Estabelecer mínimos de compreensão é sempre uma boa ideia. Qualquer comunicação necessita pontos de entendimento comum. Como estamos a falar de valores, estas são algumas das ideias que devemos ter em mente:

1. aquilo que uma coisa vale; 2. custo de um objecto, de um bem ou de um serviço, em função da sua capacidade de ser negociado no mercado; 3. qualidade que desperta admiração por alguém; valia, mérito, préstimo; 4. objecto valioso; 5. significação precisa de um termo; 6. preceito ou princípio moral passível de orientar a acção humana; 7. propriedade ou carácter do que é, não só desejado, mas também desejável; 8. as próprias coisas desejáveis, sendo os principais valores o verdadeiro, o belo, o bem; 9. quaisquer títulos, acções, obrigações, letras de câmbio, etc., que representem certa importância em dinheiro; 10. bens, haveres, riquezas.

O leque das mais-valias do nosso primeiro-ministro não pára de surpreender os portugueses. Nos últimos dias soubemos que António Costa é um génio a gerir o seu portfólio de investimentos pessoais. Porém, por motivos incompreensíveis, esta capacidade de fazer dobrar valores (entenda-se dinheiro) foi, mais ou menos, camuflada. Mas porquê? Quem é que não gosta dum primeiro-ministro que é capaz de duplicar os seus investimentos pessoais? Especialmente se esse primeiro-ministro aplicar à gestão do património e do dinheiro público a mesmíssima metodologia que lhe possibilita tais rácios de rentabilidade. Tenho a certeza absoluta que não há negócio para Portugal que o primeiro-ministro não consiga. Principalmente quando puxar o argumento da filha. Quem poderá objectar?

Mas pensemos um pouco mais. O que o cidadão António Costa fez ao casal Rosa poderá tratar-se de um verdadeiro acto de bondade. Até diria mais: um acto de pura bondade. A intenção do nosso primeiro é claríssima. António Costa procurou poupar o casal Rosa aos horrores da especulação e, sobretudo, aos tormentos da devassa fiscal às contas bancárias deste casal. Tenho a certeza que a Autoridade Tributária (AT) já estava a salivar. É que para a AT os contratos (promessa e não só) são autênticas campainhas. O próprio Costa treme de medo perante a possibilidade das suas contas poderem ser inspeccionadas. António Costa, porque em 10 meses conseguiu o dobro do que pagou, deve estar lívido de terror. Provavelmente devemos ser solidários com ele. Até porque o primeiro-ministro nunca criticou a especulação imobiliária.

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António Costa teve um lapso. Professa o socialismo mas pratica o capitalismo. Porém esta falha versa apenas o seu próprio património. Enquanto dobra os valores dos seus haveres pessoais com um sorriso na cara, inflete os preceitos e os princípios ideológicos. Paradoxalmente, consegue dobrar ambos os valores. Tantos os particulares como os públicos. Não acreditam? Olhem para o preço dos combustíveis. Lembrem-se das receitas dos impostos. Indirectos e não só!

Por falar em lapsos, estes parecem ser o modus operandi do governo. O esquecimento da lei é uma pratica continuada deste Governo. Já vem do tempo do famoso código de conduta elaborado pelo ministro Santos Silva. Foram lapsos que originaram este regulamento que, em boa verdade, só reafirma o que a lei já estipulava e que os nossos governantes esqueceram. O ministro Pedro Siza Vieira teve agora dois lapsos seguidos. O secretário de Estado da Juventude e Desporto também se esqueceu. Estes esquecimentos são muito estranhos. Até porque tanto António Costa como Pedro Siza Vieira são licenciados em Direito. Já se esqueceram da lei e das obrigações decorrentes da mesma?

E os lapsos sucedem-se. O fim da austeridade foi anunciado com pompa e circunstância ao mesmo tempo que os combustíveis sofriam um aumento de 6 cêntimos por litro. Cortesia fiscal do Governo da geringonça para celebrar os tempos de prosperidade. É curioso que quando o actual primeiro-ministro tinha deixado havia pouco de ser ministro de José Sócrates, em Março de 2008, o preço da gasolina 95 era de 1,394 euros por litro. Todavia o preço do crude (Brent) rondava então os 103,4 dólares por barril. Hoje, cortesia dos impostos do governo de António Costa, a gasolina 95 vai passar a custar 1,588 euros por litro e o preço do petróleo é de 75,92 dólares por barril.

Exaltaram a diminuição da carga fiscal até a exaustão. Disseram-no e repetiram-no incansavelmente. Até que o INE os desmentiu. Nada que os portugueses já não sentissem, mas persistiram na mentira. Tenho a certeza que Clausius não se importará que eu diga que esta é a melhor maneira de sumarizar António Costa e Mário Centeno: C + C = Impostos > 1.

Também a reforma das florestas foi apregoada aos sete ventos. Maravilha das maravilhas, Portugal estava protegido. Mas a salvação não previa a alteração dos pressupostos. E a fatalidade aconteceu. Estes tipos são apologistas do acaso. Foram, há muito, seduzidos pela sorte. E gostam da vertigem da roleta. Por isso, apostam com leveza. Apostam créditos que não são seus. Com leveza porque estão convencidos que são os donos do casino. Afinal, a casa ganha sempre. Infelizmente, as casas não eram deles. Arderam! E vidas consumiram-se. Literalmente!

E, sem se rir, os dirigentes do único partido político que já conduziu Portugal a três bancarrotas proclamam que os socialistas governam com rigor as contas públicas.

Nenhuma glória é vã. Sobretudo quando sustentada em palavras desprovidas de verdade. Não apenas porque a verdade dói, ou custa, mas também porque a verdade não alimenta os crentes. Os crentes renegam a realidade. Exigem a cornucópia da abundância, ou seja, o manancial da ilusão. Continuam a dizer que a austeridade acabou mas cada vez se pagam mais impostos.

Por quem os valores dobram? Pelos lapsos. Inquestionavelmente!

Post Scriptum– O congresso do PS foi uma autentica feira de vaidades. Várias eminências socialistas afirmaram que o PS combate a corrupção. No mesmo congresso que aplaudiu José Sócrates ouviram-se frases como: “O PS esteve na primeira linha no combate contra a corrupção” e “a política de prevenção e combate à corrupção está no ADN do PS”. Convém relembrarmos que estamos a falar do partido que não aprovou medidas contra o enriquecimento ilícito por não estar disponível para suspender a democracia. Se combater o enriquecimento ilícito implica a suspensão da democracia, que significará o combate à corrupção? No meu último artigo equacionei alguns cenários relativamente aos condicionalismos de António Costa. Outros ficaram em aberto. Contudo, após as intervenções de Pedro Nuno Santos e de João Galamba, parece ser claro que os constrangimentos são muito maiores. António Costa quase não tem margem de manobra. Menos terá se o PCP e o BE preferirem dialogar com Pedro Nuno Santos e João Galamba.

Politólogo, professor convidado EEG/Universidade do Minho