidamente ou fica connosco durante anos. As soluções políticas para o desemprego vão marcar a diferença entre os socialistas e os não socialistas. Os primeiros defenderão mais estado e mais subsídios. Os segundos espero que menos estado e mais empresas que criem emprego.

Em Portugal os sectores mais afectados pela crise pandémica são o comércio, a hotelaria e a restauração. Basicamente o turismo. Como o turismo correspondeu em 2019 a 19% das exportações totais e a 8,7% do PIB, a queda deste sector terá repercussões em toda a economia. Todos os outros sectores serão afectados. Não há português que não venha a sofrer consequências deste empobrecimento, seja através de uma quebra do seu negócio ou do aumento dos impostos que paga. O Estado vai precisar de ir a todos para custear as ajudas públicas que avançou, mais os subsídios de desemprego que terão de ser distribuídos.

Como todos serão afectados a resposta tem de ser rápida e apresentar resultados quase imediatos. Caso contrário, o cansaço, a desilusão tomará também conta dos que se consideram seguros e que, geralmente, votam em conformidade. É esta resposta rápida e eficiente que a direita pode abraçar. São estes sectores de actividade desprotegidos em que há desemprego e que a esquerda quer inundar com subsídios que a direita deve procurar. Defender políticas que gerem emprego e não se limitem à distribuição de dinheiro. Já o disse aqui várias vezes: quem tem brio no trabalho não quer dependência; quer trabalhar. Ganhar dinheiro e seguir com a sua vida sem ter de prestar contas políticas por isso. A liberdade política e social resume-se a isto e nasce e sustenta a liberdade política.

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‘The English Game’ é uma série da Netflix. Retrata os tempos do início do futebol quando este deixa de ser um desporto da elite e se torna num fenómeno de massas, num desporto popular. Essa transformação dá-se quando a grande maioria da população (e não apenas os privilegiados) começa a jogar e a ver futebol. Como resultado, em 1882, uma equipa de operários, o Blackburn, ganha pela primeira vez a taça de Inglaterra. Foi uma revolução no desporto. A partir daí os jogadores passaram a ser maioritariamente pagos e o profissionalismo impôs-se.

Arthur Kinnard era filho de um banqueiro e jogava pelos Old Etonians, a última equipa amadora em que todos os jogadores eram ricos e que perdeu a final com o Blackburn. Quando os seus amigos e companheiros quiseram impedir a equipa de operários do Blackburn de jogar a final contra os filhos dos milionários com a acusação de que pagava a jogadores, Kinnard opôs-se. É natural que a série romanceie um pouco o que sucedeu, mas não duvido que Kinnard tenha apoiado os operários mesmo sabendo que o mais certo era perder o jogo. Na verdade, Kinnard tornou-se presidente da Associação de Futebol até à sua morte, 33 anos mais tarde. Perdeu uma final, mas ganhou um lugar na história.

Os membros da elite inglesa do século XIX que perceberam que o futebol não ia ficar igual abraçaram a mudança e sobreviveram com esta. Os que fecharam os olhos e teimaram num mundo que já não existia desapareceram com ele. A direita tem de fazer como Kinnard e colocar-se ao lado dos desprotegidos. Estes já não são os operários, mas os comerciantes e trabalhadores de empresas que não dependem do estado. Dos que não vivem dos negócios públicos, mas constituem uma boa percentagem da economia e (se tirarmos o sector público) talvez a maior parte. Como os operários daquela Inglaterra eram o motor do futebol, os desfavorecidos do sistema em que vivemos são o motor da nossa economia. Foram eles que a fizeram crescer nos últimos 5 anos. São eles os cidadãos que a direita não pode permitir que a maioria esqueça. São estes os cidadãos que não se devem abandonar em troca de uns subsídios que limpem a consciência dos que se protegem. Isso era o que a elite do século XIX fazia. Não o que nós fazemos.

Na semana passada escrevi que a direita não socialista (liberais e conservadores não saudosistas) precisa de ter um candidato às presidenciais de 2021 que não seja nem Marcelo nem Ventura. Essa candidatura não deve ser contra estes dois candidatos, mas apresentar um projecto bem estruturado, bem pensado e bem construído. Deve apontar de forma clara os problemas do país e indicar as propostas para os resolver. Deve ser uma candidatura positiva, não negativa. Deve definir-se a favor não contra. Marcar a agenda, dirigir-se aos cidadãos, ouvi-los falar dos seus problemas, deixando aos oponentes a crítica, caso a haja.

O país mudou muito nos últimos vinte anos. O choque da quase bancarrota em 2011 levou boa parte da população a compreender o risco da dívida. O choque de 2020 vai despertá-la para o valor do trabalho e do investimento. Actualmente os que investiam perderam e os que sustentam o país são em menor número que há 20 anos. Tantos os que perderam como os que ainda se aguentam precisam de alguém que fale por eles. A um político cabe procurá-los, escutá-los e entendê-los. A seguir, o que vier falará por si.