O que será o país político depois de 6 de Outubro? Aqui há dois cenários dominantes. Se o PS tiver maioria absoluta (algo que já escrevi não ser desejável) é uma coisa, se não tiver é outra. Neste caso, a questão central será ver com que partidos poderá fazer uma coligação, ou um acordo de incidência parlamentar, que deveria ser escrito, para dar maiores garantias de estabilidade numa legislatura que também não vai ser fácil. Explorarei esta questão noutro artigo. O que me interessa abordar hoje é mais estrutural. Para onde vai o nosso sistema partidário? Que mudanças estruturais se podem antever?

Antes de responder a estas questões importa perceber o que aconteceu nos últimos anos. Sucintamente, viemos de um sistema em que as esquerdas não falavam entre si, em que existia um “arco da governação” (PS, PSD, CDS) onde mais facilmente os partidos à direita tinham uma maioria absoluta, do que o PS, que, com uma única excepção, teve de governar com governos minoritários. Sendo o bloco central, também uma excepção na nossa vida democrática, vigorou nestas últimas décadas a alternância governativa dentro do “arco da governação”.

A última legislatura, trouxe aquilo que é normal nas democracias europeias há muito tempo. Governa, quem consegue uma maioria parlamentar de sustentação do governo. Há mesmo países, em que existe uma moção de censura construtiva, ou seja só é possível deitar abaixo um governo se houver uma alternativa parlamentar maioritária de apoio a um novo  primeiro ministro (algo que só faria bem a Portugal ter). Sei, por experiência direta parlamentar, que esta simples evidência democrática, demorou largos meses a ser incorporada por PSD e CDS, porque ia contra a nossa tradição parlamentar de ser o partido mais votado a governar. A maneira como doravante deverá ser lido o artigo 187º da Constituição (“O Primeiro-Ministro é nomeado pelo Presidente da República, ouvidos os partidos representados na Assembleia da República e tendo em conta os resultados eleitorais”) é a maneira como sempre deveria ter sido lida. O PR deve nomear quem tem as mínimas condições democráticas para governar. Ora, era certo em 2015 que a PàF (CDS e PSD) não tinham essas condições nem sequer para aprovar o primeiro orçamento, quanto mais um programa de governo, pelo que foi um erro, e uma perda de tempo para o país, com o sistema financeiro à beira do colapso, o então PR Cavaco Silva, nomear Pedro Passos Coelho para o mais curto governo desta democracia. A prova do erro e da inconsistência, é que após a queda deste governo Cavaco Silva exigiu (agora bem) que houvesse um acordo, ou acordos escritos em que se afirmasse o mínimo denominador comum entre os partidos de esquerda (PS, PCP, BE e Verdes) e que poderiam sustentar esse governo e levar a legislatura até ao fim, o que aconteceu contra a maioria das expectativas.

Aqui chegados, a situação mudou radicalmente, não apenas por entrarmos na normalidade democrática europeia (onde em certos países se leva largos meses  a formar governo precisamente para garantir essa maioria), mas porque o que se assiste hoje é a emergência de uma fragmentação de novos partidos sobretudo à direita. Com a agravante, no campo da direita, de Assunção Cristas, inebriada com o resultado das autárquicas, ter iniciado um processo de descolagem do PSD, que pensaria ser vitorioso, mas que o próximo dia 6 mostrará também que foi um erro táctico colossal, a par de outras más prestações do seu partido (professores, despacho do secretário de estado da educação, etc.).

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Ao contrário de muitos países europeus em que a crise económica e financeira originou uma recomposição rápida e dramática do sistema partidário, essa recomposição em Portugal também se está a dar, mas a ser mais lenta. A direção parece-me clara. O peso dos dois maiores partidos vai paulatinamente declinar. Partidos de esquerda mais radical, no sentido de rejeitarem o essencial do projeto de integração europeu (como o Bloco, o PCP e os Verdes) vão, na sua globalidade, perder peso eleitoral, sendo que o partido mais penalizado será o PCP/Verdes e o BE será provisoriamente reforçado.

Já emergiu e poderá desenvolver-se um novo partido moderado, com uma agenda ecologista e ambientalista que exprima os valores pós materialistas de um conjunto cada vez mais alargado de cidadãos portugueses. O estudo do ICS, “II grande inquérito sobre a sustentabilidade em Portugal”, apresentado esta semana em Lisboa, mostrou que as preocupações materiais persistem (salários, crise, desemprego), mas as imateriais ganham um peso considerável. E isto explica o crescimento forte que o PAN terá nas próximas eleições.  Se crescer e amadurecer institucional e programaticamente (nunca esquecer a lição do PRD) vai poder fazer toda a diferença quer no próprio PS – que se mostra incapaz de se reformar – quer em futuras coligações ou acordos. O PS não tem nenhuma afinidade com o BE e o PCP em tudo o que tem a ver com assuntos europeus (que não são uma questão de somenos como o Brexit ensina aos mais desprevenidos) nem na sua abordagem da economia mista de mercado.  Ou o BE evolui na sua posição europeia (é possível, o CDS fê-lo no passado) ou o BE nunca poderá vir a ser um parceiro estável do PS.

À direita a reformulação do espaço político é imprevisível. Tudo dependerá do resultado político de dia 6 e do futuro de Rui Rio. Se Rio sobreviver e o PSD se mantiver mais social democrata, há um claro espaço para um novo partido à direita do PSD. Se Rio cair, e se o PSD se posicionar numa linha mais liberal haverá espaço para um novo partido de centro direita que também facilitaria acordos quer com PSD quer com PS.

É normal nos sistemas partidários europeus, com sistemas eleitorais de representação proporcional um maior nível de fragmentação parlamentar superior do que existe em Portugal. Basta pensar que a inépcia dos partidos políticos portugueses em alterar o sistema eleitoral faz com que a demografia o altere. Nestas eleições, Lisboa e Porto vão ganhar um mandato cada, em contrapartida da perda de mandatos de Guarda e Viseu, o que facilitará a entrada de novos partidos. Haverá maior fragmentação partidária o que não produz, necessariamente, problemas de governabilidade desde que haja maturidade democrática e uma cultura de que, após as eleições, os partidos têm de se entender para formar governo. Os velhos partidos da nossa democracia só mudarão, e bem precisam, se se sentirem ameaçados. Os novos partidos são assim bem-vindos à competição política desde que inovem e respondam aos anseios dos portugueses e não reproduzam, para pior, os vícios dos já existentes.